No Brasil, 37% das mulheres não querem ser mães, segundo dados de uma pesquisa realizada pela farmacêutica Bayer, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think about Needs in Contraception (Tanco). No mundo, o desejo pela não maternidade tem número ainda maior, chegando a 72%.
De acordo com a historiadora e ativista Ana Paula Oliveira Lima, a escolha pela não maternidade “é mais do que uma resposta àquilo que se espera de um corpo biologicamente propício para tanto. É um questionamento sobre a construção da norma em relação à figura feminina; sobre a suposta falta; como se a mulher sem filhos fosse um ser incompleto e insuficiente”.
Na prática, a mulher que diz que não quer ter filhos é acusada de egoísta, de detestar crianças, como relata a técnica em enfermagem, Andressa Oliveira.
“As pessoas se assustam quando eu falo que não quero ter filhos. É como se eu tivesse obrigação. Perguntam: ‘Seu marido não quer?’ ou ‘Você não gosta de criança?’, ‘Cuidado viu, depois você vai querer e será tarde demais’, ‘Quem vai cuidar de vocês na velhice?’”, conta Andressa.
Segundo Ana Paula, essas pressões da sociedade sobre o corpo feminino fazem com que mulheres engravidem mesmo contra a vontade. Para ela, nas páginas ou sites dedicados a debater maternidade compulsória e não maternidade, diversas mulheres, às vezes de forma anônima, contam a pressão que sofrem de companheiros, sogras, mães, para ‘darem’ uma criança de presente a eles, como se seres humanos fossem um grande objeto presenteável.
Romantização da maternidade
E quando elas cedem e realizam esse desejo alheio, se deparam com a solidão da maternidade e a falta de rede de apoio por parte dessas mesmas pessoas que apenas reproduzem um discurso de romantização. Outras mulheres também afirmam amar seus filhos, mas detestam o fato de serem mães.
E a romantização da maternidade é outro ponto a ser observado. As redes sociais, na maioria das vezes, expressam o fato de ser mãe como sinônimo de felicidade e completude para mulheres, sobretudo jovens.
“No Instagram e no YouTube, por exemplo, digital influencers na faixa entre 20 e 30 anos de idade fazem da maternidade um negócio altamente lucrativo, além de um status. Já anunciam a gestação fazendo propaganda da marca do teste de gravidez, da farmácia onde se pode encontrar o produto, da loja que comercializa enxovais e itens para mãe e bebê. Compartilham o dia a dia do processo em stories, publicações e vlogs, e recebem dinheiro de marcas pelo que anunciam…”, relata Ana Paula.
Apesar da alta exposição, algo pouco notado pelas seguidoras é que esta felicidade relacionada à gestação e ao pós-parto, pouco corresponde à realidade. Olheiras profundas, causadas pela falta de sono, são disfarçadas por filtros. Já a exaustão, nem sempre é perceptível em stories de 15 segundos.
Fora do ‘padrão’
Conforme a historiadora, mulheres que optam por não realizar o ‘papel tradicional’ acabam lidando com isolamento, rejeição e repúdio em festas de família e aniversários de crianças. Na maioria das vezes, não são convidadas para determinados eventos ou são convidadas (ainda que sutilmente) a se retirar ou a não comparecer.
“Tudo isso tem a ver com falsas determinações sobre a conduta dessas mulheres, como já foi dito, e sobretudo, com a ideia de que, por não desejarem filhos, não são bons exemplos para outras pessoas ou farão mal a toda e qualquer criança”, explica Ana Paula.
Como também é professora, ela afirma que colegas que não têm o desejo de ser mães, precisam ocultar a escolha por temer retaliações ou não conseguir emprego.
Vale ressaltar também que a rejeição à maternidade é um processo ‘violento’. A lei que trata do planejamento familiar (Lei 9.263 de 1996) não é respeitada, visto que, mulheres sem filhos são impedidas de fazer laqueadura.