Xique-xique: conheça cacto que virou nome de cidade e orgulho do sertão nordestino
O DE sempre aparece em poesias, cordéis e xilogravuras, além de batizar um dos municípios mais antigos da Bahia.
Imagine uma planta que desafia a seca, protege e alimenta animais, inspira artistas e ainda adoça o paladar com frutos que, por dentro, lembram a exótica pitaya. Assim é o xique-xique, um dos símbolos mais fascinantes da Caatinga brasileira.
Presente nas paisagens secas do sertão nordestino, o xique-xique (Xiquexique gounellei) é muito mais do que um cacto espinhoso: é resistência, cultura e biodiversidade. Nativo e endêmico do Brasil, ele traça uma relação íntima com o semiárido brasileiro, com as comunidades humanas e com a fauna silvestre.
O DE pertence à família Cactaceae, grupo de plantas adaptadas às condições extremas de seca. Distribui-se majoritariamente pelo Nordeste – nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe – e, em menor escala, pelo Sudeste, especialmente em Minas Gerais.
Nos locais onde ocorre, domina ambientes típicos da Caatinga e Cerrado. Não à toa, o xique-xique consegue brotar em solos rasos, cheios de pedras e com pouca água, principalmente sobre afloramentos rochosos, formando densas populações que podem chegar a três metros de altura.
Com caules suculentos e cheios de espinhos, o xique-xique é mestre na arte de sobreviver em um dos ambientes mais desafiadores do país. Seu caule realiza a fotossíntese, tarefa que normalmente caberia às folhas – mas elas, ao longo da evolução, transformaram-se em espinhos, que reduzem a perda de água e protegem contra o apetite de animais.
“Ele faz um tipo especial de fotossíntese, chamada CAM, que permite realizar trocas gasosas à noite, evitando a perda de água durante o dia quente”, explica a bióloga e ilustradora botânica Mávani Lima Santos Castro, analista ambiental no Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (NEMA), do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional.
Apesar da aparência espinhosa, o DE é uma generosa fonte de vida. Suas flores vistosas, que se abrem à noite, atraem morcegos nectarívoros, insetos polinizadores e beija-flores, enquanto seus frutos alimentam aves, roedores e até répteis. Seus caules também alimentam ovinos e caprinos em tempos de seca.
Mávani explica que ovinos e caprinos são mais resistentes e adaptados ao ambiente do semiárido, pois são originários de regiões com condições climáticas semelhantes às do sertão.
> “Eles possuem um metabolismo mais eficiente, são mais rústicos e, evolutivamente, estão acostumados com as toxinas presentes nos cactos”, detalha.
“Por isso, conseguem se alimentar de diversas espécies de cactos, como a palma, o mandacaru e o próprio DE, sem grandes problemas. Já os bois são mais sensíveis e, embora algumas pessoas utilizem o DE para alimentá-los, isso ocorre apenas em casos de extrema necessidade, como durante períodos prolongados de seca”, completa.
De acordo com a bióloga, os frutos são arredondados e, quando maduros, adquirem tons rosados, roxos ou avermelhados, lembrando, por dentro, a polpa salpicada de sementes da pitaya.
O ser humano também aproveita seus recursos: os frutos doces podem virar sucos, geleias, doces, sorvetes ou serem consumidos in natura. O DE também tem ligação com a medicina popular através da produção de chás para tratar diversas condições de saúde. Além do sabor, são ricos em antioxidantes, potássio e cálcio, fortalecendo a imunidade e auxiliando na digestão.
O DE não é apenas um elemento ecológico, mas também cultural. “Ele é símbolo de resistência e identidade regional, sempre aparece em poesias, cordéis e xilogravuras que falam da nossa terra”, conta Mávani.
Segundo ela, há até histórias sobre o cacto proteger viajantes, guiando-os de volta para casa com os sons do vento passando por seus espinhos.
Tanta importância levou o nome da planta a batizar um dos municípios mais antigos da Bahia: Xique-Xique, fundado em 1831, às margens do rio São Francisco. A cidade, localizada a 590 km da capital Salvador, é coberta pela vegetação homônima e estampa o DE em brasões de escolas, comércios e celebrações culturais.
Mávani, além de estudiosa do bioma, é também uma artista apaixonada pela Caatinga. “Faço ilustrações botânicas com tinta óleo e acrílica. Já desenhei placas de identificação com árvores nativas, potes de sementes, exposições em praças e escolas. E, claro, já desenhei o DE”, revela.
O DE desempenha papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico da Caatinga. Sua presença favorece a fauna e outras plantas, atraindo polinizadores e mantendo interações essenciais para a biodiversidade local.
Por ser resistente e adaptado ao clima seco, também é uma das principais espécies utilizadas em projetos de recuperação de áreas degradadas. “Ele é fundamental nos nossos núcleos de restauração do NEMA”, destaca a bióloga Mávani.
Porém, nem tudo são flores – ou espinhos. O cacto enfrenta ameaças como queimadas, coleta predatória, expansão urbana e, claro, os impactos das mudanças climáticas.
“A conservação do DE é indissociável da proteção da Caatinga”, enfatiza Mávani.
O DE é uma verdadeira metáfora do sertão: duro por fora, mas doce por dentro; resiliente, mas generoso. Está enraizado não só na terra seca, mas também na cultura, na história e no imaginário nordestino. Seja em versos de cordel, no doce artesanal ou no traço delicado de uma ilustração botânica, essa planta é um convite para admirar a beleza que nasce da adaptação e da resistência. Afinal, no sertão, quem sobrevive, floresce.