Press "Enter" to skip to content

Seis anos após cometer suicídio, ex-reitor da UFSC é inocentado

Última atualização 11/07/2023 | 16:06

Alvo da operação Ouvidos Moucos, em 2017, o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier, foi preso preventivamente. Após 18 dias da condenação, ele cometeu suicídio. Diante do acontecimento, na última segunda-feira, 10, o jurista Lenio Streck, durante a participação no ICL Notícias, cobrou a imediata reabertura do caso do antigo regente da instituição.

A operação contou com o mesmo modus operandi da Lava Jato e acusou Cancellier de desvio de dinheiro público. Entretanto, na última quinta-feira, 06, o Tribunal de Contas da União (TCU) comprovou a inocência do ex-reitor, descartando qualquer irregularidade cometida.

Cancellier ficou preso por 36 horas, ficando assim impedido de retornar à universidade. Com isso, o ex-reitor se atirou do último andar de um shopping de Florianópolis e no bolso havia um bilhete dizendo que sua morte tinha sido decretada quando foi afastado da Universidade.

Obrigação do Estado

Segundo Lenio Streck, o Estado tem obrigação de prestar contas do caso e punir os responsáveis. A operação foi chefiada pela delegada Érika Marena e a prisão foi autorizada pela juíza Janaina Cassol.

O objetivo da Ouvidos Moucos seria investigar supostas irregularidades em ofertas de educação à distância no Universidade Aberta do Brasil (UAB), projeto que busca ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior. O ex-reitor e outros seis professores foram acusados de desviar R$ 80 milhões.

Alguns dias depois, as inconsistências das investigações apareceram e, em 2021, cópia dos diálogos entre procuradores da Lava Jato apreendidos pela operação Spoofing mostraram indícios de que Érika teria forjado um falso depoimento no processo.

Streck destaca que a tentativa de criminalizar o ex-reitor, sem o devido processo legal e sem provas, indica que o suicídio foi, na verdade, um assassinato. “Um dos maiores escândalos judiciários e policiais da história do Brasil, representa fracasso institucional com tintas de crueldade. E com a frase ‘nós também prendemos professores’. Isso dá um tipo de teatro das tragédias gregas, em que o herói é vitimado no final. Tem que reabrir urgentemente esse caso criminal e fazer uma prestação de contas à sociedade, é isso que está se esperando. É muito mais do que uma indenização, é uma questão do castigo e repressão no sentido de que o Estado e o direito têm que dizer como prevenção geral e retribuição, que isso não pode ser assim. E isso só se faz com a punição dos envolvidos”, disse.

Carta deixada pelo ex-reitor

“A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.

Quando assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma investigação, foi de surpresa.

Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito (graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e amedrontado.

Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.

Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a apuração da denúncia. Agimos, isso sim, como gestores responsáveis, sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar tendo todo interesse em esclarecer a questão.

De todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase 100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza, muito mais forte do qualquer outro acontecimento”.