Estudantes e professores da UnB protestam contra assédio no Instituto de Ciências Biológicas
Ex-diretor é acusado de beijar duas professoras à força; como punição, ele foi afastado das atribuições acadêmicas por 15 dias. DE tenta contato com professor que está na França, em um curso.
Estudantes e professores da UnB protestam contra assédio no Instituto de Ciências Biológicas — Foto: Nathalia Sarmento/g1 DF
Professores e estudantes da Universidade de Brasília (UnB) se reúnem nesta sexta-feira (6) em uma marcha contra o assédio na instituição. O grupo se concentrou no Bloco de Salas de Aula Sul e caminharam até a reitoria.
A mobilização ocorre após a divulgação de dois casos de assédio sexual que teriam ocorrido no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), em abril de 2022. De acordo com um processo administrativo instaurado na universidade, o ex-diretor do ICB Jaime Martins de Santana teria beijado à força duas professoras do instituto.
Em janeiro de 2023, ele foi afastado da direção. Em setembro do mesmo ano, o professor foi punido com o afastamento das atividades acadêmicas por 15 dias. A decisão foi tomada pela ex-reitora da UnB Márcia Abrahão, considerando um parecer feio pela própria UnB e uma análise da Advocacia Geral da União (AGU) (saiba mais abaixo).
Desde outubro passado, Santana está em Paris, na França, em um curso que vai até janeiro de 2025. DE entrou em contato com o professor por meio de mensagem para o celular dele, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
MARCHA CONTRA O ASSÉDIO
O protesto desta sexta-feira tem como objetivo chamar a atenção e pedir providências efetivas contra o assédio na universidade, especialmente contra as mulheres, explica a professora Cristiane Ferreira.
> “O nosso apoio às colegas que denunciaram. Mostrar que elas não estão mais sozinhas nessa luta. São diversos casos que temos conhecimento. Alguns com denúncias e outros em que as vítimas sofreram sem conseguir denunciar”, diz Cristiane.
De acordo com um levantamento realizado pelo DE, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), entre 2013 e 2023, a UnB abriu apenas seis processos administrativos disciplinares (PADs) contra professores acusados de assédio moral ou sexual. Dos seis casos, somente um foi punido com a suspensão do professor.
A estudante de biologia Beatriz Muniz conta que todas as pessoas da comunidade acadêmica merecem um espaço seguro para estudar e trabalhar.
> “Sendo mulher, me coloquei no lugar das vítimas. O assédio não pode mais ser institucionalizado e passar despercebido. Merecemos segurança”, afirmou a estudante.
Ao fim da marcha, um representante de cada categoria da comunidade acadêmica — professores, estudantes e técnicos — devem entregar uma carta a atual reitora Rozana Naves. No documento, a comunidade reivindica por melhorias institucionais.
DENÚNCIA CONTRA EX-DIRETOR DO ICB
Jaime Martins de Santana, em 2018, quando assumiu a direção do ICB — Foto: Beto Monteiro/Secom UnB
De acordo com o relatório final da comissão de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD), grupo instituído para apurar responsabilidades administrativas, o ex-diretor Jaime Martins de Santana praticou assédio sexual contra duas professoras do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).
O documento obtido pelo DE mostra que a comissão entendeu que o professor violou três incisos do artigo 116 da Lei nº 8112/90 – que se refere a normas voltadas para os deveres dos servidores:
Observar as normas legais e regulamentares
Manter conduta compatível com a moralidade administrativa
Tratar com urbanidade as pessoas
A comissão concluiu também que Jaime Santana violou um inciso do art. 117, que veda a conduta do servidor de “valer-se de cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem em detrimento da dignidade da função pública”. Ou seja, aproveitou-se do cargo para abuso de poder.
A CPAD sugeriu, em 29 de maio de 2023, a demissão do servidor Jaime Santana e que as denúncias fossem comunicadas ao Ministério Público (MP) — ambas as recomendações não foram seguidas.
Seguindo o protocolo, o passo seguinte era a tramitação na Procuradoria Federal junto à Fundação UnB (PF/UnB), vinculada à Advocacia Geral da União (AGU), que considerou que o professor deveria ser penalizado por meio de uma advertência.
O parecer aponta que, embora o não consentimento dos beijos demonstre desrespeito, o crime de assédio pressupõe práticas reiteradas contra a vítima e o proveito do cargo de chefia para se obter favores sexuais ou promover ameaças, no ambiente de trabalho.
Para a AGU, as denunciantes não comprovam insistência ou prejuízo às carreiras. A instituição é responsável por assessoramento jurídico à universidade. Em nota, a AGU diz que “o enquadramento da conduta do acusado em outros incisos/artigos mencionados pela Comissão no Relatório Final não encontra devido amparo legal” (veja íntegra da nota abaixo).
O QUE DIZ A UNB
Em nota, a Universidade de Brasília (UnB) informou que “não compactua com condutas que desrespeitem a dignidade humana e que a reitora Rozana Naves, que tomou posse em 22 de novembro, convocou uma reunião com entes administrativos internos para definir ações imediatas, alinhadas às propostas do programa de gestão”.
Em entrevista ao DE, no final de novembro, a nova reitora se comprometeu em realizar treinamentos com os novos gestores, sobre como combater o assédio.
> “É importante que o exemplo venha da administração superior para que a gente não reproduza a assédio em escala”, disse Rozana Naves, à época.
Já Márcia Abrahão, reitora à época dos fatos, afirma que tomou “uma decisão amparada numa análise consistente e rigorosamente dentro do devido processo legal”. Confira íntegra da nota enviada pela professora:
“Na condição de reitora da Universidade de Brasília (UnB), acatei orientação da Advocacia Geral da União (AGU) neste caso grave de suspeita de assédio sexual.
Fiz assim por segurança jurídica e responsabilidade institucional. Ou seja, tomei uma decisão amparada numa análise consistente e rigorosamente dentro do devido processo legal.
A AGU considerou que ‘a conclusão da comissão no sentido de ser aplicável a sanção de demissão não encontra amparo nas provas constantes nos autos, de forma que as conclusões da Comissão no Relatório Final não são plausíveis, vez que não estão em conformidade com as provas em que se baseou para formar a sua convicção’.
Segundo a AGU, ‘o enquadramento legal da conduta foi inadequado, assim como a penalidade proposta’. E mais: ‘Não foi apontado ou comprovado ato próprio de cargo do acusado, com o desvio de finalidade de se obter favores sexuais’.
A AGU recomendou a aplicação da penalidade de advertência, ‘tendo em vista a constatação, no caso concreto, apenas da violação do dever disciplinar’.
Aplicou-se então, em setembro de 2023, a penalidade de suspensão do servidor por 15 dias, sem remuneração, considerando os limites legais e a orientação da AGU.
Tal decisão é a segunda punição mais grave para servidores públicos e reflete uma busca por equilíbrio entre a gravidade da conduta e o respeito às normas jurídicas aplicáveis.
Gestores públicos têm o dever de agir exclusivamente com base na legislação vigente, não havendo espaço para decisões subjetivas ou parciais.
Qualquer penalidade aplicada fora dos parâmetros legais pode ser anulada judicialmente, prejudicando os interesses das vítimas, da sociedade e da UnB.
É importante destacar que as penalidades administrativas não substituem as ações nas esferas civil ou judicial.
Na qualidade de mulher e cidadã, me solidarizo com as vítimas e lembro que elas podem buscar proteção por meio de denúncias ao Ministério Público, ao Poder Judiciário ou à Delegacia da Mulher, que oferece suporte específico em casos de violência e assédio.
À frente da reitoria da UnB, nossas ações foram no sentido de ampliar a proteção às mulheres e fortalecer as políticas de direitos humanos.”
O QUE DIZ A AGU
“À luz do art. 131 da Constituição Federal e dos artigos 11 e 18 da Lei Complementar nº73/1993, cabe à Procuradoria Federal junto à UnB, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), prestar consultoria jurídica em casos de Processo Administrativo Disciplinar.
O parecer emitido pela Procuradoria no caso em questão concluiu que, nos autos, apenas existem provas de que o servidor tenha infringido o inciso XI do artigo 116 da Lei nº 8112/90 (“tratar com urbanidade as pessoas”). Para respeitar o princípio da proporcionalidade, o parecer sugeriu a substituição da pena de demissão pela pena de advertência.
O enquadramento da conduta do acusado em outros incisos/artigos mencionados pela Comissão no Relatório Final não encontra devido amparo legal. Não foi apontado nos autos, por exemplo, prova de que o servidor tenha se utilizado do próprio cargo com desvio de finalidade para obter favores sexuais, de modo que não há como falar em violação da moralidade administrativa.
A demissão é aplicável nos casos em que a conduta irregular se amolda a todas as características do tipo penal de assédio sexual, o que não é o caso dos autos em questão.”
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