Líder da máfia explica uso de doleiro para pagar traficantes; ouça
Em conversa gravada, italiano Nicola Assisi e integrante do PCC mostram como a
máfia italiana ‘Ndrangheta atua no Brasil
Um dos elementos utilizados pelo Ministério Público Federal (MPF)
[https://www.mpf.mp.br/] para denunciar Willian Agati, conhecido como o
“concierge do crime”, é a gravação de uma conversa entre traficantes e Nicola Assisi, apontado como
liderança da máfia italiana ‘Ndrangheta.
Agati recebeu o apelido de “concierge do crime” porque atuava no fornecimento de
diversos serviços para o PCC. Entre eles, a intermediação com compradores de
cocaína no exterior, como a máfia calabresa da qual Assisi faz parte.
Nicola e Patrick Assisi foram presos em Praia Grande (SP) em 2019. A gravação
utilizada pelo MPF foi encontrada em um pen-drive apreendido com eles e mostra a
relação da máfia italiana com o grupo de Agati, que exportava cocaína pelo porto
de Paranaguá (PR).
Como mostrou a coluna, um dos denunciados é o doleiro Tharek Mourad Mourad,
chamado de “primo” pelos integrantes da organização criminosa investigada pela
Polícia Federal (PF), e apontado como doleiro do “concierge do crime”.
Mensagens mostram que o doleiro atuava se valendo de tokens repassados aos
traficantes para que eles pudessem apresentar na hora de receber os valores
envolvidos no comércio de drogas.
Na conversa de Assisi com traficantes, o italiano fala sobre o uso de doleiro e
pagamentos realizados para a compra de cocaína.
A gravação, diz a Polícia Federal, é de uma conversa Marlon da Conceição Santos,
integrante do Primeiro Comando da Capital conhecido como “Negão”, Jeferson
Barcellos de Oliveira, líder do grupo que colocava drogas em contêineres no
porto de Paranaguá (PR), e Nicola Assisi.
Alguns dos assuntos principais da conversa são uma cobrança de pagamento por um
“trabalho” executado recentemente por Jeferson Barcellos e sua “equipe” em
Paranaguá e a retomada da atuação de Barcellos no tráfico internacional com os
integrantes da ‘Ndrangheta no Brasil.
Em dado momento, eles passam a tratar de um “serviço” prestado por Barcellos e
que ele não teria recebido por isso. Ele diz que foi conversar “olho no olho”
para tratar do assunto.
Eles passam, então, a falar sobre os pagamento e tanto Nicola quanto Marlon
Santos afirmam que o pagamento havia sido feito, mas que não chegou até
Barcellos por causa de um “problema”.
“Deste jeito é outra…. Seguinte. Nós corremos pra caramba porque … acelerado…
mas o doleiro entregou o dinheiro, tem a nota do… Um milhão e oitenta e cinco,
certo entregou”, disse Nicola.
Na sequência da conversa, Nicola Assisi e Marlon Santos confirmam para Barcellos
que realizaram o pagamento da exportação de cocaína e explicam como os
pagamentos são efetuados em São Paulo através de doleiros.
Segundo a investigação, a conversa indica que esses pagamentos também
envolveriam operações de “dólar-cabo” e “tokens”.
“O pagador (fornecedor/contratante) entrega uma nota de dois reais com a
numeração marcada para o recebedor (operacional/ exportador), que por sua vez
segue para um doleiro. O doleiro então envia uma fotografia da numeração da nota
(“Token”) para o pagador (fornecedor/contratante) confirmar a identidade do
recebedor e então efetua o pagamento em dinheiro em espécie”, diz trecho da
denúncia contra do MPF.
Indícios de que esse método teria sido utilizado pelo esquema também constam na
conversa obtida pela investigação.
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“Eu sei. Mas agora é direto. Nois pagou sim. Tem a nota. Tem até a foto da nota.
Ele entregou a nota para pegar o dinheiro certo ? Mandei pegar no direto. Um
milhão e oitenta e cinco. Tenho o comprovante aqui […] menos mal, porque não
pegou na hora senão iria pegar até eu…não adianta nós falar, nós pagou sim”, diz
Nicola.
Então, Marlon Santos explica o funcionamento da operação com token: “Deixa eu te
explicar melhor, como ele pegou o dinheiro direto no doleiro lá, o mano pediu um
token pra ele, o que que é um token, é uma numeração de uma nota, entendeu? Ele
mandou pra mim, tira foto, nota de dois reais”.
Ao que Barcellos responde: “Ele mandou para mim. Uma nota de dois reais
dobradinha, mil e oitenta e cinco”.
E Marlon Santos continua: “então, aquele valor ali foi o que ele pegou no
doleiro, é o doleiro que anota aquele valor e manda uma foto pra gente que tá
pagando; não tem como ter outra nota de dois reais. A nota foi dele. Então o
valor foi pago”.
Nicola também continua a explicar o funcionamento das notas, dizendo que “só
entrega o dinheiro se entregar a nota”. “Ele entregou, o cara deu o
dinheiro…chegou lá tranquilo, o dia seguinte o que aconteceu, aconteceu; nós já
fizemos várias fitas, nunca vi isso”, disse.
Na sequência da conversa, tanto Nicola quanto Marlon Santos continuam falando
sobre a capacidade da máfia de exportar grandes quantidades de cocaína por
diversos portos do Brasil e Barcellos fala sobre sua experiência em Paranaguá.
Segundo a denúncia, foi constatado ao longo de outra apuração que investigou
tráfico internacional que o uso de “Tokens” é uma prática recorrente.
“Com efeito, a quebra de sigilo telemático e telefônicos de integrantes da
organização, ainda não identificados, a exemplo de BXX8, e de pessoas nominadas
por nicknames, corroborou que os tokens utilizados notadamente por doleiros eram
uma das principais formas de pagamento pelas exportações de entorpecentes”,
disse o MPF na denúncia.
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