Furto de cabos de cobre: soluções inovadoras para combater esse crime e proteger a infraestrutura.

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Furto de cabos de cobre e a economia do crime

Em mais um dia rotineiro, Maria acorda e percebe que sua internet residencial ainda está fora do ar. “De novo! Preciso trocar de operadora”, pensa. Vai a pé até o DE, mas da estação tem a informação de que houve interrupção dos serviços. A alternativa é gastar mais e usar um aplicativo de transporte para não perder a hora. Ao chegar no serviço, uma boa notícia: todo o bairro está sem energia. A culpa recai, automaticamente, sobre a prestadora de serviço de internet, no DE e na distribuidora de energia. Mas não é essa a realidade.

A verdade é que boa parte dos “apagões” acima são causados por um crime bastante comum no Distrito Federal: o de furto de cabos de cobre, de transmissão de dados, cabos telefônicos e de energia elétrica. A interrupção dos serviços, muitas vezes essenciais, causa muito mais prejuízo do que somente as dezenas de milhões de reais em cabos que precisam ser substituídos. Toda uma gama de serviços, incluindo hospitais, escolas e órgãos governamentais, que dependem da energia, transporte e internet, travam. Centenas de milhares de pessoas deixam de ter acesso a ferramentas indispensáveis para deslocamento e para exercício de praticamente toda as atividades cotidianas.

As soluções aventadas para enfrentar este complexo problema de segurança pública são variadas: as empresas tem executado rondas nas suas redes, investindo em estrutura de monitoramento eletrônico; a Polícia Militar intensifica o policiamento a partir de mapeamento de locais mais vulneráveis; a Polícia Civil investiga organizações criminosas envolvidas na cadeia criminal; a população tem sido orientada a apontar movimentações suspeitas e denunciar à polícia; o Projeto de Lei 2.459/2022, de autoria da senadora Leila Barros (PDT-DF) tem como proposta aumentar a pena para o furto de cabos de energia, telefone, TV ou internet em um terço, além de dobrar a punição para quem for flagrado por receptar esse tipo de material.

Especialistas orientam aumentar a fiscalização de ferros-velhos que compram o material sem procedência, bem como a ofertar alternativas à população em vulnerabilidade econômica e social, como dependentes químicos e pessoas em situação de rua, muitas vezes atraídos para o delito em razão da facilidade de acesso aos cabos, da vantagem financeira obtida e da impunidade, já que a grande maioria dos criminosos respondem em liberdade após serem presos.

O ganhador do prêmio Nobel de Economia de 1992, Gary Becker, deu as bases fundamentais da teoria da racionalidade econômica do crime: decisões do infrator em potencial de transgredir em situações de incerteza/riscos decorrem de avaliações racionais em termos de possíveis incentivos, ganhos e custos inerentes ao ato ilegal. Assim, o volume de crimes reflete a interação entre os indivíduos e a aplicação da lei.

Deste modo, todas as ações acima impactam na equação de Becker, seja diminuindo as possibilidades de cometer o crime, aumentando a probabilidade de condenação e a intensidade da pena, ou criando travas para que os potenciais autores possam ter renda ou consciência cidadã alternativa que não viver do ilícito.

A engrenagem de ações enumeradas é complexa e muito onerosa. Todas as ações precisam ser simultaneamente orquestradas para assim se chegar a algum resultado mais favorável. Infelizmente, a alta intensidade desses crimes ocorre já há pelo menos uma década no Distrito Federal e não está sendo fácil superar as barreiras da multicausalidade.

Assim, considerando que a vantagem financeira é um elemento essencial na decisão do autor ao cometer o crime, pode-se buscar uma solução não linear que elimine o valor do produto do crime nas mãos dos infratores, levando-os a desistir da prática delituosa. Mas como fazer isso? A resposta pode estar em abordagens não ortodoxas, como as exploradas por Steven Levitt em “Freakonomics”.

Levitt, economista renomado, demonstrou que soluções inovadoras e não convencionais podem ter impactos significativos na redução da criminalidade. Em sua obra, ele explora como incentivos econômicos e mudanças em políticas públicas podem influenciar o comportamento criminoso de maneiras inesperadas. Por exemplo, ao analisar a queda das taxas de criminalidade nos Estados Unidos nos anos 1990, Levitt atribui parte desse declínio a fatores como a legalização do aborto, que resultou em menos nascimentos em condições socioeconômicas adversas, reduzindo o número de jovens propensos ao crime anos depois.

Aplicando esse pensamento ao furto de cabos de cobre, podemos considerar estratégias que não se limitam ao aumento da fiscalização ou ao endurecimento das penas, mas que alteram a dinâmica econômica que torna esse crime atrativo. Se o cobre furtado perder seu valor de revenda, os criminosos não terão incentivo financeiro para continuar cometendo o delito.

Atualmente, após serem retirados das redes de energia, telecomunicações ou transporte, os cabos são vendidos a receptadores que os encaminham para reciclagem. No processo, o cobre é derretido em fornos industriais a altas temperaturas, tornando-se impossível rastrear sua origem. No Distrito Federal, não existem usinas que realizam essa reciclagem e todo o cobre, lícito ou ilícito, é enviado para outras unidades da federação.

Portanto, uma solução viável seria implementar uma regulamentação que exija que as empresas de reciclagem (especialmente as últimas da cadeia) somente recebam cobre acompanhado de documentação que comprove sua origem legal e rastreabilidade. Isso significa que apenas o material fornecido diretamente pelas empresas vítimas dos furtos — como companhias de energia, telefonia e transporte — poderia ser reciclado, em um processo regrado, com cadastramentos especiais de quem entrega cobre e de quem recebe. O estabelecimento flagrado com material sem origem deverá receber pesadas multas e ser proibido de funcionar. Cobre sem nota fiscal ou sem comprovação de origem não seria aceito, eliminando o mercado para o material furtado.

Outra abordagem, ainda que mais controversa, seria proibir temporariamente o envio de cobre para reciclagem fora do Distrito Federal. Embora isso possa gerar debates sobre restrições ao comércio interestadual, a medida poderia ser eficaz em curto prazo para desarticular a cadeia de receptação e reciclagem do cobre ilícito, com perda insignificante de arrecadação para o ente distrital, mas enorme resultado para a sociedade.

Essas soluções não ortodoxas alinham-se com o pensamento de Levitt ao atacar o problema pela raiz econômica. Ao inviabilizar financeiramente o furto de cobre, reduz-se a atratividade do crime sem a necessidade de intensificar a repressão penal ou investir massivamente em vigilância e segurança, que têm se mostrado insuficientes.

É importante destacar que, embora essas medidas possam reduzir os furtos de cabos de cobre, é possível que os infratores migrem para outras atividades ilícitas. Por isso, é fundamental que políticas públicas abrangentes sejam implementadas, focando também na reinserção social, oportunidades de emprego e programas de combate à vulnerabilidade econômica e social.

Em suma, combater o furto de cabos de cobre requer criatividade e coragem para implementar medidas inovadoras. É necessário pensar além do convencional, considerando as motivações econômicas dos infratores e agindo sobre elas. Somente assim poderemos proteger os serviços essenciais de energia, internet e transporte, garantindo o bem-estar da população e a eficiência das nossas infraestruturas críticas.

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