ADA de SP: O verdadeiro crime organizado e suas leis do crime

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Rival do PCC, ADA de SP diz lutar por “verdadeiro crime organizado”

Facção DE, que prega “ocultismo” e “humildade”, promete matar rivais e integrantes que, por vontade própria, decidam deixar o grupo

São Paulo — Criada como uma dissidência do Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção paulista Amigos dos Amigos (ADA) resiste há mais de 20 anos no sistema carcerário de São Paulo, especialmente em penitenciárias que abrigam desafetos da maior organização criminosa do estado. Onde o PCC não entra, como a Cadeia de Montalvão, a ADA rivaliza com outros grupos e submete os presos a sua própria “lei” do crime, por meio de “salves” e violência física.

Apesar de ter nome e sigla idênticos aos da facção DE do Rio de Janeiro, criada em 1998, não há evidências de que a ADA de São Paulo tenha ligação direta com a homônima. A suspeita, de acordo com autoridades que investigaram de perto o grupo, é que a escolha do nome tenha sido uma homenagem.

A reportagem do Metrópoles obteve, com exclusividade, o manuscrito que marca a fundação da facção, em 28 de agosto de 2003, exatamente 10 anos após o surgimento do PCC. As folhas de caderno apócrifas são o estatuto da ADA paulista, contendo as “leis” e os princípios do grupo.

No manuscrito, encontrado na Penitenciária Wellington Rodrigo Segura, a Cadeia de Montalvão, a facção promete lutar pelo “verdadeiro crime organizado” e critica as “patifarias” e as “opressões carcerárias”.

“Um [membro], mesmo que esteja dentro ou fora dos presídios tem como responsabilidade de lutar contra as patifaria de opressões carcerárias e comunitária. A humildade vai prevalecer dentro dos nossos limites”, diz trecho do manuscrito.

“O ocultismo, a humildade e a sabedoria são as metas principais para o próprio crescimento dentro da nossa irmandade [e] lealdade ao comando”, continua o texto escrito à mão e em letra cursiva.

Sem fazer qualquer menção ao PCC, o estatuto utiliza uma série de termos e expressões encontrados nos “salves” e nos manuscritos da maior facção do estado — e amplamente difundidos entre a massa carcerária, como: “comando”, “opressão” e “irmandade”.

Ao contrário dos rivais que, a depender das circunstâncias, toleram que membros deixem a facção, a ADA veta qualquer tipo de autoexclusão. Segundo o estatuto, um criminoso “não tem duas palavras”.

“A irmandade deixa bem claro a todos que não existirá exclusão, e sim sumaria [texto cortado] para aqueles que traírem e por conta própria se excluírem, pois um criminoso não tem duas palavras”, afirma o manuscrito.

“Irmãos, muitas vitórias alcançaremos por traz das dificuldades… por isso a irmandade nunca ira intimidar-se com as batalhas, pois somente guerreiro de verdade que com sabedoria estimulará o direito final para o crescimento da filosofia e ideologia.”

A facção também prega a necessidade de ajudar financeiramente os “irmãos”, custear advogados e até planos de resgate de presos.

No ano passado, o presídio registrou pelo menos três homicídios. Em dois dos casos, os autores fazem menção à ADA. Um deles envolve uma suposta dissidência da facção Cerol Fino.

Em 14 de março de 2024, Anderson da Silva, conhecido como “Carro Roubado” foi brutalmente assassinado, na cela de número 14. Três presos foram apontados como autores do crime e disseram que um suposto salve da ADA teria motivado o homicídio.

A vítima sofreu uma série de perfurações com um espeto, foi quase degolada e teve as vísceras retiradas e colocadas em um balde. Os acusados – Ladson dos Santos Pereira, “Zoio de Gato”; Sandro dos Santos, “Pesadelo”; e Diogo Batista da Silva Claudiano, “Corintiano” – disseram que os supostos “pilotos gerais” da cadeia, “Cabelo” e “Ageu”, ligados à ADA, teriam encomendado a morte.

Ao pronunciar os réus para o Tribunal do Júri, no entanto, o promotor João Paulo Giovanini Gonçalves não levou em consideração as alegações sobre o suposto “salve” da ADA, e considerou a versão de que o crime teria sido praticado em razão de uma briga por chocolate.

“Quando a gente fala que São Paulo só tem uma facção, quer dizer que é a facção que domina, mas tem sempre uns gatos pingados, inclusive de outros estados”, afirma a desembargadora Ivana David, ex-juíza corregedora dos presídios paulistas e especialista em PCC.

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