Queda de árvores centenárias na sede da COP 30 expõe urbanização desordenada e
efeitos da crise climática, dizem especialistas
No fim do século XIX, Belém foi arborizada com mangueiras, uma espécie nativa do
sul da Ásia. No entanto, essa plantação se tornou um problema. Somente neste
ano, 16 árvores já caíram sobre ruas e veículos, causando prejuízos. Entre as
causas, estão o aumento das chuvas e a maior frequência de ventos intensos na
capital paraense.
1 de 2 Túnel de mangueiras na praça da república em Belém. — Foto: Everaldo
Nascimento/O Liberal
Belém [https://g1.globo.com/pa/para/cidade/belem/] do Pará é conhecida pelas
grandes e frutíferas mangueiras, plantadas no fim do século XIX. Mas as árvores
centenárias se tornaram um problema no período chuvoso no começo de cada ano. Só
em 2025, foram ao menos 16 quedas de pés de mangueira em diferentes pontos da
[https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2025/02/04/prefeitura-identifica-27-arvores-com-risco-iminente-de-queda-em-belem.ghtml]cidade,
que recebe a Conferência do Clima da ONU em novembro de 2025.
Belém, conhecida como a “cidade das mangueiras”, registrou a queda de 46 árvores
em 2024 e 48 em 2023. De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente
(Semma), a maiores das árvores que caíram são mangueiras.
Especialistas relacionam o problema:
– a causas naturais, como o envelhecimento das árvores;
– à falta de monitoramento eficaz do poder público, em uma cidade que utiliza a
arborização como um de seus cartões-postais
– aos eventos das mudanças climáticas, com calor, chuvas e ventos casa vez mais
intensos
Segundo especialistas, boa parte das árvores que caem na cidade são consideradas
centenárias e sofrem com a falta de cuidados necessários para manter uma árvore
de mais de 100 anos em pé.
> “Essas mangueiras foram plantadas em 1905, 1910, por aí, então são árvores
> velhas que precisam de um cuidado maior. Estamos vendo essas mangueiras caindo
> justamente nos bairros onde essas primeiras árvores foram plantadas, como o
> bairro de Nazaré e da Batista Campos, por exemplo”, diz o professor Cândido
> Oliveira da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra).
Um mapeamento técnico realizado no início de fevereiro deste ano pela Semma de
Belém identificou 47 árvores que necessitam de manutenção urgente
[https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2025/02/04/prefeitura-identifica-27-arvores-com-risco-iminente-de-queda-em-belem.ghtml],
sendo 27 delas com risco iminente de queda.
Por meio de inspeção visual, avaliação da saúde das árvores e laudos técnicos, o
levantamento identificou 110 árvores que precisam passar por manutenção. Segundo
a administração municipal, os serviços já estão em andamento.
QUEDAS, PREJUÍZOS E PERIGOS PARA QUEM TRAFEGA NO ENTORNO
No dia 29 de janeiro, uma mangueira de grande porte caiu na travessa Doutor
Moraes
[https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2025/01/29/mangueira-cai-e-atinge-tres-veiculos-na-travessa-dr-moraes-centro-de-belem.ghtml],
entre as avenidas Braz de Aguiar e Nazaré, após uma forte chuva. A árvore caiu
por cima cabos de fiações elétricas e de três carros que estavam estacionados.
Fiação elétrica exposta
Após a queda, a fiação elétrica ficou exposta por cerca de uma hora, tornando o
local intrafegável. Quem tentava passar pela rua era alertado pelos moradores do
entorno que havia o risco de choque elétrico.
Falta de energia
O local ficou sem energia por quase 24h, desde a queda até o momento do
retalhamento e retirada da árvore. Moradores e comerciantes precisaram ficar no
escuro e preocupados com os mantimentos guardados na geladeira, que poderiam
estragar.
Perda de bens materiais
Mangueira cai, atinge carros e destrói fiações na travessa Dourtor Moraes
O administrador Thiago Leal havia acabado de estacionar o carro, avaliado em R$
200 mil, para deixar a filha de três anos e a esposa em um curso nas redondezas.
Foi só o tempo de chegar na porta da instituição para ver o carro ser destruído
pela queda.
Um dos carros atingidos pertence a Ricardo Milomes, 57 anos, que é proprietário
de um ponto de pastel que funciona na área há 20 anos. O comerciante utilizava o
carro para transportar mercadorias do estabelecimento.
Segundo o comerciante, a condição da árvore vinha sendo denunciada há anos, uma
vez que tinha cupins, partes ocas e plantas parasitas que naturalmente
enfraquecem uma árvore.
Em 2023, uma árvore neste mesmo perímetro veio abaixo e quatro carros foram
atingidos. Em um deles, um casal ficou preso, onde precisou ser resgatado.
De acordo com o professor Cândido, o crescimento da urbanização rápida e não
planejada pode diminuir a saúde e o período de tempo de vida dessas árvores.
> “Essas mudanças desequilibradas acabam interferindo no crescimento da raiz,
> por exemplo, o que impacta na sustentação da árvore. Também tem as “golas” de
> cimento que fragilizam essas raízes”, afirma.
Segundo ele, a forma como as pessoas se relacionam com as árvores e com os
espaços onde elas estão inseridas também podem influenciar no desenvolvimento –
positivo ou negativo – dessas estruturas, mas é certo que a falta de
fiscalização e monitoramento influencia – e muito – no contexto de uma árvore
tornar-se um perigo para a sociedade.
O especialista em agronomia listou alguns fatores que explicam por que muitas
árvores têm caído em Belém.
Criação de calçadas e pavimentação asfáltica: a construção de calçadas e a
inserção de asfalto necessitam da retirada de parte das raízes crescidas no
solo, o que impacta diretamente na sustentação da árvore.
Pregos no caule: o hábito de perfurar o caule das árvores com pregos,
parafusos e outros materiais.
Plantas parasitas: muitas das árvores de têm a presença de
ervas-de-passarinho, planta trepadeira e parasita, que, ao se alimentar das
árvores, diminui a qualidade de vida da árvore.
Árvores mortas: a maioria das árvores que caíram neste período em Belém
estavam mortas e com as raízes apodrecidas. O professor conta que a
impermeabilidade do solo concretado auxilia no processo de redução das raízes
e até na saúde das árvores.
INFLUÊNCIA DA CRISE CLIMÁTICA
2 de 2 As mangueiras são muito populares na cidade de Belém. — Foto: Daniel
Vilhena / Alepa
As mangueiras são muito populares na cidade de Belém. — Foto: Daniel Vilhena /
Alepa
Juliano Ximenes, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA,
especialista em urbanismo e integrante do Laboratório Cidades da Amazônia
(Labcam), contextualiza o cenário histórico das mangueiras e o que pode
ocasionar elas caírem com mais frequência a cada ano.
As mangueiras, apesar de bem adaptadas, não têm origem na capital e foram
trazidas da Ásia, no fim do século XIX, e se adaptaram ao bioma amazônico
facilmente. No entanto, o pesquisador diz que a interação das árvores com
ambiente urbano tem afetado as mangueiras.
> “À medida em que a cidade começa a ter tubulações enterradas, fiações aéreas,
> energia elétrica, ruídos, vibrações e outros avanços, a árvore começa a ser
> afetada e passa por uma processo de degradação”, explica.
O professor analisa que esse ambiente urbanizado causa danos à árvore, incluindo
alagamentos que chegam com a água contaminada pelo lixo e outros dejetos,
levando-a a um estresse e, logo, à diminuição da saúde e do tempo de vida.
As mudanças do clima também são fatores que influenciam nesse fenômeno de
quedas, de acordo com o especialista. A frequência com que fatores climáticos
têm ocorrido na cidade aumentou, o que pode justificar uma maior incidência de queda.
> “Tudo está muito exacerbado. Chove demais, está quente demais, e o que antes
> ocorria eventualmente, agora acontece o tempo todo, e as árvores antigas já
> não possuem mais a mesma vitalidade de antes, quando aguentavam mais essas
> influências da natureza”, afirma.
Apesar de entender que fatores climáticos influenciam, Juliano chama atenção
para a responsabilidade do poder público.
> “Os órgãos competentes teriam que ter uma melhor estrutura, equipamento,
> pessoal e veículo para vistoriar essas árvores, além de atender ao chamado da
> população e ir periodicamente fazer esse monitoramento da vegetação”.
PROJETO MAPEIA ÁRVORES COM RISCO DE QUEDA
Uma parceria entre pesquisadores da UFRA e da Universidade Federal do Pará
(UFPA) busca realizar um levantamento nos bairros de Belém para verificar a
saúde das plantas.
O monitoramento permite prever a necessidade da retirada ou não da árvore,
indicar espécies que realmente se enquadram com as características das regiões,
além de verificar se estão em locais adequados.
Junto à Semma, relatórios são realizados indicando quais as necessidades de cada
árvore mapeada.
> “Nós solicitamos, por exemplo, uma poda na copa delas para diminuir o tamanho
> sem prejudicar a estrutura das árvores”, disse o pesquisador Cândido.
Além das raízes que também estão sendo analisadas, outra sugestão dos
especialistas é plantar uma árvore da espécie “manguita” no lugar das árvores
que tombaram na capital.
As manguitas pertencem à mesma família das mangueiras, porém, têm risco menor de
queda por ser uma árvore de porte menor, que cresce entre 7 e 12 metros.
De acordo com a Lei 8.909, de 29 de março de 2012, que dispõe sobre o Plano
Municipal de Arborização Urbana de Belém, quando há o tombamento de uma
mangueira, é preciso plantar outra no lugar e as manguitas são algumas das
opções da mesma família, sendo a mais viável no momento para evitar grandes
danos à cidade.
> “Nós decidimos legalmente que a mangueira representa o município de Belém. Uma
> espécie importante para a gente, que nos dá sombra, nos dá frutos, ajuda a
> regular a nossa umidade, entre outros. Então a gente não pode abrir mão
> dela. A gente tem que repor essas espécies, arborizar, revegetar, tudo em
> paralelo a um monitoramento que precisa vir acontecer, não é?”, pontua
> Juliano.