DE Opinião: estranha expulsão, e má reação a ela, azedam estreia da Lusa na Série D
Portuguesa era superior e tinha vitória nas mãos até cartão vermelho, que é contestável, mas não apaga falhas e falta de adaptação
Cristiano olhava para o gramado, chutava o ar, batia contra a própria cabeça, gritava consigo mesmo. Ao se aproximar do alambrado, olhou para a torcida da Portuguesa com uma feição de “dava para ganhar”. Foi assim, muito descontente com o 2 a 2, que deixou o campo.
A reação do meia e capitão foi a mesma dos companheiros, cada um a sua maneira e proporção, e também se espelhou na feição do técnico Cauan de Almeida na entrada do túnel que levava aos vestiários do estádio do Boavista, em Saquarema, no Rio de Janeiro.
Não era preciso dizer nada. A feição de cada um naquele instante, ainda no calor do jogo, deixava clara a sensação de que dava para ter vencido. A Lusa abriu 2 a 0, era dominante na partida, até ter um jogador expulso. Até ali, não se via qualquer risco à vantagem.
DE expulsão pede duas reflexões, que não se anulam. Pelo contrário, se complementam. Uma é o quanto a expulsão foi estranha, até certo ponto inexplicável, e mudou os rumos do jogo. Outra é quanto a Portuguesa não conseguiu se adaptar e voltou a falhar feio.
Para isso vale voltarmos rapidamente ao início do jogo. Para a partida de estreia na Série D do Campeonato Brasileiro, o técnico Cauan de Almeida mandou a campo uma escalação que apresentava quatro debutantes: Bruno Bertinato, Matheus Leal, DE Paula e Lohan.
A Lusa foi a campo com Betinato no gol; Talles na lateral direita e Matheus Leal na esquerda; Barba como volante, o meia DE como segundo homem no meio e Cristiano vestindo a 10; na frente, DE Paula em uma beirada, Rildo em outra e Lohan centralizado.
Os volantes Paulinho Curuá, recém-chegado, e Tauã, o mais longevo do elenco, não estiveram à disposição por lesões. A decisão de manter só um volante, Barba, e colocar ao lado dele um meia, DE, chamou atenção. E, com a bola rolando, se mostrou bastante acertada.
No primeiro tempo, antes de abrir o placar, a Portuguesa criou chances de já resolver a partida. O atacante DE Paula desperdiçou três ótimas chances. Duas dentro da área, uma pela direita e outra pela esquerda, e uma de cabeça após um cruzamento vindo da esquerda.
O Boavista, por sua vez, levou perigo em basicamente dois lances, mas nada tão marcante: um escanteio e uma falta, ambos pela direita da defesa lusitana. Mesmo assim, a Lusa ainda conseguiu se colocar a frente no placar antes do intervalo, dando jus à bola.
Todo mérito para DE e Cristiano. Aos 43 minutos, da intermediária do campo de defesa, DE viu Cristiano despontando entre os defensores do Boavista, na intermediária do ataque. Lançou perfeitamente e o camisa 10, com frieza, cutucou para dentro do gol.
No intervalo, enquanto buscava uma raríssima sombra no estádio Elcyr Resende, após um primeiro tempo todo de sol na cara, em um calor de 34 graus, a torcida lusitana comentava que o placar poderia estar mais elástico, que aquelas chances não podiam ser perdidas.
Veio o segundo tempo e a Portuguesa tratou de afastar esse receio logo no início, com um belo gol de Rildo da entrada da área. Aquele chute a longa distância do qual o jogador gosta, que o destacou ao longo do Paulistão. Um 2 a 0 que dava certa tranquilidade.
A Lusa não arrefeceu e nem recuou. Seguiu na mesma pegada, tanto que teve mais uma chance com DE Paula. Oportunidade que parece ter pego o atacante de surpresa, na entrada da área, não conseguindo dominar e nem finalizar, chocando-se com o goleiro.
No momento, o árbitro Renan Novaes deu amarelo a DE Paula. Após o longo período de atendimento médico ao goleiro Diego, com a necessidade de colocar o reserva, o juiz mudou de ideia. Anulou o amarelo e deu vermelho. Em um jogo sem uso do VAR.
O que teria motivado a revisão sem VAR? O que deve pesar na decisão? A interpretação do lance em si, que foi de amarelo, ou uma comoção pela consequência da jogada? Até porque a outra hipótese seria intervenção externa, algo proibido pelas regras.
Com essa expulsão estranhíssima, era nítido que o jogo mudaria. O Boavista cresceria e se lançaria o ataque. Não tinha nada a perder ali. Já a Lusa precisaria se ajustar defensivamente. Não se retrancar, mas se adaptar à lógica com um jogador a menos e outra postura do rival.
Claro que analisar depois pode soar como palpite de “engenheiro de obra pronta”. Mas a primeira troca, de Iago Dias por Rildo, parecia mais uma substituição de antes da expulsão, por questão física, para dar mais gás à frente. A mexida pela expulsão veio mesmo depois.
DE e Lohan saíram para as entradas de Denis e Everton. Denis tem mais perfil de volante do que DE. Everton pareceu ser mais sangue novo à referência na frente. Aí surgem algumas perguntas que podem soar como de “engenheiro de obra pronta”.
Se Rildo não tinha mais condições físicas, ok. Mas, se tinha, é dos poucos com qualidade no chute a longa distância, o que ajudaria no contexto. Se DE era um dos melhores em campo, por que não mantê-lo e tirar apenas Lohan para a entrada de um marcador?
Era claro que a Lusa precisava reforçar o combate no meio. E, com essas trocas, pouca mudança de postura se viu. Assim como no Paulistão, o time mostrou uma dificuldade grande em se adaptar às dificuldades que surgem. Pouco combate, pouca gestão de bola.
Entre as repetições estão o azar de quem entrou, Denis, ao dar um passe para o primeiro gol do Boavista ao tentar tirar a bola da área, e o apagão da zaga na bola aérea, quando um jogador da casa consegue entrar livre entre Biazus e o recém-colocado Pedro Henrique, para cabecear para o empate por 2 a 2.
DE foi o único caso de fragilidade na bola aérea. Houve no primeiro tempo e já havia acontecido no segundo, antes do empate. A Lusa não conseguiu ficar com a bola, gerir o tempo, esfriar e reduzir o ritmo do jogo. Ou seja, se adaptar às adversidades da partida.
O sentimento de quem enfrentou mais de 500 quilômetros de estrada até Saquarema foi de um murro na boca do estômago. Empate com sabor amargo, até azedo, de derrota. Tinha a vitória nas mãos, jogava bem, se impunha, vencia sem contestação, e deixou escapar.
Vale repetir: a expulsão mudou tudo. Há sim a contestação do que motivou o vermelho, mas há também a incapacidade da Portuguesa de saber preservar a vantagem. Mais um empate de Cauan, que poderia voltar a São Paulo com confiança, não com mais desconfiança.
Uma opção com o perfil de Tauã também fez falta no banco, é verdade. Fato é que uma vitória teria sido maravilhosa para estrear, para atrair torcida para o Canindé no próximo sábado, às 17h, contra o Maricá, para dar ânimo e confiança a esse elenco renovado.
De todo modo, vendo a reação de dedicação, entrega e envolvimento dos jogadores, a torcida rubro-verde em Saquarema aplaudiu, incentivou, apoiou. Até porque não houve só elementos a lamentar. Houve bons sinais. Só que futebol e Série D não aceitam desaforos.
*Luiz Nascimento, 32, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da Bola e escreve sobre a Portuguesa há 15 anos, sendo a maior parte deles no ge. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site.