Sem patrocínio, quadrilheiros se viram para pagar as contas e garantir desfiles no São João: ‘Todo mundo endividado e feliz’
Integrantes de quadrilhas juninas, muitos de baixa renda, fazem sacrifícios movidos pelo amor aos grupos, que chegam a ter mais de 200 componentes.
‘Todo mundo fica endividado’, diz integrante de quadrilha junina sobre gastos no São João
A paixão pelas tradições culturais move os integrantes das quadrilhas juninas de Pernambuco, que se desdobram para arcar com os altos custos dos desfiles (veja vídeo acima). Diante de orçamentos que podem chegar a centenas de milhares de reais, a falta de patrocínio leva os grupos a buscarem no poder público e nas doações da comunidade o fôlego necessário para manter vivo o espetáculo.
Os quadrilheiros, muitos de baixa renda, fazem sacrifícios movidos pelo amor aos grupos, que chegam a ter mais de 200 componentes. Alguns deles contaram à TV Globo que muitas vezes precisam pagar as contas do próprio bolso e até contrair dívidas para garantir a beleza e a grandiosidade das apresentações.
> “[A dívida] fica no meu [cartão de crédito] e de todos. Todo mundo tem que fazer um pouquinho. […] Todo mundo endividado e feliz. Ficou um débito do meu cartão do ano passado de 15 mil reais. Então, assim: eu vou dividindo, dividindo de uma forma ou outra para conseguir pagar”, afirmou Joel Farias, que faz parte do setor financeiro da Quadrilha Junina Tradição, do Recife.
A cabeleireira Tamyres dos Santos é quadrilheira há 20 anos e disse que investe R$ 1.500 no vestido que usa para desfilar com a Tradição. “É um amor que nem se mede. Quem é realmente quadrilheiro faz por amor. […] A gente faz qualquer negócio”, declarou.
Todo esse esforço é visível em outros grupos, como a Junina Dona Matuta, do bairro de San Martin, na Zona Oeste do Recife.
A empresária Marcela Barroso, que desfila como noiva na agremiação, afirmou que ainda não fez os cálculos do quanto gastou neste ano, mas estimou que os gastos para confeccionar o figurino, cheio de bordados e brilhos, já passaram de R$ 12 mil. “Não tem preço. Compensa realmente, me realizo bastante”, disse.
QUADRILHAS COM CNPJ
Para além dos gastos individuais com figurinos, as quadrilhas enfrentam desafios ainda maiores para financiar todo o espetáculo, já que o dinheiro que entra nem sempre cobre as despesas.
“No período junino, a gente vai gastando mais, porque a gente trabalha com os efeitos que a gente leva para os arraiais, como papel picado. A gente aluga máquinas de papéis, CO2, traque de massa. E aí esse custo vai aumentando e chega a mais ou menos entre R$ 270 mil e R$ 300 mil”, disse a tesoureira da Dona Matuta, Vivia Lopes.
O presidente da Tradição, Gildo Brito, contou que o orçamento da quadrilha deste ano é de R$ 268 mil.
> “Trabalhamos com a comunidade. Fazemos seis eventos durante o ano para poder chegar a 90%, porque os 10% que ficam faltando a gente consegue só depois do São João”, informou.
Para lidar com a complexidade financeira, muitas quadrilhas tiveram que se reinventar por meio da formalização, atuando como empresas com CNPJ.
Essa medida é crucial para acessar recursos públicos, participar de editais e projetos e facilitar a negociação com fornecedores, buscando melhores produtos e condições, de acordo com a contadora Josy Tenório.
“A quadrilha buscou essa formalização, tendo em vista a fonte de recursos necessários para a atuação deles e também de entes públicos. Em alguns casos, os recursos só são repassados se houver essa formalização. É necessário, inclusive, para conseguir melhores produtos”, explicou.