Eu Te Explico #117: violência contra a fé – como a intolerância religiosa está ligada ao racismo e os desafios no combate a esse tipo de crime
Participam do episódio duas vítimas de intolerância religiosa: a professora Sueli Santana e a vendedora Marneide Sousa, além da advogada Maíra Vida, presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB.
– Sempre fui chamada de bruxa, macumbeira, feiticeira e diabólica.
– Ela dizia que ia tirar o Exu de dentro de mim.
As duas declarações acima são de mulheres que compartilham a mesma dor: foram vítimas de intolerância religiosa. No mês em que é reforçada a importância da consciência negra, o podcast Eu Te Explico discute como o preconceito às diferentes crenças e práticas religiosas é um problema social longe de ser resolvido.
Participam do episódio com o apresentador Fernando Sodake as duas mulheres que foram alvos da intolerância religiosa: a professora Sueli Santana, 51 anos, e a vendedora Marneide Sousa, 39 anos, ambas adeptas do candomblé. É também entrevistada a advogada Maíra Vida, presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado da Bahia (OAB-BA).
RELEMBRE
– Professora é apedrejada após aula de cultura afro-brasileira
– Vendedora é vítima de intolerância religiosa no metrô
Sueli atua em uma escola em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, e relata agressões verbais por conta da sua religião. O preconceito vem, inclusive, de pais e alunos que não aceitam sua expressão de fé. O caso ficou mais grave quando ela foi apedrejada por alunos enquanto corrigia atividades. Uma das pedras a atingiu no pescoço.
A professora recorda que um momento de tensão aconteceu quando utilizou o livro ABC dos Povos Afro-brasileiros.
> “Quando os pais viram as crianças em casa falando do material, (…) no dia seguinte tinha mais ou menos uns três dentro da escola querendo proibir o
> livro. Um deles folheou o livro e disse que não era para a filha dele, que
> aquele tipo de aula a filha dele não precisava assistir e que ela não tinha
> contato com esse tipo de gente”, lamentou.
No caso de Marneide, a violência aconteceu enquanto esperava o transporte para ir ao trabalho. Uma idosa de 75 anos a abordou dizendo que “não existia Dia da Consciência Negra” e que “não existe o dia do preto”.
O episódio de violência foi filmado e a suspeita detida até ser liberada em audiência de custódia. Ela responderá ao processo em liberdade provisória.
> “As agressões não pararam no metrô. A gente sendo conduzida e ela continuava
> na própria delegacia. Eles [os racistas] têm tanta certeza que vão sair livres
> e impunes que na delegacia ela cometia isso todo o tempo. Direcionava a Bíblia
> e direcionava palavras a mim”, recorda.
INTOLERÂNCIA É REFLEXO DO RACISMO
A advogada Maíra Vida explicou que a intolerância religiosa pode acontecer com pessoas de qualquer religião. No entanto, é percebido como os atos de violência são continuados contra pessoas ligadas às religiões de matriz africana.
> “Podemos dizer que esse é um reflexo do racismo que organiza a nossa
> sociedade. É a linguagem que sobrevive da pós-colonização como colonialidade,
> e que vai tentando imprimir essas lógicas de subalternidade, inferiorização,
> dominação e concentração de privilégios em alguns grupos”, explicou.
A advogada falou ainda dos marcos legais que amparam o combate ao racismo e a intolerância religiosa, e como a comprovação desses crimes exige esforço coletivo em um cenário que mostra como ninguém deve se calar diante dessas violências.