Crise Econômica: A visão turva de Lula e o impacto do déficit primário

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A visão turva de Lula (por Gaudêncio Torquato)

O DE sofre uma das maiores crises de sua história

Abro o verbo falando sobre a verba: se alguém gasta mais do que possui, mais do que ganha, acabará na rua da amargura, acumulando dívidas. Esse é um princípio elementar da economia, que vale para as pessoas ou para os governos. No caso de governo, o nome com que se designa este resultado financeiro negativo tem o nome de déficit primário. Os economistas ensinam: isso ocorre quando a máquina pública gasta mais do que arrecada, levando o governo a emitir títulos, aumentar a dívida pública e pegar um “dinheirão emprestado” para equilibrar as contas.

As pedras do dominó começam, então, a cair: descontrole fiscal, juros altos, perda do poder de compra do assalariado, impactos que recaem sobre os ombros dos cidadãos, onerando principalmente os de baixa renda, que veem seu dinheiro ser corroído pela inflação. Os juros altos, por sua vez, barram o desenvolvimento econômico e, consequentemente, alimentam o desemprego. O pano de fundo é a miséria.

Ponho o foco, agora, sobre o presidente Luiz Inácio, que, não raro, entoa um hino à gastança, desprezando o chamado teto de gastos. Sua Excelência já designou o teto de gastos como uma “estupidez”. Sua visão, hoje, não difere muito do que pensava, em janeiro de 2003, quando tomou posse pela primeira vez. Lembremos seu discurso de posse:

O SUS (Sistema Único de Saúde) foi a instituição mais perseguida e prejudicada por “uma estupidez chamada teto de gastos, que haveremos de revogar”. Ainda lembrando: o teto de gastos, que prevê um limite de gastos para o governo atrelado ao aumento da inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), está na emenda constitucional 95, aprovada em 2016 e que começou a valer em 2017. A vigência é de 20 anos.

A pergunta, agora, é se Lula embarcará novamente na onda da gastança. Ante a devastadora queda na avaliação do governo, medida pela última pesquisa Datafolha, tudo leva a crer que ele fará tudo para resgatar a imagem positiva que alcançou em seus dois mandatos anteriores. O dilema é: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Ora, se autorizar Fernando Haddad a apertar o cinturão da economia, o Brasil poderá até se levantar do baque que sofre, hoje, mas isso significará acentuado corte de recursos em algumas áreas. Os impactos baterão nos programas assistencialistas, o Bolsa Família, o Pé de Meia e outros. (Atentem que margens sociais do Nordeste começaram a fugir do curral lulista). E se furar o teto para agradar às massas com medidas novas, na tentativa de voltar a ser o Lula dos velhos tempos, o país cairá nas malhas da inflação, dos juros altos, enfim, teremos uma economia destrambelhada.

Luiz Inácio parece cansado. Em seu atual périplo pelo país, sob a orientação estratégica do ministro das Comunicações, Sidônio Palmeira, o mandatário se esforça para vitaminar a índole populista. Em mandatos anteriores, foi bafejado pela “bonança externa” e pelo “boom” das comodities, o que alargou seus braços em direção às massas. Nunca abandonou as vestes populistas desde os tempos de sindicalista.

Sua liturgia de ontem é a mesma de hoje, com ligeira alteração: o encontro constante com seguidores (em menor intensidade); os abraços; as tiradas de humor ou de ataque, pronunciadas com criatividade e o uso de metáforas, muitas advindas dos campos de futebol; o suor dos palanques; a fala rouca; o andar solto pelos tablados improvisados; o afago de antigos companheiros, que o saúdam com respeito ao líder maior da turma; os títulos de “Salvador da Pátria”, “Pai dos Pobres”; o nordestino que passou fome, o exemplo mais forte da dinâmica social (o que veio de baixo para o topo da pirâmide); uma estrela da constelação mundial, tanto que mereceu do então presidente Barack Obama o elogio: “este é o cara”.

Olhemos para o amanhã. Outubro de 2026 está distante. O governo parece sem rumo. Lula pede dos ministros mais ação, mais resultados. E exige falas harmônicas. Alguns amigos, como o advogado Kakay, fazem cartas e dizem a ele, de pronto, que, a continuar pedalando assim, perderá a eleição de 2026. E mais: que ele trabalha para ser derrotado. Pesquisas já colocam seu adversário, Jair Bolsonaro, na dianteira ou em posição de empate. Se a eleição fosse hoje, até a dona Michele ganharia dele, num segundo turno, de acordo com o Instituto Paraná Pesquisas. A reforma ministerial passa a ser a pedida da vez. Mas há partidos que sinalizam não querer entrar no segundo tempo do jogo.

A palavra está com Lula. Seu ideário é fazer da própria vida sua obra prima. Seu sonho é fazer o melhor governo da história brasileira. Maior do que os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

O sonho começa a desvanecer. O DE sofre uma das maiores crises de sua história. Onde estão seus novos líderes? Fernando Haddad? Camilo Santana? Quem substitui o estrategista José Dirceu?

P.S. Quem ganhará o cabo-de-guerra? O grupo que pretende puxar o DE para a extrema-esquerda ou a turma que age para deixá-lo no centro? Lula aguça a visão. Mas os seus olhos estão embaçados.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor emérito da ECA-USP e consultor

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