Desconstrução iluminista: Trump avança na gestão da América Great Again

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O pós-iluminismo do rei da América (por Felipe Sampaio)

Trump avança num processo sofisticado de desconstrução dos valores iluministas
que têm orientado as ainda jovens democracias ocidentais

É bobagem pensar que a nova agenda dos EUA refletiria apenas uma mente caótica
do republicano Donald Trump. Ninguém chega ao Salão Oval pela segunda vez sendo
um menino maluquinho. É natural que o presidente toque a sua gestão na mesma
toada que o caracteriza como empresário. Trump tem como princípio “atacar
sempre”.

Por isso, começa seu segundo mandato disparando para todo lado (as conhecidas
“rajadas de advertência”), inclusive na direção de aliados históricos dos
Estados Unidos. Com isso, ele avisa ao mundo que está disposto a tudo para
alcançar seu America Great Egain. A Casa Branca, logo na largada, dá o tom do
período 2025-2028 embaralhando de uma só vez as cartas da governança, da
geopolítica e da economia mundiais.

É bem verdade que Trump e seu gabinete de assessores bilionários raciocinam com
neurônios de lobo de Wall Street. Mas, isso não significa que não representem um
pensamento político mais amplo e organizado, amparado por grupos econômicos
inconsequentes e apoiado por um eleitorado conservador dopado pelas redes
digitais alucinógenas.

Ou seja, não se tata de maluquices saídas das cabeças de lideranças (que
equivocadamente insistimos em caricaturizar), como Javier Milei, Bolsonaro,
Trump ou Musk. Trata-se, na verdade, de um processo sofisticado de desconstrução
dos valores iluministas que têm orientado as ainda jovens democracias ocidentais
– tanto de direita quanto de esquerda – há aproximadamente dois séculos. O
Iluminismo impõe limites a quem quer passar boiadas.

Nesse sentido, fica fácil identificar os alvos desse movimento internacional que
tem em Trump seu maior expoente: o multilateralismo, o livre comércio, o
humanismo, a autodeterminação dos povos, os direitos, o bem-estar social, a
ciência e o próprio Estado. As primeiras vítimas são a paz, os pobres, as
minorias e o meio ambiente.

Conforme alertava o canadense Steven Pinker (O Novo Iluminismo, 2018), essas
iniciativas, um tanto anárquicas à primeira vista, constituem o cardápio de
soluções oferecidas por esses líderes, em consonância com o enredo fatalista
disseminado por eles próprios. Para esses pós-iluministas, “as instituições da
modernidade fracassaram” e, portanto, “destruir essas instituições [valores,
ideais e conhecimentos] fará do mundo um lugar melhor”.

No pacote de desmontes incluem-se, por exemplo, o sistema ONU, a USAID, a OCDE,
a União Europeia, a OTAN, o funcionalismo público, os gastos sociais e até mesmo
a própria globalização. É o que afirma o estrategista geopolítico Peter Zeihan
(O Fim do Mundo é só o Começo – Mapeando o Colapso da Globalização, 2024).
Consultor da CIA e do Pentágono, Zeihan lembra que a globalização econômica
perdeu utilidade para os EUA com o fim da Guerra Fria. Nesse cenário, Trump sabe
que seu País detém as vantagens econômicas, militares, tecnológicas, geográficas
e populacionais necessárias para reconsiderar antigas alianças (e, também, as
velhas inimizades).

Não foi à toa que o governo ianque publicou uma imagem de Donald Trump usando
uma coroa, com a legenda “Vida Longa ao Rei”. Nada melhor para retratar o
espírito pós-iluminista do que um símbolo pré-iluminista. Não aceitando um
futuro para todos, ainda creem num futuro para poucos, que resultará em um
futuro para nenhuns. Resta saber se ao final o rei estará nu, caso sua
estratégia traga mais perdas do que ganhos para os EUA.

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