Sobrevivente que perdeu filha pede indenização após ataque em ônibus de Piracicaba: ‘foi muito difícil pra mim’

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Sobrevivente que perdeu filha em ataque com 3 mortos em ônibus de Piracicaba pede indenização na Justiça: ‘foi muito difícil pra mim’

Alvo de facadas, Maria Adelina Gomes da Silva, de 64 anos, ficou sem movimentos em um dos braços. Sua filha, Adriana Coelho da Silva, de 42 anos, não resistiu aos ferimentos.

Sobrevivente que perdeu filha em ataque com 3 mortos em ônibus pede indenização na Justiça

A vida de Maria Adelina Gomes da Silva, de 64 anos, se divide entre antes e depois de sua entrada em um ônibus do transporte coletivo urbano de Piracicaba (SP). Poucos minutos após o início da viagem, um homem passou a esfaquear pessoas no coletivo, deixando três mortos e outros três feridos.

Maria Adelina, que naquele dia voltava de uma consulta a um psicólogo em uma ONG, é uma das sobreviventes, mas ficou sem movimentos em um dos braços. Porém, suas perdas foram ainda maiores. Sua filha, Adriana Coelho da Silva, de 42 anos, também foi atacada e não resistiu aos ferimentos.

A idosa afirma que nunca recebeu qualquer assistência da prefeitura ou da Tupi – Transporte Urbano de Piracicaba, empresa responsável pelo transporte público na cidade na época.

Por esse motivo e pelos reflexos do ataque em sua vida, há dois meses processou a administração municipal e a empresa para pedir uma indenização de R$ 1 milhão por danos morais, corporais e estéticos.

Em entrevista exclusiva ao DE, ela relembrou o ataque, como ele a afetou e comentou sobre a indenização que cobra. Confira a seguir:

Maria Adelina mostra cicatrizes deixadas por ataque em ônibus — Foto: Rodrigo Pereira/ DE

‘VI SANGUE E CORRI’

Maria Adelina relembra que, quando o ônibus já tinha iniciado o trajeto, no ponto próximo a uma unidade dos Correios, na Armando de Salles Oliveira, escutou um barulho.

“Quando eu escutei aquele barulho, que eu vi sangue, eu corri. Eu falei: ‘Senhor, a minha vida é do Senhor’. Não olhei pra trás e corri. Não sabia o que tava acontecendo. Depois que eu corri, […] ajoelhei de frente deles [pessoas que passavam pela rua] e gritava ‘socorro’. Eles correram com um pano, amarrando no meu pescoço […]. Eu fui a primeira a sair. A primeira a ser socorrida”, relata.

Ela sofreu ferimentos no rosto e ombro, e foi levada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital dos Fornecedores de Cana (HFC). No local, passou por uma cirurgia plástica reconstrutiva.

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PRESSENTIMENTO

Maria Adelina ficou dois dias internada. Inicialmente, ela não sabia o que tinha acontecido com sua filha, mas conta que tinha um pressentimento. A confirmação veio por outra filha sua, no dia seguinte ao ataque.

“Eu falei pra ela: ‘E a Adriana?’. Ela falou: ‘A Adriana não aguentou, mãe’. Mas eu já sabia. Já tinha uma coisa me avisando há tempo que ia acontecer algo estranho na minha família, mas eu não sabia o que era”, revela.

Ela não pôde ir ao velório da filha porque ainda estava internada. Adriana deixou uma filha que hoje tem 16 anos.

Em meio a lágrimas, Maria Adelina relata os reflexos em sua vida.

“Foi muito difícil pra mim. Depois, eu não quis mais ficar na minha casa. Foi difícil, mas graças a Deus eu recuperei. Pedi pra Deus me dar força, que ele dá a mesmo. Mas foi uma coisa muito traumática, uma coisa que eu não esperava”, conta.

DORES, SEQUELAS E DIFICULDADE FINANCEIRA

Ela revela que até hoje ainda sente dores nos locais onde foi ferida. E, com a perda do movimento do braço, não consegue realizar atividades simples do dia a dia, nem fazer bicos como no passado. Ela produzia salgadinhos para vender.

Hoje, recebe apenas um benefício de R$ 500, pago devido à perda da visão de um dos olhos, que aconteceu em 2019.

“Difícil ter R$ 140, na hora, pra comprar um remédio, né? Muita coisa. Às vezes, a gente quer comer um pão e não tem um centavo no bolso. Ô rapaz, uma tristeza. Mas eu tenho certeza que o senhor tá comigo e eu vou vencer. Eu já venci”.

Idosa relata falta de assistência

Em meio a esse cenário, a idosa afirma que não recebeu qualquer assistência da prefeitura ou da concessionária que era responsável pelo ônibus. Ela diz que precisou realizar um empréstimo para conseguir comprar remédios.

“A autora [da ação] tinha como apoio a sua filha mais velha que foi assassinada e não teve amparo nenhum após o atentado dos réus, apesar de serem responsáveis pelos fatos graves aqui narrados”, informa na ação o advogado de Maria Adelina, Luiz Fernando Barbosa.

Segundo o defensor, houve falha na prestação do serviço à aposentada, devido à falta de medidas de proteção e vigilância no interior do ônibus, “expondo os passageiros a risco inaceitável”.

“Pagou pra entrar no ônibus, tem que ter segurança […] Eu exijo o meu direito, sim, de ser humano […] Eu não quero nada que é dos outros. O que eu tenho passado, o que eu estou passando, é só Deus na minha vida”, desabafa Maria Adelina.

“O trauma vivido pela autora extrapola em muito os limites do suportável. Além das lesões físicas, que deixaram sequelas permanentes e comprometimento funcional, a autora passou a conviver com intenso abalo emocional, sentimentos de angústia, medo, tristeza profunda e sensação de abandono pelo poder público”, acrescenta o advogado na ação.

Autor do ataque foi internado

O autor do ataque no ônibus foi internado em clínica psiquiátrica após laudo apontar que ele sofre de esquizofrenia e “transtorno mental e/ou de comportamento devido à dependência de álcool”.

“Se ele tinha doença mental e ele bebesse, não era pra fazer uma barbaridade”, comenta a vítima do ataque.

O QUE DIZ A PREFEITURA

À DE, a Prefeitura de Piracicaba informou que, na ação, defende a “ilegitimidade de parte”, que é quando a parte processada considera que não deveria ser elencada como ré. Isso ocorre porque, na ação, a prefeitura diz que a responsabilidade é da concessionária Tupi, contratada para prestar o serviço de transporte.

A administração municipal também argumentou que o suporte dado à vítima se iniciou durante a ocorrência dos fatos, com rápida intervenção da Guarda Civil, que imobilizou e prendeu em flagrante o criminoso; e com o imediato socorro, transporte e atendimento das vítimas nas unidades de saúde da rede municipal e estadual.

Ainda segundo a prefeitura, a rede de saúde (inclusive a mental) estava à disposição de Maria Adelina.

“No dia dos fatos ocorreram crimes, e a investigação se deu na Justiça Pública, sendo que o autor das facadas foi declarado como inimputável por insanidade mental, com base em dois laudos periciais”, finalizou.

O QUE DIZ A CONCESSIONÁRIA

Ao DE, a Tupi comunicou que lamenta pelo ocorrido e argumentou que “não possui qualquer responsabilidade por atos de terceiro e que o criminoso já foi processado e punido na esfera criminal”.

No processo, a empresa alegou que se tratou de um “fato de terceiro e invencível”, e sustentou que o contrato firmado com a prefeitura não prevê qualquer responsabilidade da concessionária por atos dos usuários nos terminais e veículos.

A empresa ainda argumentou que a reparação à aposentada deveria ter sido definida na ação criminal contra o autor do ataque. “A obrigação da concessionária é de transporte e não de segurança pública”, acrescentou.

A Tupi ainda afirmou que faltam provas sobre os danos sofridos pela passageira e pediu a redução do valor de indenização solicitado por considerá-lo “desproporcional”.

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