A guerra política e fashion dos bonés: impactos do Brasil à China

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A guerra política e fashion dos bonés, que vai do Oscar a Brasília e envolve até a China

Criado originalmente para o beisebol, o boné está vivendo uma onda de frases de efeito que repercutem na cultura e na política brasileira. O barulho das máquinas de bordar bonés não para no andar subterrâneo da histórica Galeria do Rock, no centro de São Paulo. Em meio a um painel com imagens de caveiras, logos de marcas americanas e escudos de times de futebol, a comerciante Graziele Ferreira recebe ligações de clientes querendo desenhos que não se encontram no mostruário.

Nos últimos meses, por exemplo, foram vários os pedidos por bonés vermelhos inspirados no slogan da campanha de Donald Trump nos Estados Unidos, o Make America Great Again (Faça a América Grande Novo) – uns em apoio, outros com algumas modificações irônicas da frase original. Também foram encomendadas as peças laranjas com o nome do álbum Caju, da cantora Liniker, além da peça estampada com a frase “a vida presta”, dita pela atriz Fernanda Torres logo após ser indicada ao Oscar de melhor atriz por seu papel no filme Ainda Estou Aqui.

É que agora funciona assim: bombou na internet ou no noticiário, logo vai parar na cabeça dos brasileiros, explica Graziele, há 15 anos trabalhando com a confecção de bonés. Nos últimos dias, o boné também ganhou de vez a arena política no Congresso, em Brasília. Tudo começou com os parlamentares governistas, capitaneados pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, com o acessório azul escrito “O Brasil é dos brasileiros”. O movimento acontece após o governo Lula mudar o ministro da Secretaria de Comunicação, cargo agora ocupado por Sidônio Palmeira, marqueteiro da campanha petista em 2022 e quem escolheu o slogan, segundo Padilha.

O azul e a frase contrastam com o vermelho do boné de Trump usado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no dia da posse do republicano, em janeiro. No dia seguinte à estreia do boné azul do governo, no início do que tem sido chamado de a “guerra dos bonés”, deputados bolsonaristas apareceram com a frase “comida barata novamente” na cabeça, em alusão à inflação dos alimentos. Em serviços de customização de bonés pelo país, já há uma procura pelos acessórios políticos. “Apesar de não trabalharmos com pedidos individuais, temos recebido contatos nas redes sociais, de pessoas dos dois lados do espectro político”, diz Artur Pinheiro, um dos sócios da Seu Boné, uma das principais empresas do setor, com mais de 100 funcionários e sede no Rio Grande do Norte.

Lojas na Galeria do Rock, em São Paulo, personalizam bonés. O novo presidente da Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a criticar a disputa: “Boné serve para proteger a cabeça do sol, e não para resolver problemas do país”, disse. Motta pode estar certo quanto a não resolver problemas do país, mas erra ao colocar a função do boné como única e exclusivamente para proteger do sol, como mostra a própria história da peça. “Na hora que você está interagindo com uma pessoa, o boné meio que te obriga a interagir com ele também”, explica Gustavo Berti, pesquisador do projeto Ecomuseu do Boné, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Apucarana. Apucarana, onde estuda Berti, é considerada a “capital nacional dos bonés” por concentrar cerca de 70% produção da peça no Brasil, reunindo de fábricas de tecidos e linhas ao serviço de bordado desde os anos 1970. Por mês, são produzidos de 3 a 4 milhões de bonés, de acordo com o Arranjo Produtivo Local (APL) de Bonés de Apucarana.

Segundo Jayme Leonel, coordenador do APL, a rapidez das fábricas brasileiras em reagir justamente às modas que chegam aos bonés é um dos motivos que fez a indústria local resistir nos últimos anos à concorrência chinesa. “É um mercado muito dinâmico, ainda mais com a internet, as pessoas querem sempre para ontem o seu boné da moda. Em cinco dias, conseguimos entregar o que a China levaria 40”, revela Leonel. Em Apucarana, diz o líder empresarial, já há pedidos de produção dos bonés azuis usados pelos apoiadores de Lula, por exemplo.

A história do boné remonta aos jogadores de beisebol no século 19, quando a peça foi criada como uma alternativa para se proteger do sol em campo. Derivado do chapéu, o boné possui uma longa trajetória ligada à cultura esportiva nos Estados Unidos, especialmente ao beisebol. Na última década, os empresários perceberam uma nova onda: a de customização, segundo Jayme Leonel, líder dos empresários da cidade do Paraná. “Por muito tempo, só fazíamos bonés promocionais. De oito anos para cá que se fortaleceu a questão de encomendar peças personalizadas”, explica.

O boné, além de um item de moda e marketing, tornou-se uma ferramenta de propagar ideologias políticas. O uso do boné como um meio de propagação ideológica se dá principalmente pelo lugar que ele ocupa: a cabeça, “o lugar mais alto do corpo”, explica a professora de design de moda na UTFPR, Naomi Nagamatsu. A versatilidade do boné também é um diferencial em termos de propagar alguma mensagem política. Ele é fácil de colocar e tirar, tem utilidade no sol ou no frio e é mais fácil de se adaptar para várias pessoas – diferentemente de uma camisa, que tem vários tamanhos. O boné, ao ser um propagador de conceitos e ideias, causa esse senso de união e pertencimento, conforme explica o pesquisador Gustavo Berti.

No Brasil, o boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um exemplo histórico de símbolo do grupo e também é usado por pessoas ideologicamente à esquerda. A importância do boné como veículo de expressão vai além da política e se envolve na indústria cultural, como o recente exemplo de lojas vendendo no Instagram o boné “da Fernanda Torres”, com a frase “a vida presta”. Os bonés continuam sendo um meio de comunicação visual e manifesto de crenças e ideias, que ultrapassa as barreiras políticas e se mistura com a cultura popular e a moda, seja nos campos esportivos ou nos corredores do poder. O boné pode ser muito mais do que um simples acessório, ele é uma forma de expressão que traz consigo significados e mensagens que vão além do que se vê à primeira vista.

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