Ave usa ‘caixa de som’ natural para amplificar canto
Macuquinho foi flagrado em cavidade de árvore para emitir som mais alto. Registro raro foi feito em Florianópolis (SC).
Quem aí gosta das famosas “caixinhas de som”? Com o recurso do bluetooth, facilmente elas garantem a trilha sonora de qualquer festa ou até da faxina em casa. Agora, sabia que, na natureza, tem passarinho que deu um jeito de amplificar o som do próprio canto?
O registro foi feito pelo observador de aves Jonathan Idalencio Imperator, em Florianópolis, Santa Catarina. Só que, ao contrário de muitos registros, este foi planejado por algum tempo. Jonathan conta que sempre ouvia o macuquinho (Eleoscytalopus indigoticus) quando ia passarinhar numa mata, perto da casa dele. E, durante um dos encontros com a espécie, em 2022, notou este comportamento.
“Consegui fazer uma imagem escura, mas pude compartilhá-la para tentar entender o que era”. Foi aí que o observador descobriu que se tratava de um registro raro e que o macuquinho procura amplificar o canto. Diante da raridade, as tentativas para um vídeo melhor se seguiram. Mas o macuquinho não facilitou a vida de Jonathan, que por muitas vezes tentou fazer o registro ao ouvir a vocalização. “Desta última vez, estava passando na trilha quando ouvi, fui chegando mais perto. Vi novamente o comportamento dele entrar e sair da cavidade. Montei a câmera diante da árvore e fiquei cerca de uma hora aguardando”, conta o observador.
A espera valeu a pena. Em um vídeo de pouco mais 40 segundos o macuquinho demostra toda a habilidade em ser um “DJ da natureza”. Um som contínuo é emitido e silencia a mata. “Eu tive uma palpitação na hora, foi muita emoção, fiquei muito feliz com o flagrante e poder assim contribuir para que mais gente conheça esse comportamento da espécie. Eu estava decidido e deu certo”, compartilha Jonathan.
Segundo o ornitólogo do Terra da Gente, Luciano Lima, embora seja um comportamento conhecido e descrito na literatura, observar e, principalmente, registrar a espécie executando esse comportamento é algo raro. “O macuquinho não vocaliza apenas a partir do interior de cavidades. Um estudo publicado em 2012, identificou que a espécie exibe esse comportamento apenas eventualmente, especialmente quando emite o tipo de vocalização mostrado no vídeo, que é um trinado grave e contínuo”, explica o especialista. “Além dessa vocalização, o macuquinho também emite uma sequência de notas rasgadas que crescem em velocidade, lembrando um trem e por isso, não por acaso, foi apelidado pelos observadores de aves de “canto do trenzinho”. No entanto, essa outra voz ainda não foi registrada sendo emitida a partir de cavidades”, finaliza Luciano, que completa que esse estudo também confirmou que a espécie canta nas cavidades com o objetivo de amplificar o som.
Segundo as apurações de Jonathan nos grupos de observadores, o comportamento flagrado é pouco estudado e não há conclusões sobre o motivo para o macuquinho amplificar o som do canto. “Falaram de ele querer intimidar outro indivíduo, defender território, mas nada é comprovado. Mas é fato que é algo muito difícil de gravar. Sem dúvida meu registro mais especial”, afirma.
O macuquinho é ave pequena (11 cm), discreta e habita áreas de vegetação mais densa, próximo ao solo. É chamado também de macuquinho-perereca, por conta de sua vocalização lembrar o som de anfíbios. Endêmico da Mata Atlântica do Sul e do Sudeste do Brasil está quase ameaçado de extinção, pela falta de habitat. Macho e fêmea se diferem na cor, sendo o macho mais escuro, com um detalhe esbranquiçado na garganta e com parte do corpo azul.
Jonathan Idalencio Imperator, autor do registro do macuquinho, começou a observar aves durante a pandemia, em 2020. O jovem de 33 anos conta que costumava fotografar o pessoal do surf, nas praias de Florianópolis, mas que, motivado por um outro amigo observador, passou a usar o equipamento para ir para a mata nos dias de isolamento. “Aí fui melhorando meu equipamento, estudava as espécies que poderiam ter perto da minha casa, gravava as vocalizações que desconhecia para estudar. Comprei livros e passei a mergulhar neste universo”, relembra o observador. Hoje Jonathan possui registros de cerca de 300 espécies. Entre os destaques, um visitante do comedouro da casa dele chama a atenção: uma fêmea do canário-andino-negro. “No Brasil havia apenas três registros da espécie, o meu foi o quarto e o primeiro para Florianópolis. Ele ficou cerca de uma semana aparecendo. Um monte de gente veio aqui em casa fazer o registro dele”, conta. Atualmente é Jonathan quem inspira as pessoas a observar as aves. “Pessoal manda mensagem perguntando que passarinho é aquele, ou falam que viram alguma espécie, é muito legal”, finaliza.