A agricultura familiar é resposta à emergência climática (por José Dirceu)
País precisa mudar seu modelo agrícola baseado na monocultura do agronegócio
para frear destruição de seus biomas
A emergência climática [https://www.de.com/tag/mudancas-climaticas] vai
exigir que o Brasil dê um giro em seu modelo agrícola. O país vai ter que
ampliar substancialmente os investimentos na agricultura familiar, cujo modelo
produtivo combina cultivo de diversos alimentos e criação de animais com manejo
adequado dos recursos naturais, e por um freio na expansão das fronteiras
agrícolas da monocultura do agronegócio.
As grandes, intensas e persistentes queimadas que, em 2024, destruíram milhões
de hectares da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado são um sinal mais do que
evidente de que a emergência climática já está cobrando seu preço e exige que o
governo e a sociedade acelerem as medidas necessárias para fazer frente às
mudanças que estão ocorrendo na natureza em função do aquecimento da Terra.
Este, é claro, não é um problema só nosso, é de toda a humanidade. Mas temos
grande responsabilidade nesse enfrentamento, pois a Amazônia, que corresponde a
59% do território brasileiro, abriga metade da biodiversidade mundial.
Entre as medidas desenhadas pelo governo brasileiro para enfrentar a emergência
climática está a revisão, pelo Ministério da Justiça, das punições às pessoas
envolvidas em incêndios criminosos, para torná-las mais severas. As demais
iniciativas são quase todas relacionadas à melhoria da governança. Envolvem o
Plano Clima, com medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas; nova
meta de redução dos gases de efeito estufa (NDC); a Estratégia Nacional de
Enfrentamento a Eventos Climáticos, com previsão de criação de um Conselho
Nacional de Segurança Climática e um Comitê Técnico-Científico; e a recuperação
de 12 milhões de hectares de áreas degradadas.
Mas há um debate importante que precisa ser incluído, com urgência, nesta pauta:
o modelo agrícola do país, baseado dois pilares, muito desproporcionais sob
qualquer perspectiva em que sejam examinados. O agronegócio, com enorme peso
econômico e político na vida nacional, fortemente subsidiado pelo Estado,
responsável por 49% das exportações brasileiras (US$ 166,55 bilhões em 2023) e
gerador de uma pequena fatia de empregos; e no outro prato da balança, a
agricultura familiar, que responde por 77% dos 3,9 milhões estabelecimentos
rurais do país, por 67% dos postos de trabalho no campo e provê boa parte dos
alimentos da mesa dos brasileiros.
Foram as queimadas de 2024 que chamaram a minha atenção para a relação tão
próxima e evidente entre o nosso modelo agrícola e a emergência climática. Já
tinha ouvido especialistas falando sobre o tema, mas nunca tinha me dado conta
do tamanho da evidência, que me fez refletir, buscar informações e propor
aprofundar o debate.
Os mapas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE e do MapBiomas
mostram que as áreas mais afetadas pelos incêndios de 2024 coincidem com as
regiões de expansão das fronteiras agrícolas para a produção de commodities,
como a soja, ou para a formação de pastos para a criação de gado. Como é mais
barato usar o fogo como prática de manejo de pastagem ou de preparação do solo
para plantio, parte dos donos de grandes fazendas em regiões de fronteiras
agrícolas prefere correr o risco de provocar um incêndio do que pagar pelo
desmatamento, que custa mais caro. Com a forte seca e o imponderável dos ventos,
é fácil um foco de fogo sair do controle. Quando não se trata, é claro, de ação
intencionalmente criminosa para atingir terras indígenas, quilombolas ou áreas
de floresta ou outro bioma protegido do Estado.