O que antes podia ser considerado luxo ou mesmo frescura, em determinados contextos, passou a ocupar o espaço de prioridade. Especialmente após o advento da pandemia de covid-19. A procura de pacientes da rede pública de saúde em Goiás por atendimentos na área de saúde mental apresenta um crescente e contínuo crescimento desde 2020, ano que foi decretada a situação de crise sanitária no Brasil. Em alguns casos, o salto foi de quase 270% de aumento na demanda.
De acordo com dados da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás, em 2019, o número de atendimentos individuais prestados a pacientes de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) foi de 77.626. Em 2020, primeiro ano da pandemia, esse número subiu para 86.365, passando 104.903 em 2021 e 136.637 em 2022. Um aumento de 75,65% em quatro anos. Em 2023, já foram prestados 10.460 atendimentos até início de junho, somando 415.721 no total.
O crescimento foi ainda maior nos casos de atenção à situação de crise. Segundo a SES, foram 2.046 ocorrências em 2019, passando para 2.416 em 2020, com uma explosão de registros nos dois anos seguintes: 6.187 em 2021 e 7.563 em 2022. O aumento, neste caso, foi de 269,64%. Em 2023, também até início de junho, foram 767 casos, levando a um somatório com os anos anteriores de 18.979 atendimentos.
Ações de reabilitação psicossocial também tiveram aumento grande na procura. Enquanto em 2019 foram 7.983 atendimentos, esse número passou para 9.580 no ano imediatamente posterior. Em 2021, houve ligeira queda, com 9.257, ao passo que em 2022, o número chegou a 14.101 atendimentos. Nestes quatro anos, a busca pelo serviço subiu 76.63%. Em 2023, 1.070 ocorrências, com 41.991 no total até então.
Em contrapartida, a pandemia impactou o atendimento em grupo a pacientes, justamente pelas regras de distanciamento social. Em 2019, 61.024 atendimentos, com queda 18.420 em 2020. Em 2021, os atendimentos mantiveram a baixa, com 16.558 registros. Em 2022, ano em que houve uma flexibilização das normas, o número saltou para 39.351. Em 2023, já foram 2.979 atendimentos, com um total de 138.332 ao longo do período.
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A política de saúde mental no Brasil pauta-se no modelo de atenção psicossocial, por meio da Rede de Atenção Psicossocial (Raps). O estado de Goiás atualmente conta com 94 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) funcionando em diferentes modalidades, sejam Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), leitos de saúde mental em hospital geral, equipe multiprofissional de atenção especializada em saúde mental (E-Maesm) e unidades de acolhimento.
A rede possui 30 Equipes Multiprofissionais de Atenção Especializada em Saúde Mental (E-Maesm) em funcionamento, das quais 18 habilitadas; 21 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) no estado, sendo seis em Goiânia. Dos leitos de Psiquiatria no Cadastro de Estabelecimentos de Saúde em funcionamento e que recebem cofinanciamento estadual são 208 em Goiânia, 160 em Aparecida de Goiânia e 100 em Anápolis. Há também 38 leitos de saúde mental em hospital geral habilitados no estado.
Mais investimento
O tema da saúde mental chegou a ser tema de uma audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados em novembro de 2022. Na ocasião, especialistas da área foram unânimes em apontar a urgência de mais investimento em políticas públicas, diante do aumento do número de casos de ansiedade, depressão e suicídio, mas com divergências sobre quais devem ser as prioridades.
Propositor da audiência, o deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), salientou que a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que a ansiedade afeta 18,6 milhões de brasileiros e os transtornos mentais são responsáveis por mais de um terço das pessoas incapacitadas nas Américas. Ele frisou que a covid-19 fez com que os transtornos se agravassem, intensificando os quadros de ansiedade e depressão e também trouxe novas questões, como o uso excessivo da internet.
Diretora secretária adjunta da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Miriam Gorender avalia que existe no Brasil uma falha muito grande na assistência e que vem afetando a saúde e a vida da população, observando que o suicídio é, muito frequentemente, consequência de doença mental tratada de forma ineficaz. Sandra Peu, também da ABP, acrescentou que existem situações graves em que é preciso salvar vidas e em que a internação é necessária com equipes multiprofissionais especializadas e ambientes arquitetonicamente adequados.
Representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP), psicóloga Lourdes Machado ressalta a importância da inclusão social e de um sistema público de acolhimento e tratamento das pessoas com transtornos mentais – para ela, o conceito de doença mental é inapropriado. Na avaliação dela, houve um retrocesso nos últimos cinco anos no debate sobre políticas para a saúde mental no Brasil, que anteriormente avançava no sentido da luta antimanicomial. (Com informações da Agência Câmara)