Nesta terça-feira (5), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada em situações de agressão contra mulheres transexuais. A decisão no STJ veio depois que a Justiça da cidade de São Paulo decidiu, em primeira instância, que a lei não poderia se aplicar no caso de uma mulher trans que foi vítima de violência física cometida pelo próprio pai. O tribunal estadual concordou com a decisão. No entanto, o STJ reconheceu o direito da vítima a ter medidas protetivas contra o agressor.
“Na decisão [estadual] foram usados conceitos muito restritivos, de sexo biológico. A própria Lei Maria da Penha, de 2006, reconhece que deve ser aplicado o conceito de gênero”, explica a ex-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) e conselheira seccional do órgão, Amanda Souto Baliza. Na prática, aplicar a ideia de sexo biológico significa dizer que apenas mulheres cis (que nasceram com órgão genital feminino) poderiam ser protegidas pela lei, enquanto mulheres trans ficariam sem a proteção. Segundo a advogada, a primeira decisão como essa de quinta-feira foi obtida, nacionalmente falando, em 2016.
A integrante da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Goiás (Astral), Roberta Fernandes, lembra que o Brasil é líder no números de assassinato da população trans, ao mesmo tempo em que é um dos que mais consomem pornografia sobre estas pessoas. “Em Goiás, por exemplo, só neste ano, quatro pessoas trans já morreram e uma está desaparecida. É um índice alto”, afirma Roberta, que é mulher trans, pós-graduada em Psicologia e Educação, além de integrar a presidência do Conselho Municipal de Direitos da Mulher, em Goiânia.
A advogada Amanda Baliza conta que nunca soube de nenhum caso, em Goiás, parecido com o que houve em São Paulo, em que a Justiça nega que a mulher trans seja protegida pela Lei Maria da Penha. No entanto, há relatos de dificuldade nos atendimentos na delegacia e Goiás é um estado violento contra pessoas LGBTQIA+.
“Tivemos, ano passado, em Planaltina, o caso de um menino que foi escalpelado pelo pai e ouviu que seu cabelo ‘era de viado’. Em Jataí, houve caso de um menino espancado pelo próprio pai por conta de sua orientação sexual. Nesse ano, tivemos um menino de 15 anos brutalmente assassinado na porta da escola, por conta da orientação sexual”, diz a advogada.
Ela destaca ainda que, “felizmente foi criado o Greace, um grupo especial de atendimento na Escola Superior da Polícia Civil, mas ainda precisamos de muito avanço. Goiás é um estado violento sim, muitas vezes as pessoas usam o preconceito para justificar a violência, principalmente no âmbito familiar”.
Neste contexto, a psicóloga Roberta Fernandes acredita que a decisão do STJ é relevante para incentivar pessoas trans a denunciarem violência de gênero. “Importantíssimo para que a gente consiga consolidar leis que amparem a população trans, principalmente na violência de gênero. Mas temos o segundo passo necessário, que é capacitar os profissionais de segurança pública que estão à frente e para atender essa população”, conclui.