O termo “padre” vem do latim “pater”, cuja origem da palavra é a mesma de “pai”. Com as duas figuras diretamente relacionadas entre si, existem casos em que padres ocupam justamente a função de pais de família. Como exatamente isso funciona?
Entre a liderança na igreja e no lar
O padre Rafael Javier Magul, de 54 anos, é argentino, mas recebeu título de Cidadão Goiano em 2015. Ele tomou a decisão da vocação sacerdotal aos 14 anos de idade, e casou-se aos 23. Com dois filhos, faz parte da Igreja Ortodoxa de São Nicolau, em Goiânia.
Segundo ele, na Igreja Ortodoxa é possível um padre ter família. Porém, a escolha deve ser feita antes da ordenação. Assim que se torna diácono, não pode mais se casar. Essa é uma das principais diferenças entre a Ortodoxa e a Apostólica Romana. Ambas são católicas, mas essa última é mais tradicional.
“O sacerdote, antes de mais nada, é pai de toda uma comunidade. Tem que amar os seus filhos ‘adotivos’ como seus próprios filhos biológicos, e vice-versa. Então, nós temos a consciência de que somos uma família, com Maria, Nossa Senhora, como mãe, e Deus como pai. Juntos, constituímos uma fraternidade onde somos todos irmãos”, explica o padre Rafael Magul.
De acordo com o sacerdote, não se pode administrar bem a casa de Deus sem administrar bem a própria casa. Além disso, não é possível ser um bom pai sem ser um bom filho, já que esse vínculo é essencial para o sacerdócio.
Na comunidade, o padre Rafael possui uma responsabilidade a mais, que é passada para seus dois filhos. Afinal de contas, os fiéis tendem a seguir o exemplo de seus líderes dentro de uma religião.
“É uma missão grande. Para passar os valores aos próprios filhos, deve ser muito coerente. O desafio maior é poder passar os princípios para os filhos biológicos. Além disso, a comunidade cobra muito, pois os filhos do padre precisam ter uma conduta determinada”, afirma.
Para ser pai, é preciso “deixar de ser padre”
Na Igreja Apostólica Romana, não é permitido ser padre e, ao mesmo tempo, formar uma família. Tecnicamente, a pessoa que recebe a ordenação jamais deixa de ser padre. Ainda assim, ela pode optar por deixar de exercer essa função, pedindo uma autorização ao Vaticano. Somente então, é possível casar-se e ter filhos.
É o caso de Ricardino Rodrigues Fortaleza, de 59 anos. Com quatro filhos, um antes de ser padre e três depois que deixou o ministério, ele decidiu entrar na vida religiosa aos 19 anos. Ricardino tinha essa vocação desde os 14, mas quis amadurecer um pouco mais antes de “bater o martelo”.
Segundo ele, foi uma decisão muito bem pensada. Durante 20 anos, Ricardino permaneceu na vida religiosa. No entanto, chegou o momento em que decidiu procurar novos ares, principalmente quando começou a cometer negligências. E não foi nada fácil.
“Pesa muita coisa. Pesa o fato de você ter dado um sim para Deus, respondido aquilo que você acredita ter sido um chamado, e de repente abrir mão disso. Quando você pensa por aí, a decisão fica muito mais difícil. Ao mesmo tempo, você tem uma nova perspectiva, que não deixa mais que você viva o ministério com a mesma amplitude”, detalha.
Diante de outra perspectiva, Ricardino deixou o ministério e procurou trabalho na área social, um segmento no qual ele sempre se dedicou ao longo da vida religiosa. Aos poucos, foi entrando nas questões ambientais e, dois anos depois, já era analista ambiental. Ele ocupa esse cargo até hoje.
Para abraçar a vida de pai, Ricardino estabeleceu que prepararia seus filhos para a vida sendo cordial, honesto e rompendo com aquilo que causa o mal. A preocupação maior é dar aos filhos uma bagagem para que possam viver, construindo algo novo.
“Ser pai é uma questão muito forte. No ministério sacerdotal, eu sempre questionava: além de ser o pai espiritual de todo uma comunidade, por que ele não pode ser pai sanguíneo? Sempre foi um desejo muito grande meu. Ser pai para mim é algo sensacional, uma gratidão muito grande que tenho a Deus pela oportunidade”, conclui.