Ele tirou jogador das drogas, fez R$ 1,8 bilhão no Palmeiras e diz: “Luxa foi a grande contratação da base”
Peça-chave do Verdão e cobiçado pelo Flamengo, João Paulo Sampaio leva meninos a campos nas favelas e defende humanização: “Tive muitos que a gente tentou ajudar; dois foram assassinados”
Conheça o CT da base do Palmeiras, maior formador de joias milionárias no Brasil.
Minutos antes de serem pegos, Pedro e Paulo – de nomes fictícios, para preservar os originais – tinham certeza de que passariam despercebidos. Estavam longe de casa, sonhando em fazer milhões no futebol e se escondendo para consumir drogas nos bastidores do Palmeiras. Até que o coordenador da base descobriu.
Ali, pensaram: é o fim do sonho. Ninguém os deixaria ficar. João Paulo Sampaio, porém, pensava diferente.
– É muito fácil jogar fora. Tenho muita opção para trocar. Difícil é falar: estou contigo. Então eu disse: quer parar? Se eu te pegar, acabou. Me deram a palavra, e eu fazia exame a cada 15 dias com os dois – lembra o coordenador, repetindo o tom duro da conversa.
Anos depois, encontrou a dupla no futebol profissional. E ainda que pareça exceção, a história traduz o pensamento que norteou o coordenador para transformar o Palmeiras e fazer R$ 1,8 bilhão com a venda de joias da base: a formação humana. Um trabalho que vai continuar em 2025, já que Sampaio recusou proposta do Flamengo, que o cobiçava nos últimos dias, para manter suas funções no Verdão.
– Isso aqui é uma fábrica de ilusão. O futebol é uma fábrica de ilusões. Poucos dão certo, 3% ou 4% vão ganhar dinheiro de verdade, mas muitos não. Então a gente tenta formar eles para a vida. — explica João Paulo.
Só 3% dos jogadores no Brasil ganham acima de R$ 50 mil de salário, enquanto 96% deles recebem menos de R$ 5 mil por mês, segundo levantamento produzido pela CBF em 2019.
Por mais de uma vez, inclusive, o próprio João Paulo precisou dizer a atletas que não tinham futuro no futebol. Seja por falta de qualidade, dedicação ou genética. E alguns até foram realocados no clube, assumindo funções de auxiliar técnico e preparador de goleiros, por exemplo. Mas outras centenas ficaram pelo caminho.
– Tive muitos no Vitória, no Palmeiras, que a gente tentou ajudar a sair da marginalidade; dois já foram assassinados, com 20, 22 anos. — conta o coordenador, consternado.
Ele pouco fala dos meninos, mas assumiu para si a missão de tentar evitar que outros sigam o mesmo caminho. Por isso admite o papel de “chato”, provocador, até duro quando precisa frear o deslumbramento inevitável, mas também conselheiro e educador.
Nos últimos anos, por exemplo, em uma iniciativa da base, eles passaram a ser contemplados com bolsas de estudo em escolas particulares de São Paulo.
E desde 2016 esse propósito de formar pessoas ultrapassa também as barreiras do clube. É o que acontece no “Projeto Favela”, que leva categorias do Palmeiras para treinar em campos de terra batida nas favelas de São Paulo. A meta é estimular o improviso, mas também conectar e dar atenção a quem os vê de fora.
– Muitos vêm de lá, sabem o que é sair da favela, mas outros não. E tem também o lado das pessoas, porque a gente faz amistoso, sai para comer na comunidade, às vezes deixa material. É saber que eles têm acesso ao Palmeiras, não só o contrário, né? — explica.
O motivo da preocupação? É que o próprio João Paulo pensou que seria um desses 4% que “ganham dinheiro de verdade”. Saiu de casa aos 11 anos, defendeu Bahia, Vitória, viveu tudo que esses meninos agora vivem, como ele conta. Três cirurgias no joelho, contudo, o aposentaram aos 22, indo de atleta a técnico e por fim gestor.
– Sei na prática o que eles passam, e eles perdem a referência muito cedo. Por isso muitos casam cedo. Na base pegam a figura do professor, do diretor. E essa figura, às vezes, também tem que ser dura com eles, né?
– Teve dois no Sub-20 que perguntei: está com esse carro por que? Comprou a casa de sua mãe? “Não comprei”. Então não vai nem entrar aqui com esse carro. Tem que ser chato mesmo, porque a gente sabe que é muito difícil. — defende, apontando os portões do CT.
Transformar a base, contudo, exigiu mudanças que nem todos estavam dispostos a aceitar. Nos primeiros dois anos, por exemplo, houve 87% de trocas, com chegada de novos atletas, porque o Palmeiras aumentou o número de categorias para dar mais tempo de formação aos meninos.
– Eu recebi ameaças… Ouvi muito: “Ah, esse baiano está pensando que é quem?” Mas sou teimoso, sempre fui obcecado no que quero, e o clube sempre foi muito blindado, de tudo, para saber para onde ir. — admite, sorrindo, como quem se diverte com o desafio.
Na contramão das críticas, cultivou também aliados. O maior deles, para o coordenador, entre 2019 e 2020: um técnico que abraçou a proposta de clube formador e subiu uma dezena de Cria ao profissional desde a pré-temporada.
– Eu falo que Luxemburgo foi a grande contratação da base do Palmeiras. Porque ele quebrou aquela coisa de que subia um ou outro e tinha uma relação muito próxima. “Danilo é isso mesmo que estou vendo no treino?”. E eu: é, pode levar que é ousado. E ele botou. — recorda.
Foi ali que o Palmeiras sentiu a virada de chave. Mesmo com a saída de Luxemburgo, 10 meses depois, a relação de proximidade se manteve, agora com Abel Ferreira e o auxiliar Victor Castanheira, responsável pela troca de informações entre as partes. Em 2024, 27% do elenco principal foi formado por joias do clube.
E em menos de uma década, o Palmeiras mudou postura, estruturas, triplicou o número de profissionais no campo – com 12 técnicos e oito captadores -, instituiu uma filosofia de autonomia e liberdade, e agora colhe os próprios frutos, empilhando títulos, recordes, negociações e, principalmente, histórias.