DE fortaleceu a presença de mulheres no Vaticano
Pontífice criou cargos administrativos, mas manteve proibição ao sacerdócio
feminino
O papa Francisco deixou um legado de avanços na inclusão das mulheres em funções
de destaque dentro da Igreja Católica. Em 2013, quando o argentino foi eleito,
as mulheres representavam 19,2% dos funcionários do Vaticano. Uma década depois,
subiram para 23,4%.
Uma pesquisa realizada pelo Vatican News em 2023 revelou que o número de
funcionárias que trabalham na Santa Sé e na administração do Estado da Cidade do
Vaticano teve um salto de 846 para 1165 nos primeiros 10 anos do pontificado de
Francisco.
Na época da divulgação do levantamento, a Santa Sé empregava 3.114 pessoas,
incluindo 812 mulheres. Na prática, isso significa que um em cada quatro
funcionários era uma mulher.
Ao longo do pontificado de Francisco, as mulheres conquistaram nomeações
inéditas para cargos no Vaticano e o direito de voto em reuniões globais de
bispos. Contudo, há um limite que o papa não ultrapassou: a ordenação de
mulheres como sacerdotes, nem mesmo para se tornarem diaconisas.
O diácono é um cargo, ocupado por homens, dedicado ao serviço na Igreja e na
hierarquia católica está um grau abaixo de um padre. Ele não pode celebrar missas, ouvir confissões nem ungir os enfermos.
Em 2016, a pedido de um grupo de freiras, o papa Francisco chegou a criar uma
comissão no Vaticano para estudar o diaconato feminino na história da Igreja.
O trabalho desta comissão terminou em 2018 sem chegar a um consenso. Assim, o
papa criou uma segunda comissão que, também neste caso, não deu nenhuma resposta
unânime.
Em outubro de 2019, no relatório final do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, houve uma menção sobre o reconhecimento do “papel fundamental das mulheres” nas
comunidades amazônicas e um pedido para que líderes da região pudessem
participar da discussão sobre a implantação do diaconato feminino.
Em outubro de 2023, na primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos voltou a pedir para estudar a possibilidade de diaconisas na
Igreja.
Em maio de 2024, em uma entrevista à emissora americana CBS o papa mostrou
ceticismo.
“Não às mulheres diaconisas. Dar-lhes espaço na Igreja não significa
oferecer-lhes um ministério”, disse Francisco acrescentando “mas as mulheres
sempre tiveram, eu diria, a função de diaconisas sem serem diáconos, certo? As
mulheres são de grande utilidade como mulheres, não como ministras dentro da
Sagrada Ordem”.
Em seu livro “Vamos sonhar juntos: O caminho para um futuro melhor”, lançado em
2020, o pontífice resumiu sua postura em relação à presença das mulheres na
Igreja.
“O desafio tem sido criar espaços nos quais as mulheres possam liderar, mas de
forma que consigam moldar a cultura, se assegurando de que sejam valorizadas,
respeitadas e reconhecidas”, disse o papa.
Em 6 de novembro de 2022, em entrevista durante o voo de volta de Bahrein,
respondendo uma pergunta sobre o direito das mulheres, o papa falou deste livro:
“Uma sociedade que não consegue colocar a mulher no lugar que lhe é devido, não
avança. Temos experiência disso. No livro que escrevi, ‘Vamos sonhar juntos’,
falo da parte que elas têm, por exemplo, na economia: neste momento, há mulheres
economistas no mundo que mudaram a perspetiva econômica e são capazes de a levar
por diante. É que possuem um dom diferente, sabem gerir as coisas de outra
maneira, que não é inferior, é complementar”, disse o papa.
Na mesma entrevista no avião, Francisco acrescentou: “Vi que no Vaticano, sempre
que entra uma mulher na realização de um trabalho, as coisas melhoram. Por
exemplo, a vice-governadora do Vaticano [secretária-geral do Governatorado,
Raffaella Petrini] é uma mulher, e as coisas mudaram para melhor. No Conselho
para a Economia, havia seis cardeais e seis leigos, todos homens: mudei e, como
leigos, coloquei um homem e cinco mulheres. Foi uma revolução, porque as
mulheres sabem encontrar o justo caminho, sabem avançar”.
O pontífice completou a declaração: “E agora, na Pontifícia Academia para a
Vida, coloquei uma grande economista dos Estados Unidos, Mariana Mazzuccato,
para lhe dar um pouco mais de humanidade. As mulheres contribuem com o que lhes
é próprio. Não se devem tornar como os homens… São mulheres, nós precisamos
delas. E uma sociedade que elimina as mulheres da vida pública, empobrece-se.
Sim, empobrece-se. Igualdade de direitos, sim, mas também igualdade de
oportunidades, igualdade na possibilidade de progredir, porque, de contrário,
empobrece-se”.
Em janeiro de 2021, o papa estabeleceu uma alteração no Código de Direito
Canônico – o regulamento da Igreja — para permitir que as mulheres, durante a
missa, fizessem a leitura da Bíblia e distribuir a comunhão — oferecer as
hóstias.
Francisco fez uma revisão do antigo documento promulgado pelo papa Paulo VI
(1972), que especificava que apenas os homens podiam receber os ministérios do
Leitorado e do Acolitado, representa a institucionalização de uma prática
habitual.
Em fevereiro de 2021, o papa nomeou a religiosa francesa Nathalie Becquart como
subsecretária do Sínodo dos Bispos, se tornando a primeira mulher com direito de
voto na assembleia sinodal. Foi um marco histórico que abriu as portas para mais
transformações.
Em 2023, Francisco reforçou significativas mudanças no papel das mulheres na
Igreja. Naquele ano, o pontífice permitiu que mulheres votassem pela primeira
vez em um conselho global de bispos.
Antes dessas mudanças, as mulheres podiam participar apenas como auditoras, sem
direito a voto no texto final que resume as diretrizes adotadas na cúpula.
A XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos foi realizada em duas
sessões, a primeira em outubro de 2023 e a segunda em outubro de 2024.
De acordo com o jornal católico italiano Avvenire, os membros votantes do Sínodo
eram 365 no total, ou seja, 364 mais o pontífice. Destes, 54 eram mulheres.
Outros não votantes eram 85, incluindo 27 mulheres.
Naquela edição, o documento aprovado destacou iniciativas do Vaticano para
ampliar o espaço e a participação das mulheres nas estruturas eclesiais. O texto
final dizia que “não há razões que impeçam as mulheres de assumirem papéis de
liderança na Igreja”.
Em 2021, o papa Francisco nomeou pela primeira vez uma secretária mulher, a
religiosa italiana Alessandra Smerilli, que passou a atuar no Dicastério para o
Serviço de Desenvolvimento Humano Integral. Aquele era o cargo mais alto já
ocupado por uma mulher na época.
Desde então, Francisco fez reformas na estrutura da Igreja quando aprovou, em
2022, a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium sobre a Cúria Romana, o
governo central da Igreja Católica.
O novo documento tornou possível às mulheres dirigir um dicastério, equivalente
a um ministério. Assim, mulheres poderiam se tornar prefeitas, um cargo que
antes só poderia ser ocupado por cardeais e arcebispos.
Enfim, em janeiro de 2025, Francisco também nomeou a primeira mulher para
chefiar um dos departamentos mais relevantes no Vaticano.
A freira Simona Brambilla foi escolhida para liderar o Dicastério para os
Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, responsável pela
supervisão das ordens religiosas católicas em todo o mundo. Ela se tornou a
primeira prefeita no Vaticano.
Ao longo de 12 anos anos de papado, outros cargos também foram atribuídos por
Francisco a mulheres. Freiras passaram a ocupar, nesse período, funções de
“segundo em comando” em diferentes gabinetes do Vaticano, como o de
Desenvolvimento, o de Vida Familiar e o de Imprensa.
Entre as mulheres que ocupam cargos de grande relevância no Vaticano está a
jornalista brasileira Cristiane Murray. Desde 2019, atua como vice-diretora da
Sala de Imprensa da Santa Sé, também nomeada por Francisco.
Apesar de incentivar a presença feminina na estrutura no Vaticano, o papa
Francisco manteve sua posição contrária à ordenação de mulheres. Em 2022, ele
reafirmou essa postura ao destacar a distinção entre o “princípio mariano” e o
“princípio petrino” em uma entrevista à revista America Magazine.
Segundo ele, Maria representa a dimensão feminina da Igreja, enquanto Pedro
simboliza a masculina – uma distinção que, para o pontífice, é teológica e não
deve ser interpretada como uma questão de igualdade de gênero no ministério.
Em 2024, durante uma conferência sobre a evolução do papel de homens e mulheres
de acordo com os ensinamentos cristãos, o papa reiterou essa visão ao afirmar
que há diferenças fundamentais entre homens e mulheres e que “anular essas
diferenças significa anular a humanidade”.
Francisco fez essa declaração em referência ao que classificava como “ideologia
de gênero”.
Em 2024, a Conferência Internacional Mulheres na Igreja do Vaticano recebeu mais
de 150 participantes, incluindo 10 mulheres homenageadas pelo papa Francisco.
Na ocasião, o pontífice fez um pedido para o futuro das mulheres na Igreja e no
mundo: “Ajudemo-nos mutuamente, sem forçar e sem rasgar, mas com cuidadoso
discernimento, dóceis à voz do Espírito e fiéis em comunhão, a encontrar
caminhos adequados para que a grandeza e o papel das mulheres sejam mais
valorizados no Povo de Deus”.
Francisco pediu, por fim, que o direito das mulheres à educação seja preservado.
“No mundo, onde as mulheres ainda sofrem tanta violência, desigualdade,
injustiça e maus-tratos – e isso é escandaloso, ainda mais para quem professa a
fé no Deus ‘nascido de mulher’ -, existe uma grave forma de discriminação, que
está precisamente ligada à educação das mulheres. De fato, ela é temida em
muitos contextos, mas o caminho para sociedades melhores passa justamente pela
educação de meninas, moças e mulheres jovens, da qual o desenvolvimento humano
se beneficia. Rezemos e nos comprometamos com isso!”.