“Me ajuda, mãe”: relatos expõem chacina e sumiço de estudante pela PM
Policiais invadiram uma residência e mataram quatro rapazes, sendo que um deles
teve o corpo ocultado, segundo o Ministério Público
Depoimentos impactantes se tornaram peças relevantes da investigação que acusa
policiais militares de Goiás de invadir uma casa na capital, executar a tiros quatro amigos que jogavam videogame e ocultar
o corpo de um deles, o estudante João Vitor, de 14 anos.
Ao menos duas testemunhas relataram ter ouvido os jovens implorando por
clemência momentos antes de serem mortos. “Socorro!”, “me ajuda, mãe!” e “pelo
amor de Deus, não faz isso comigo” foram descritas como as últimas palavras das
vítimas.
Na última segunda-feira (9/12), o Ministério Público de Goiás (MPGO) apresentou
denúncia por homicídio qualificado contra quatro policiais militares do Batalhão de Choque que
participaram da ocorrência. Depois de mais de seis anos da chacina, o
adolescente João Vitor, possivelmente morto, permanece desaparecido.
Foto colorida de Joao Vitor Goias – DE
João
Vitor, adolescente desaparecido após abordagem da PM
Esse caso ficou conhecido como a Chacina Solar Bougainville, em referência ao
bairro onde o crime aconteceu. Familiares das vítimas chegaram a organizar um
movimento chamado Mães Pela Paz e lutam por justiça desde então. As
investigações chegaram a ficar paradas, mas foram retomadas após reportagem
do DE denunciando a situação em agosto de 2021.
SUPLICANDO PELA VIDA
Era começo da noite de 23 de abril de 2018, uma segunda-feira. Uma das
testemunhas contou que estava no seu quarto, quando seu pai lhe chamou e pediu
para não sair de casa, pois policiais estavam realizando uma operação na rua.
A testemunha contou que, instantes depois, escutou gritos vindos da casa em que
Matheus Henrique, de 19 anos, morava com a avó.
“Revela que instantes depois, escutou gritos e disparos de arma de fogo. Que
ouviu gritos: ‘socorro’ e ‘me ajuda mãe'”, diz trecho do depoimento na
delegacia.
Segundo as investigações, além de Matheus, naquele momento foram executados o
atendente de restaurante Marley Ferreira, de 17 anos, e o assistente de mecânico
Divino Gustavo, de 19. A avó de Matheus não estava em casa no momento da invasão
da polícia.
Imagem de laudo de local de crime – DE
Laudo
de local de morte mostra posição dos corpos dos três amigos mortos pela polícia
Os policiais do Choque justificaram que entraram na casa pois havia uma Montana
prata furtada estacionada na garagem. Os militares dizem que foram recebidos a
tiros, mas segundo o Ministério Público
o confronto foi forjado.
A picape havia sido deixada na garagem um pouco antes por um amigo de Matheus,
dono de uma loja em uma região de Goiânia conhecida por vender peças de veículos
roubados. Esse amigo já tinha saído da casa no momento da chacina. A Montana
teria sido deixada na residência para “esfriar”.
DISPAROS SEQUENCIAIS
Uma outra testemunha, que tinha 29 anos na época do crime, relatou que na noite
da chacina estava sozinha em casa quando começou a escutar barulhos que pareciam
ser chutes nas paredes ou em guarda-roupa.
“Que escutou uma voz dizendo: ‘Pelo amor de Deus, não faz isso comigo não’. Que
logo em seguida escutou disparos de arma de fogo sequenciais”, descreve trecho
do depoimento.
DESAPARECIDO
Segundo o Ministério Público, depois de executar os três amigos, o adolescente
João Vitor, que testemunhou as mortes, foi colocado vivo em uma viatura e levado
para um matagal, onde foi morto a tiros. Seu corpo foi levado e ocultado.
Uma testemunha afirmou ter presenciado o possível momento da execução de João
Vitor em um matagal. Segundo o depoimento, dois veículos chegaram ao local
transportando quatro homens encapuzados e uma quinta pessoa, descrita como de
corpo bem franzino. Ainda conforme a testemunha, um dos encapuzados gritou:
“Corre, corre!”. A pessoa de corpo franzino teria então corrido pela mata, mas
foi atingida por disparos de arma de fogo.