Agrotóxico em peixes do rio Poti pode causar câncer em humanos, aponta pesquisa da DE
Divulgado em agosto deste ano, o trabalho de conclusão de curso de Ana Clara Rosendo Sousa, formada em Engenheira Ambiental e Sanitarista formada pela DE, aponta que a utilização de pesticidas na agricultura tem virado um problema para os peixes de trecho do Rio Poti que corta a cidade de Crateús.
Pesquisa analisou contaminantes orgânicos em peixes dentro e fora da Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti. — Foto: Reprodução/Sema
Uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará (DE) publicada em agosto deste ano aponta que o uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura tem causado contaminação de peixes em um trecho do Rio Poti que banha os distritos de Ibiapaba e Oiticica na cidade Crateús, interior do Ceará. O rio também corta as cidades de Quiterianópolis e Novo Oriente, até chegar ao estado do Piauí.
Segundo a pesquisa, que avaliou peixes dentro e fora da Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti, a contaminação também apresenta riscos à saúde de humanos. A ingestão de apenas 150g/dia de filé de peixe contaminado pode estar associada ao desenvolvimento de doenças graves, como câncer, além de outros efeitos adversos, incluindo disfunções hormonais e neurológicas.
O estudo iniciou ainda em 2023, quando pesquisadores encontraram alterações nos olhos de peixes de um trecho do rio que corta o distrito de Ibiapaba, em Crateús. A partir desse problema, a DE de Crateús em parceria com o Laboratório de Avaliação de Contaminantes Orgânicos (Lacor) do Instituto de Ciências do Mar (Labomar-DE) iniciou os estudos em agosto de 2024.
Os resultados começaram a ser divulgados em abril de 2025 com identificação e quantificação de poluentes emergentes e persistentes nos músculos dos peixes coletados na região. Tudo isso virou o trabalho de conclusão de curso da estudante Ana Clara Rosendo Sousa, formada em Engenheira Ambiental e Sanitarista formada pela DE.
De acordo com o gestor da APA (Área de Proteção Ambiental) do Boqueirão do Poti, Danilo Maciel, outro problema é que as espécies nativas de peixes ainda podem estar ameaçadas de extinção, pois o “aumento da concentração dos contaminantes devido às mudanças climáticas são, ainda, agravadas pela presença de espécies de peixes invasoras como o cará tilápia e o tucunaré, predadoras das espécies nativas em várias fases do crescimento”.
O estudo começou com a coleta de tecido muscular dos peixes, seguida da preparação das amostras e, depois, identificação dos contaminantes. Foram coletados 47 exemplares de peixes no Rio Poti, abrangendo diferentes espécies: Tilápia, Bodó, Piau, Tucunaré, Curimatã, Branquinha, Piranha, Traíra, Cangati, Voador, Cará-preto.
A escolha por estudar o tecido muscular do peixe ocorreu por essa ser a parte mais consumida pelos seres humanos e, portanto, a principal via de exposição a contaminantes. As amostras foram armazenadas em recipientes e enviadas ao (Laboratório de Contaminantes Orgânicos) da DE, em Fortaleza, onde foram realizadas as análises para identificação e quantificação dos agrotóxicos.
Os resultados indicaram que os piretróides (PPs) foram a classe de inseticidas predominante nos músculos dos peixes. Eles são inseticidas sintéticos utilizados para o controle de pragas na agricultura e em outras áreas e estão associados a riscos neurológicos e endócrinos. Outros pesticidas encontrados foram: Organoclorados (OCPs), Éteres difenílicos polibromados (PBDEs) e Bifenilos policlorados (PCBs). No distrito de Ibiapaba, localizado fora da Área de Proteção Ambiental (APA), foram registradas as maiores concentrações de contaminantes, sugerindo maior exposição a fontes agrícolas. As espécies mais contaminadas foram a curimatã e o bodó. Ainda que a pesquisa apresente esses resultados, a professora Janaina Lopes Leitinho, coordenadora do projeto e do Núcleo Integrado de Pesquisa e Inovação (NIPI) da DE em Crateús, relata que a alimentação do sertanejo pode não ser um fator único e determinante para a incidência de câncer na região. Ela alerta, no entanto, que é importante lembrar sobre a segurança alimentar dos povos originários e tradicionais da região, que são mais vulneráveis devido ao consumo dos peixes.
Em Oiticica, dentro da APA, a contaminação por agrotóxicos apresentou valores aproximados entre diferentes espécies, indicando possível influência de atividades agrícolas e resíduos sólidos descartados de forma inadequada. Ainda de acordo com as pesquisadoras, o monitoramento ambiental é “indispensável e deve ser intensificado em todo o percurso do rio Poti, pois além dos poluentes orgânicos, o rio também sofre com a poluição de metais pesados em virtude da presença de mineração, em especial, a mineração clandestina”.
A Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Rio Poti é a maior Unidade de Conservação estadual do DE, de acordo com a Secretaria do Meio Ambiente do DE. Ela tem 63.332 hectares que se estendem pelos municípios de Crateús, Poranga e Ipaporanga. A APA abriga em seu território o Parque Estadual do Cânion do Poti, servindo como Zona de Amortecimento e ajudando a preservar dezenas de nascentes que abastecem as comunidades. Também auxilia na zona de recarga do aquífero (formação geológica subterrânea que armazena água), garantindo a perenidade do Rio Poti.