O nó e a geringonça (por Antônio Carlos de Medeiros)
A questão de fundo é o recorrente déficit de representatividade do sistema político e o descolamento entre Estado e Sociedade
Resta claro que o nó górdio do processo de desenvolvimento nacional permanece sendo o nosso desequilíbrio político-institucional. Resta também claro que o caminho da produção de consenso político passa pela articulação e engenharia de uma “geringonça à brasileira”.
A questão de fundo é o recorrente déficit de representatividade do sistema político e o descolamento entre Estado e Sociedade.
É imperativo retomar a trilha da costura do consenso, que envolve medidas políticas e retomada de reformas. Não é uma tarefa apenas da liderança do presidente Lula. Envolve o esforço e compreensão de lideranças do Congresso e do Judiciário. Com diálogos regulares com lideranças sociais e empresariais.
Observando-se fatos, decisões e movimentações em curso, pode-se enxergar e deduzir que está em movimento uma retomada de trilhas para o consenso.
A costura da sucessão na Câmara e no Senado, com as prováveis escolhas de Hugo Motta (Republicanos) e David Alcolumbre (União Brasil), é um elemento chave para a formação da nossa geringonça e para a estabilidade política, no ambiente das relações executivo-legislativo.
A reforma ministerial já admitida pela presidente Lula, com aliança que contenha o MDB, o PSD, o PP, o Republicanos e o União Brasil e que possa espelhar a mediana do Congresso, poderá gerar um efeito Frente Ampla, como no Uruguai: as trilhas para o centro político, referendadas pelos resultados das eleições municipais de 2024.
Ao mesmo tempo, a costura do pacote fiscal precisa ganhar tração e revisão constante, como sugeriu o Ministro Haddad. Para além de rotular a isenção do IR até 5 mil como “de esquerda” e os cortes e ajustes como “de direita”, é preciso compreender que não haverá crescimento sustentável sem ancoragem das expectativas. A política se move pelas expectativas. A economia também.
Sem ancoragem mão se quebra o ciclo vigente de desconfiança dos agentes políticos e econômicos, nem muito menos se caminha para conquistar o grau de investimento para o Brasil. Sem melhoria na taxa de investimentos, os bons resultados obtidos pelo governo Lula na economia (mais PIB, menos desemprego, menos pobreza) poderão, em 2025 e 2026, regredir para novos vôos de galinha na economia brasileira.
No contexto do pacote fiscal, tem um sutil jaboti político que pode levar o Congresso a assumir “como seu” o ajuste fiscal. Os deputados Pedro Paulo (PSD), Júlio Lopes (PP) e Kim Kataguiri (UB) estão apresentando uma PEC de medidas fiscais. É e não é um contraponto ao projeto do executivo. Na prática, tira o mico dos cortes apenas do colo do governo. Nas entrelinhas, com ambiguidade, é isto que Gilberto Kassab parece mirar.
Lembrando que o mercado e a sociedade já compreenderam que a responsabilidade fiscal não é apenas do Executivo. É também do Legislativo e do Judiciário.
Entrando em 2025, a trilha do consenso precisa também passar pela retomada das reformas políticas. Começando pela adoção do sistema distrital misto. Que diminui o custo das eleições, melhora a proporcionalidade e a relação eleitor-eleito (distritos eleitorais).
Outro dia, um observador da cena política brasileira resumiu assim a questão institucional no Brasil: “o Estado é analógico e a sociedade é digital”. E lembrou que a nossa herança portuguesa de patrimonialismo continua encrustada no Orçamento da União.
E la nave va.
*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.