TCE aponta superfaturamento milionário em construção do Hospital da Criança e instalação de placas solares em escolas do Recife
Tribunal de Contas do Estado aponta sobrepreço de R$ 7 milhões na obra do hospital e de R$ 12,5 milhões em placas solares. Prefeitura nega irregularidades e diz que vai apresentar argumentação.
1 de 1 Hospital da Criança do Recife, no bairro de Areias, está em fase de finalização das obras — Foto: Reprodução/TV Globo
Hospital da Criança do Recife, no bairro de Areias, está em fase de finalização das obras — Foto: Reprodução/TV Globo
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) de Pernambuco apontou irregularidades e supostos superfaturamentos milionários em dois contratos firmados pela prefeitura do Recife. Um deles é na construção do Hospital da Criança, promessa de campanha do prefeito reeleito João Campos (PSB). O outro é para a instalação de placas solares em escolas municipais.
Os dois casos foram divulgados na terça-feira (17) pelo portal Metrópoles. No Hospital da Criança, cuja inauguração estava prevista para acontecer este mês de dezembro, o superfaturamento apurado pelo TCE é de R$ 7 milhões. O tribunal entrou com um pedido de bloqueio de R$ 7,8 milhões do contrato, que tem valor total de R$ 111,8 milhões.
Já sobre as placas solares, o sobrepreço é de R$ 12,5 milhões. A empresa que venceu essa licitação é a Enove, do empresário Álvaro Porto de Barros Filho, filho do presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), deputado Álvaro Porto (PSDB).
Por meio de nota, a prefeitura do Recife disse que “não há irregularidades e que todas as contratações realizadas pela gestão municipal seguem rigorosamente os ritos administrativos, em conformidade com os princípios de legalidade, economicidade e transparência” (veja mais abaixo).
Os relatórios são preliminares e ainda serão avaliados pelos relatores dos processos, os conselheiros Marcos Loreto e Eduardo Porto. Confira, abaixo, detalhes de cada caso:
HOSPITAL DA CRIANÇA
Em nota, o TCE informou que abriu um procedimento interno para acompanhar a execução das obras de construção do Hospital da Criança, localizado em Areias, na Zona Oeste do Recife. Por meio da assessoria de imprensa, o tribunal disse que “foi identificado um dano potencial ao erário de R$ 7,8 milhões, que não é apenas relativo a sobrepreço”.
Em nota, o TCE disse que:
– A obra foi contratada pelo Gabinete de Projetos Especiais do Recife da prefeitura do Recife e é executada pela construtora Celli Ltda;
– O valor do contrato é de R$ 111.809.296, dos quais R$ 52.147.356,31 já foram pagos;
– “um relatório preliminar de auditoria encontrou indícios de sobrepreço, subdimensionamento de equipamentos e descumprimento de cronograma da obra”;
– “A auditoria sugeriu ao conselheiro Marcos Loreto, relator das contas do Gabinete de Projetos Especiais do Recife (Gabpe), a emissão de uma cautelar, ou seja, uma medida de caráter emergencial suspendendo os pagamentos à empresa”;
– Com o relatório preliminar, o relator solicitou esclarecimentos ao Gabpe no prazo de cinco dias úteis, que termina na segunda-feira (23).
– “Apenas após a manifestação dos interessados, respeitando o amplo direito de defesa, é que o relator vai decidir sobre o assunto”.
DEDE DE
PLACAS SOLARES
Também por meio de nota, o TCE disse que abriu um procedimento interno para analisar o processo de adesão a uma ata de registro de preços em que foi identificado um sobrepreço de R$ 12,5 milhões no contrato. O DE tentou acesso ao relatório da auditoria especial.
O valor contratado, segundo o tribunal, está 182% acima do preço de mercado. Além disso, não houve comprovação de vantagem e compatibilidade dos preços com valores de mercado.
As irregularidades encontradas pela auditoria foram as seguintes:
– Adesão irregular à ata de preços: não foram comprovadas as vantagens nem se mostrou que os preços são compatíveis com o mercado;
– Sobrepreço: o valor contratado está R$ 12.581.114 acima do preço de mercado;
– Uso indevido da ata de preços: a ata foi usada como um contrato genérico (“guarda-chuva”), sem definir claramente os serviços e locais;
– Falta de planejamento: não foram feitos estudos técnicos, projeto básico ou orçamento detalhado antes da contratação;
– Conflito de interesses: quem fez o projeto também está participando da execução da obra.
Segundo a auditoria do TCE, uma das irregularidades encontradas foi a dispensa de licitação, sob argumento que o procedimento seria mais dispendioso e demoraria mais tempo do que a realização do procedimento.
Entretanto, da abertura do processo à contratação do serviço, passaram-se nove meses, o que o TCE considerou tempo suficiente para a realização do processo licitatório.
“Em relação ao argumento de se pretendia evitar a morosidade processual, é importante registrar que da declaração de vantajosidade, em 26/02/2024, até a assinatura do contrato, em 22/11/2024, passaram-se quase 9 meses, prazo que poderia ter sido aproveitado para realizar um processo de licitação”, diz o documento do Tribunal de Contas.
DE
O TCE também apontou que não houve estudos técnicos preliminares, projeto básico e orçamento que baseasse a contratação da empresa.
O serviço foi contratado sem detalhamento de cada etapa e uma mesma empresa foi escolhida para fazer todas as fases do processo, num tipo de contrato “guarda-chuva”, incluindo “elaboração de projetos, laudos, pareceres, análise de viabilidade econômica, treinamento”, entre outras etapas da implementação das placas solares nas escolas municipais.
Ainda de acordo com a análise preliminar, a prefeitura do Recife contratou os serviços por um preço unitário de R$ 7.500/kWp, quando o valor médio encontrado pelos auditores foi de R$ 2.661,11 – três vezes menor do que o firmado pela gestão.
Na conclusão do relatório preliminar, a auditoria sugeriu ao conselheiro Eduardo Porto, relator das contas da Secretaria de Educação do Recife, a emissão de uma cautelar, que é uma medida de caráter emergencial para que a secretaria se abstenha de realizar os pagamentos referente ao contrato.
O relator do caso, por coincidência, é primo do dono da Enove, a empresa contratada pela prefeitura do Recife para realizar a instalação das placas solares nas escolas municipais, e foi indicado pelo tio, o deputado estadual Álvaro Porto, em 2023, para ocupar uma cadeira no TCE.
“De posse do relatório preliminar, o relator solicitou esclarecimentos à Secretaria de Educação do Recife no prazo de cinco dias úteis. O TCE-PE esclarece ainda que o conselheiro Eduardo Porto foi escolhido por sorteio para relatoria da Secretaria de Educação do Recife para o biênio 2023-24”, informou o TCE.
O QUE DIZ A PREFEITURA
A prefeitura do Recife respondeu ao G1 por meio de nota e disse que não há irregularidades nos dois casos. Afirmou também que:
– Todas as contratações feitas pela gestão “seguem rigorosamente os ritos administrativos, em conformidade com os princípios de legalidade, economicidade e transparência”;
– O documento mencionado no caso do Hospital da Criança do Recife é um relatório preliminar de acompanhamento emitido pelo TCE-PE e não uma decisão ou avaliação final;
– Os itens destacados estão sendo “cuidadosamente analisados e as informações técnicas necessárias estão sendo levantadas para subsidiar a resposta” ao tribunal;
– “Ajustes, esclarecimentos e justificativas técnicas fazem parte do processo natural de auditorias em obras públicas e serão devidamente apresentados no âmbito da tramitação regular”;
– No caso das placas solares, o contrato não está em execução e a auditoria é um relatório inicial que não foi apreciado pelos conselheiros;
– A prefeitura discorda da análise realizada e “vai apresentar os argumentos necessários à corte de contas”;
– “Todas as contratações respeitam os ritos administrativos, sempre primando pelos princípios da legalidade e economicidade”.
– Ratifica o “compromisso com a transparência e a correção de eventuais inconsistências, assegurando que as obras sejam conduzidas com responsabilidade, eficiência e a melhor qualidade possível”.
O DE entrou em contato com a empresa Enove, mas, até a última atualização desta reportagem, não obteve resposta.
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