Magistrado acusado por 44 anos de usar identidade falsa com dois nomes: Edward x José. Veja os documentos!

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Edward x José: veja os documentos com nomes diferentes do juiz acusado de usar identidade falsa por 44 anos

Réu em ação penal na Justiça de São Paulo, magistrado aposentado tinha dois RGs e dois CPFs nos nomes de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield e José Eduardo Franco dos Reis

O juiz aposentado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, que na verdade se chama José Eduardo Franco dos Reis, segundo o Ministério Público, mantinha dois RGs, dois CPFs e dois títulos de eleitor, além de outros documentos com informações falsas, como carteira de trabalho, certificado de dispensa do Exército e passaporte.

O Ministério Público e a Polícia Civil de São Paulo, que investigaram o caso, continuam sem saber o que motivou a criação da identidade falsa, em 1980, quando Reis tinha 22 anos.

De acordo com a acusação, o magistrado “enganou quase a totalidade das instituições públicas” por 44 anos.

O caso foi revelado pelo DE na quinta-feira (3).

Na sexta-feira (4), a 29ª Vara Criminal de São Paulo determinou que Reis/Wickfield seja comunicado sobre a ação penal para apresentar sua defesa. A presidência do Tribunal de Justiça paulista também decidiu suspender, administrativamente, os pagamentos para Edward Wickfield.

“Com a cédula de identidade e demais documentos, sob a persona fictícia de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, o denunciado José Eduardo Franco dos Reis, dentre outros possíveis usos da documentação ideologicamente falsa em atos da vida civil, ingressou no curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde se formou em 1992. Em 1995, foi aprovado no concurso de Juiz de Direito, passando a exercer a magistratura até a aposentadoria”, em abril de 2018, diz o promotor Maurício Salvadori na denúncia.

O DE tenta contato com o juiz, mas não conseguiu localizá-lo até a última atualização desta reportagem.

Veja abaixo os documentos obtidos pelo DE que, de acordo com a investigação policial, comprovariam a criação da falsa identidade.

RG COM NOME VERDADEIRO

Em 1973, segundo as apurações, José Eduardo Franco dos Reis tirou seu primeiro RG com o nome verdadeiro. Para solicitar o documento, o jovem, então com 15 anos, fez sua primeira ficha de identificação junto ao Instituto de Identificação da Polícia Civil de São Paulo.

À época, os registros eram feitos em papel e não havia comparação das impressões digitais com outras armazenadas em um banco de dados, como existe atualmente.

Em 1980, aos 22 anos, Reis tirou pela primeira vez o RG com o nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, dando início à farsa, segundo a investigação. A polícia apontou que o nome foi inventado e nunca pertenceu a uma pessoa real.

“Wickfield” foi aprovado no concurso de juiz em 1995, para trabalhar inicialmente em Limeira (SP). Ele costumava dizer que era descendente de nobres ingleses e que seu avô havia sido juiz no Reino Unido.

Ao tomar posse como juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, “Wickfield” apresentou uma série de outros documentos com informações falsas, de acordo com a investigação policial, como “um certificado de dispensa de corporação emitido pelo Exército Brasileiro, uma carteira de Servidor do Ministério Público do Trabalho e uma Carteira de Trabalho e Previdência Social”, além de título de eleitor.

O Ministério Público afirma que, ao mesmo tempo em que assumiu uma identidade falsa, o juiz manteve em dia os documentos com seu nome verdadeiro, “permanecendo com documentação dupla”.

Um exemplo disso foi a solicitação de uma nova via do RG em nome de José Eduardo Franco dos Reis em 1993. A Promotoria destacou que, naquele ano, “o Instituto de Identificação ainda não estava aparelhado para identificar a fraude”.

As autoridades só descobriram que Reis e “Wickfield” eram a mesma pessoa no ano passado. Em 3 de outubro, o juiz foi ao Poupatempo Sé, no centro de São Paulo, tirar uma nova via do RG com o nome inglês.

As impressões digitais dele foram coletadas e comparadas eletronicamente no banco de dados da Polícia Civil. Essa tecnologia passou a ser aplicada em 2014 a todas as pessoas que tiram RG no estado de São Paulo.

A comparação das impressões digitais apontou indícios de que havia duas pessoas com marcas idênticas. Os investigadores, então, passaram a analisar os documentos dessas duas pessoas e descobriram que eram uma só.

Ao realizar a análise documental, os investigadores constataram que as certidões de nascimento de Reis e de “Wickfield”, apresentadas ao Instituto de Identificação para a obtenção dos primeiros RGs, tinham o mesmo número de registro no mesmo cartório do município de Águas da Prata (SP), mas o restante dos dados era diferente.

Conforme as certidões, Reis nasceu em 16 de março de 1958; “Wickfield”, em 10 de março daquele ano. Reis é filho de Natalina e José; “Wickfield”, de Anna Marie Dubois Vincent Wickfield e Richard Lancelot Canterbury Caterham Wickfield.

O cartório informou aos investigadores que a certidão de nascimento de Reis está de fato registrada no local, mas a de Wickfield não tem registro. Foi assim que a polícia concluiu que a identidade de origem inglesa era a falsa.

Enquanto os investigadores aprofundavam as análises sobre a suspeita de fraude, o sistema do Poupatempo foi bloqueado e impossibilitado de emitir uma nova via do RG de Wickfield.

O juiz, então, foi informado pelo Poupatempo de que deveria ir ao Instituto de Identificação para regularizar sua situação — o que é praxe em casos assim, porque pode haver um engano do sistema.

Ao chegar ao instituto em 2 de dezembro de 2024, o juiz foi interrogado pelo delegado Raphael Zanon da Silva. Ali, ele se apresentou como José Eduardo Franco dos Reis e disse trabalhar como artesão.

Afirmou também que Wickfield é seu irmão gêmeo, que foi dado para adoção ainda criança. Segundo essa versão, Wickfield cresceu na Inglaterra, procurou Reis quando ambos já eram adultos e veio passar uma temporada no Brasil.

Foi então que Reis teria ido ao Poupatempo para solicitar um RG para o suposto irmão gêmeo, que seria um professor, e não o juiz.

Contudo, ele não explicou por que resolveu utilizar suas impressões digitais para tirar o documento para o suposto irmão, uma vez que irmãos gêmeos também têm digitais diferentes.

A história não convenceu a polícia e o Ministério Público. Em janeiro deste ano, os investigadores foram até o endereço do juiz Wickfield na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, e ouviram do síndico do prédio que o magistrado se mudou em 5 de dezembro, três dias após o depoimento na delegacia.

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