Os defeitos são conhecidos, mas ainda assim a democracia se mantém como escolha da maioria dos brasileiros. O desencanto não foi o suficiente para mudar a opinião dos 84% dos entrevistados de uma pesquisa da Datafolha realizada em agosto deste ano. A opção pela liberdade plena é um reflexo dos 20 anos de ditadura no País.
Por outro lado, a reclamação sobre a falta de limites de conduta dos políticos profissionais e as restritas formas de participação popular previstas na Constituição arregimentam o coro de parte da população que defende o retorno da monarquia. Esse grupo de pessoas enxerga na figura de um rei ou rainha a salvação para problemas típicos de qualquer democracia, como corrupção.
A sucessão real inglesa acompanhada nesta semana trouxe à tona a discussão sobre as vantagens de uma mudança drástica no regime governamental do Brasil. O sociólogo Alan Francisco não vislumbra essa possibilidade. Ele lembra que o próprio viés econômico elimina as chances de concretizar a ideia, além de ser proibido pelo atual texto constitucional.
“Há ideia, especialmente de alguns intelectuais, é de que a monarquia garante unidade e estabilidade de governo. Eu duvido dessas teses. Somos educados na democracia. À medida que alguns segmentos da sociedade não têm as demandas atendidas e pelo desgaste com a política aumentam os discursos em defesa de alternativas”, afirma.
De acordo com o cientista político Pedro Pietrafesa, o ataque às instituições democráticas colocam em risco a própria democracia. O especialista afirma que o processo vivido em Honduras, Rússia e Hungria está sendo experimentado no Brasil.
“Autoridades eleitas acabam corroendo as estruturas democráticas ao longo do mandato eletivo. Isso faz com que percam força e ainda dão força para os apoiadores desses líderes repetirem falas e ações no cotidiano, o que dificulta o debate público com a intolerância com quem pensa diferente” frisa.
Alan sugere que para adicionar ou transparecer mais confiança no regime democrático a principal estratégia é fortalecer a institucionalidade. Ele acredita que reforçar a importância da Constituição representa garantir direitos básicos essenciais para os cidadãos e o bom funcionamento do Executivo, Legislativo e Judiciário.
“O problema é que a abordagem econômica da Constituição do governo Bolsonaro entende que direitos básicos são um custo que pode reduzido aplicando menos impostos nessas áreas. Nesse sentido propõem restringir o acesso à universidade pública e gratuita, assim como a outras políticas sociais”, detalha.
Segundo Pietrafesa, o impacto socioeconômico relacionado ao regime democrático contribui para que parcela da sociedade se posicione a favor do retorno do autoritarismo ou totalitarismo. Ele destaca que a defesa ocorre dentro de um regime que zela pelas liberdade de expressão, liberdade de imprensa e respeito ao básico dos Direitos Humanos, pouco ou inexistentes às outras duas modalidades.
“Muitas dessas pessoas não viveram a ditadura, embora tenham conhecimento sobre ela por terem estudado na escola. Não podemos nos esquecer também que há um enraizamento autoritário como essência de grupos sociais, especialmente entre os que não terão os privilégios afetados caso o regime de governo não seja mais o democrático”, acredita o cientista político.
Segurança x Democracia
Nos últimos anos, o questionamento sobre a legitimidade e confiabilidade do processo eleitoral também contribui para abalar a confiança dos brasileiros na democracia. A segurança pública, mais especificamente as Forças Armadas, costuma ser tida como um pilar de sustentação para o regime.
No fim do mês de agosto deste ano, um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que 80,9% dos policiais de todo o País concordam que o vencedor das eleições declarado pela Justiça Eleitoral deve tomar posse em janeiro de 2023.