Prevenção do feminicídio: ciclo de violência pode ser interrompido, diz chefe da Patrulha Maria da Penha

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Série ‘Até quando?’: ‘Violência não começa no tapa’, e feminicídio é processo que pode ser barrado, diz chefe da Patrulha Maria da Penha

Major Bianca Neves comanda programa voltado à proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e que têm medidas protetivas. Hoje, 22 mil mulheres são monitoradas.

Até quando? O feminicídio é a última etapa do ciclo da violência

A major Bianca Neves, coordenadora do Programa Estadual Patrulha Maria da Penha – Guardiões da Vida, explica que o feminicídio é visto como um processo que, em muitos casos, pode ser interrompido antes que seja tarde demais. O crime é considerado a última etapa do ciclo de violência, que começa na agressão verbal.

> “Os casos de feminicídio são mulheres que já sofreram muito, e muitas das vezes não pediram ajuda. É uma construção que dá para se interromper, mas quando a mulher está nessa situação, ela está em uma situação de muita vulnerabilidade”, diz a major.

➡️Esse é um dos assuntos abordados na série especial do DE “Até quando?”. As reportagens contam histórias de vítimas, o luto de suas famílias e os desdobramentos que as suas mortes ocasionam, como os órfãos do feminicídio.

Segundo a major, é alto o índice de mulheres deprimidas ou com outros distúrbios psicológicos.

“O mais importante que a gente enfatiza no atendimento às vítimas de violência é que elas falem, não omitam nenhuma informação. Até para criar a análise de risco das atendidas, precisamos das rotinas dela de fato, o que elas fazem no dia a dia, como entregam os filhos para os pais, que geralmente são os agressores”, explica a oficial.

A Patrulha Maria da Penha é um programa voltado à proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e que possuem medidas protetivas. Elas são cadastradas e suas rotinas são monitoradas por meio de rondas realizadas pela Polícia Militar.

As pessoas atendidas podem acionar a polícia de maneira mais rápida e fácil em situações de perigo. Um dos principais objetivos é a manutenção das medidas de proteção das vítimas.

Desde a sua criação, a Patrulha já atendeu mais de 26 mil mulheres e atualmente acompanha 22 mil delas. As vítimas costumam ser pardas, ter entre 20 e 39 anos, e a maior parte não tem ensino superior.

É fundamental que as patrulhas consigam mapear as rotas e os perfis das vítimas para realizar as rondas e estarem sempre próximas, caso necessário. No serviço, é realizado um diagnóstico de risco e a identificação de pontos sensíveis que precisam ser trabalhados.

“De fato a violência doméstica e familiar a gente sabe quem é o autor, a gente sabe quem é a vítima, mas muitas das vezes a gente não sabe em que momento isso vai acontecer”, afirma a major.

A major explica que o início do ciclo da violência é gradual, e muitas vezes não é percebido de imediato. Nem sempre vai começar com um tapa ou um soco, mas principalmente com xingamentos e depreciações.

Depois da agressão, o homem costuma se mostrar arrependido, pedir desculpas e colocar a culpa na vítima. É comum o agressor dizer: “olha o que você me fez fazer”.

“O ciclo fala sobre o momento de tensão, que fica aquele impasse, o olhar reprovador, e depois entra a explosão, que é o ato da agressão em si. Logo depois, vem a parte do arrependimento e lua de mel. Eles falam ‘vamos ficar juntos’ e diversas promessas. Por isso não é fácil sair desse ciclo. Ele vai manipulando essa mulher para que ela permaneça nesse lugar”, explica major Neves.

“Se você está em uma relação que já começou com xingamento, desrespeito, críticas em excesso, sai fora. O feminicídio é progressivo, construído, e por isso a gente fala que ele é evitável”, aconselha.

A psicóloga Caroline Aranha, do programa estadual Empoderadas, afirma que, por trás da violência doméstica e o feminicídio, sempre há uma violência psicológica.

“É uma questão de calamidade pública, não é culpa da vítima. Até porque os homens dentro desses relacionamentos, eles não chegam batendo. A violência psicológica é uma ferramenta utilizada de maneira muito sutil, que não é percebida pela vítima, e por isso não é fácil sair”, afirma a psicóloga.

Para apoiar mulheres nessa situação, a psicóloga afirma que a sociedade e as pessoas mais próximas devem se mostrar presentes e disponíveis para oferecer ajuda quando necessário, além de orientá-las e alertá-las.

“Quando a mulher sofre violência é muito comum que as pessoas a abandonem. É um relacionamento que ela sabe que está sofrendo violência, mas, mesmo assim, às vezes ela continua por vários fatores, e a gente não vai julgar por isso. E aí as amigas, a família, acabam abandonando porque acham que aquela pessoa está ali porque ela quer ou porque ela gosta”, destaca a especialista.

“Ter uma amiga que sabe que aquela mulher sofre violência, mas não a abandona, é fundamental. Só deixar claro: ‘olha, a hora que você quiser, a hora que você precisar, eu tô aqui, não tô aqui para te julgar, é a sua vida. Mas eu tô aqui caso você precise’. E aí essa mulher, às vezes, cria força para poder pegar essa mão que tá sempre estendida e buscar ajuda numa delegacia ou no Empoderadas, por exemplo”, acrescenta.

Também é possível acionar o Patrulha para tirar dúvidas, se informar sobre seus direitos e até analisar se a situação é de violência.

A major Bianca destaca que o programa está disponível para todas as mulheres nos batalhões, e que elas não são obrigadas a formalizar as denúncias caso não estejam confortáveis.

“O que a gente faz é estimular, é falar ‘olha, temos isso aqui, você quer? A gente tá com você’. ‘Não, não quero, não, não tô preparada, eu tô com medo’. Tudo bem. O seu medo é legítimo. Você não sabe como vai ser daqui para frente, mas eu quero que você saiba que a gente tá aqui”, diz a oficial.

A oficial destaca que muitas vezes os homens sabem que serão presos, mas cometem o crime mesmo assim – e em diversas ocorrências se entregam à polícia. Em outras, cometem o crime de feminicídio seguido de suicídio.

“Eles querem ter o último poder sobre a vida daquela mulher, então a gente precisa fazer que essa vítima entenda que pode acontecer. Acontece com o homem que é trabalhador, benquisto pela sociedade, querido pela família e amigos. Ninguém tá livre de ser vítima”.

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