Aproveite, Bolsonaro, a liberdade que a ditadura negou a muitos
Ainda estamos aqui
Sopraram para Bolsonaro uma frase que ele seria incapaz de construir por lhe
faltarem imaginação e cultura para tanto. Enquanto presidente, seu livro de
cabeceira eram as memórias do coronel Brilhante Ustra, torturador à época do
regime militar.
No comício em Copacabana onde defendeu uma anistia para os golpistas do 8 de
janeiro de 2023, e por tabela para ele mesmo, Bolsonaro disse a frase que alguém
lhe soprou: “Chega de órfãos no Brasil de pais vivos”.
Recuemos no tempo. 1968, Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho;
estádio lotado. O paraibano Geraldo Vandré leva a plateia ao delírio ao cantar
“Pra não dizer que não falei das flores”. A música virou o hino da resistência à
ditadura e foi censurada.
Ela dizia a certa altura: “Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão. Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”
Julho de 1971. A “Carta do Recife” marca o surgimento do “grupo autêntico” do
MDB – deputados que decidiram radicalizar o discurso contra a ditadura, entre
eles, Alencar Furtado, Francisco Pinto, Fernando Lyra, Lysâneas Maciel e Amauri
Müller
Abril de 1972. Corre a notícia, que a imprensa foi proibida de publicar, que o
Exército enviara tropas para combater no sul do Pará, mais precisamente na
região do Araguaia, um foco de guerrilheiros ligados ao Partido Comunista do
Brasil (PC do B)
Junho de 1977. O MDB, que há três anos não se dirigia aos brasileiros, leva ao
ar seu programa na TV. Lá estavam Ulysses Guimarães, seu presidente; Franco
Montoro, líder do partido no Senado, e Alencar Furtado, líder do MDB na Câmara.
A crítica ao regime foi duríssima. Mas a fala de Furtado foi a que mais
emocionou os que a escutaram. Sem referir-se diretamente à tortura, à morte e ao
desaparecimento de pessoas como o ex-deputado Rubens Paiva, Furtado afirmou ao
defender a liberdade: “… para que não haja no Brasil lares em pranto; para que as mulheres não enviúvem de maridos vivos, quem sabe, ou mortos, talvez – viúvas do quem sabe e do talvez; para que não tenhamos filhos de pais vivos ou mortos, órfãos de quem
sabe e do talvez”.
Três dias depois, o general Ernesto Geisel, então presidente da República não
eleito pelo povo, mas pelo Congresso, sob pressão dos seus colegas de farda,
cassou o mandato de Furtado, que perdeu seus direitos políticos, tornando-se
inelegível
Que Bolsonaro dê graças a Deus por não ter vivido aqueles tenebrosos anos e por
poder falar livremente o que seus conselheiros sugerem. Aproveite. Ditadura
nunca mais.