A pandemia trouxe muita dor para famílias do mundo inteiro. A sobrecarga de pacientes com uma doença até então desconhecida pela medicina exigiu medidas drásticas e imediatas para assistir os doentes. A estrutura da rede de saúde, no entanto, não comportava a demanda e foi necessário ampliar o serviço. Dois anos depois, parte do legado dos esforços para salvar milhares de vida em Goiás são mais leitos, mais unidades de saúde, mais profissionais na área da saúde e menos encaminhamentos para Goiânia.
O interior do estado passou a ter a infraestrutura almejada e necessária há anos pela população. Finalmente, após três décadas da implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), a cobertura para atendimentos básico, secundário e terciário se tornou uma realidade. Aldeneide Gonzaga vivenciou o antes e depois do serviço em São Luís dos Montes Belos. Em julho de 2021, ela ficou internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital da cidade por complicações da covid-19 e chegou a ser intubada. Hoje, reflete sobre como seria se tivesse de ter sido encaminhada pra Goiânia.
“Se eu fosse pra capital, ficaria difícil para meus filhos me acompanharem. Fui bem atendida e cuidada pela equipe. Eu me lembro que anos atrás a minha mãe e meu irmão precisaram de UTI e receberam encaminhamentos para Goiânia porque aqui não tinha. Foi ruim porque mal davam notícias par nós. Me disseram que sempre informavam aos meus familiares o meu estado de saúde. É engraçado, mas aqui no interior a gente sempre associa internação em Goiânia com morte porque parece que a pessoa fica distante da família e aqui mais perto a gente tem mais segurança e parece que por ter menos gente vão até atender melhor as pessoas”, lembra a cuidadora de idosos.
Para que houvesse leitos de UTI disponível na região, o sistema estadual de saúde imprimiu dinheiro e estratégia na aplicação dos recursos. O combate ao coronavírus no estado custou mais de R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos. Esse montante foi aplicado em diversas frentes e uma delas foi a construção de hospitais de campanha de alvenaria, ou seja, estruturas fixas que continuam funcionando agora numa fase bem menos crítica da pandemia.
Ali ao lado
Os prédios começaram a ser estadualizados ou cedidos ao governo de Goiás e passaram a integrar o projeto de gestão em saúde regionalizada com a especificação de seus perfis assistenciais para atender as necessidades das regiões onde estão localizadas, inclusive com leitos de UTI, sem a necessidade de encaminhamentos para a capital. Essa organização diferenciada não se trata de um capricho ou mera burocracia que trava a dinâmica do fluxo de atendimento. É o que garante a especialista em gestão, qualidade e auditoria em saúde, informa Caroline Marinho.
“Por exemplo: um hospital grande com fluxo de pacientes por dia sendo 20% fora do perfil da unidade representa gasto com profissional e material. Esses recursos poderiam ter sido usados para atender quem se encaixa nas características daquele local, agilizar o atendimento ou mesmo para reestruturação ou aquisição de equipamentos necessários. Quando isso funciona, diminui o fluxo de pacientes do interior na capital para receber atendimento, reduz a probabilidade de piora no quadro de saúde, a assistência regionalizada é fortalecida, a qualidade melhora e o paciente fica satisfeito”, explica.
O diretor médico do Hospital Estadual de São Luís de Montes Belos, José Silvério, foi um dos responsáveis pelo atendimento de Aldeneide. Ele afirma que, assim como ela, muitas pessoas tiveram mais chances de recuperação com a oferta de suporte intensivo durante a pandemia e agora, com a permanência do serviço para outras doenças, a população da região será beneficiada. Na transformação do antigo hospital municipal em estadual foram criados dez leitos de UTI que, desde o final do ano passado, recebem pacientes com cardiopatias, enfisema pulmonar, vítimas de acidente de trânsito e outros.
“Ajudou muito a gente porque num passado não tão distante, nós tínhamos que encaminhar os pacientes para a capital, Anápolis e Aparecida, ou seja, a mais de 120 quilômetros de distância. Temos agora um hospital e UTI completos com 52 leitos de enfermaria, 10 de UTI e 2 de estabilização. Temos também tomógrafo computadorizado, equipe de radiologia, raio x, ultrassonografia, laboratório e equipes médicas especializadas com ginecologista e obstetrícia, ortopedista e cirurgião 24 horas por dia”, detalha José Silvério.
Importância da UTI
Clinicamente, os maiores riscos da transferência de uma pessoa com a situação fragilizada com necessidade de um leito de UTI é a descompensação hemodinâmica que seriam pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória alteradas. Atualmente, 5% dos pacientes que entram pelo pronto socorro se encontram nessa situação e acabam internados para receberem os cuidados intensivos.
“A pessoa com um fratura exposta tem lesão de grandes vasos e sangra bastante. Se não for contido imediatamente, o risco de óbito é iminente. Com a UTI aqui, o clínico estabiliza o paciente e ele é direcionado para um ortopedista e um anestesiologista que vai operar essa pessoa. Assim, não precisamos mais recorrer à regulação para procurar um vaga e depois transportar essa pessoa, que fica exposta a infecções e ao risco da própria viagem. Conseguimos absorver 80% das demandas e sermos resolutivos em todas elas”, diz.
Para Caroline, esse processo de estadualização da regulação assistencial e de implementação da chamada “linha de cuidado” são frutos da administração do setor durante a pandemia. Vagas disponíveis em um sistema com alcance em todo o território goiano e uma espécie de plano de tratamento, a contrarreferência, garantem atendimento mais rápido e mais perto da casa do paciente, mesmo que tenha sido deslocado para cuidados de média e alta complexidade em um hospital regional.