A Polícia Federal da Bahia abriu inquérito nesta sexta-feira, 18, para investigar o homicídio da liderança quilombola Maria Bernadete Pacífico Moreira, morta a tiros na noite de ontem dentro de casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares, no município Simões Filho, na Bahia.
Fervorosa defensora dos direitos do quilombo, Bernadete vinha enfrentando ameaças de morte há anos, o que a levou a ser incluída no programa de proteção da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH). Como parte desse programa, a Polícia Militar mantinha uma patrulha constante no Quilombo Pitanga dos Palmares, onde ela residia.
Bernadete era estava à frente de várias frentes de luta, incluindo denúncias contra a especulação imobiliária e a extração ilegal de madeira no território, classificado como uma Área de Proteção Ambiental (APA). Além disso, ela liderou mobilizações contra planos para a instalação de um pedágio na rodovia que atravessava a comunidade e projetos para a construção de um aterro sanitário e uma colônia penal pelo governo estadual.
“A Bernadete enfrentava diariamente as injustiças, o racismo religioso e lutava pela regularização do território, buscando protegê-lo contra invasões constantes”, destaca Vercilene Dias, coordenadora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), onde Bernadete atuava como uma das coordenadoras.
Por anos, o Quilombo Pitanga dos Palmares aguardou o reconhecimento oficial por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em 2017, um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) foi publicado, marcando uma das últimas etapas antes da titulação. O relatório apontou a presença de 289 famílias na comunidade, abrangendo uma área de 854 hectares.
No entanto, o distrito de Pitanga Palmares abriga mais de 2 mil famílias, tornando o território ainda mais disputado. A comunidade do quilombo também conta com uma associação composta por mais de 120 agricultores, que dependem da produção de alimentos como farinha para vatapá, frutas e verduras. Contudo, a falta de segurança territorial tornou o quilombo um alvo para especulações imobiliárias e projetos governamentais de grande envergadura.
Projetos controversos
O primeiro foi a Colônia Penal Simões Filho, inaugurada em 2007 para abrigar aproximadamente 250 detentos. Devido a protestos dos moradores, que alegavam a violação do território e o aumento da insegurança, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado, estabelecendo melhorias na região como contrapartida para a comunidade. No entanto, esses benefícios não foram efetivados.
Em 2010, a comunidade voltou a se mobilizar contra a duplicação da rodovia BA-093, apontando desmatamentos e a instalação de uma praça de pedágio próxima ao quilombo. Na mesma época houve a luta contra a construção de uma ferrovia de 18 quilômetros entre o Porto de Aratu e o Polo Industrial de Camaçari, que passaria pelo quilombo. A liderança, incluindo Bernadete, conseguiu ajustar os planos para minimizar impactos e desmatamentos, embora a obra nunca tenha sido concluída.
Em 2017, a batalha concentrou-se contra um projeto de aterro sanitário que ameaçava a APA que cobria o território quilombola. Após uma disputa judicial, o governo estadual abandonou os planos. Pouco depois, em setembro do mesmo ano, o filho de Bernadete, Flávio Gabriel Pacífico, conhecido como “Binho”, foi assassinado com 10 tiros dentro do quilombo. Embora suspeitos tenham sido detidos temporariamente, eles foram posteriormente libertados e o caso permaneceu sem solução.
Engajada
Além de sua luta política, Bernadete também se destacava por denunciar crimes ambientais na região. Ela não apenas pressionava por uma investigação no assassinato de seu filho, mas também reportava extração ilegal de madeira no quilombo. Essas preocupações eram discutidas nas reuniões da Conaq, mas os detalhes sobre os autores desses crimes não eram revelados.
Nos últimos anos, Bernadete recebeu ameaças de morte e relatou ter ouvido tiros durante as madrugadas, interpretados como ameaças veladas. Mesmo sob proteção governamental, ela permaneceu firme em sua determinação de lutar pela comunidade. Sua morte trágica suscitou uma resposta da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, exigindo investigações aprofundadas sobre o caso.
Pelas redes sociais, Lula disse que soube do crime com “pesar e preocupação” e lembrou que Bernadete cobrava justiça pelo filho assassinado, em 2017. O filho de Bernadete, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, mais conhecido como Binho do Quilombo, foi assassinado há quase seis anos, no dia 19 de setembro de 2017.
“Bernadete Pacífico foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Simões Filho e cobrava justiça pelo assassinato do seu filho, também um líder quilombola. O governo federal, por meio dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania, mandou representantes e aguardamos a investigação rigorosa do caso. Meus sentimentos aos familiares e amigos de Mãe Bernadete”, disse Lula. (**Com informações da Agência Brasil)