Cegos em mutirão de catarata: Estado de SP quer que pacientes desistam de processos antes de propor indenização, diz advogada
O Estado anunciou que faria proposta às vítimas em questão de dias, mas entrou em contato com pacientes sem indicar valores de indenização. Procuradoria-Geral confirma que ainda não há definição e que indenização administrativa pressupõe desistência de processos, o que foi classificado por eles como anti-ético.
Liberata Fidelis Manjerão, de 74 anos, perdeu visão no olho direito após cirurgia de catarata no AME de Taquaritinga, SP. Cinco dos treze pacientes que ficaram cegos ou com sequelas após um mutirão de cirurgias de catarata em Taquaritinga (SP) reclamam que o Estado tem condicionado o ajuizamento das indenizações administrativas à desistência de processos judiciais na esfera cível. Segundo a advogada que os representa, isso significa que as vítimas deveriam desistir de suas ações antes de saberem o valor proposto pela indenização administrativa.
Em 8 de fevereiro, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que o Estado estudava uma proposta de indenização às vítimas. No dia 13 do mesmo mês, a Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP) informou, em nota, que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo apresentariam uma proposta de indenização “nos próximos dias”. Pacientes e advogados ouvidos pelo DE, no entanto, afirmam que isso não foi feito.
Procurada, a Secretaria da Saúde informou que questões relacionadas à indenização deveriam ser tratadas diretamente com PGE e Defensoria Pública. A PGE confirmou que ainda não há valores definidos e que a indenização administrativa pressupõe a desistência de ações judiciais. A Defensoria informou que as tratativas estão em estudo.
Segundo pacientes e advogados, a Defensoria Pública começou a entrar em contato para discutir as indenizações e inclusive realizou uma reunião realizada no dia 21, mas sem nenhuma proposta formal sobre quanto o Estado pretende pagar de indenização e de pensão vitalícia.
Thiago Marrara, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em processo administrativo, explica que esse tipo de indenização é recente na legislação brasileira. Ele destaca que, no processo de negociação entre a vítima e o Estado, é possível condicionar a indenização administrativa à desistência de ações judiciais, mas somente no momento da assinatura do acordo, e não durante as negociações.
Marrara ressalta que a desistência da ação judicial só deve ocorrer no fim da negociação, quando o acordo já está escrito e a vítima sabe exatamente o valor que receberá. Após o acordo administrativo, dificilmente uma nova indenização seria concedida na esfera judicial.
Maria de Fátima Garcia Chiari, de 67 anos, é uma das pacientes em estado mais grave. Ela corre o risco de perder todo o globo ocular e, desde que perdeu completamente a visão, está sem condições de trabalhar. Antes salgadeira, ela depende da indenização para se manter financeiramente.