CEI do Limpa Gyn ouve cooperativas e aponta falhas na coleta seletiva em Goiânia
Representantes de empresas de reciclagem relataram queda na renda, falta de planejamento no processo de transição e ausência de fiscalização na pesagem dos materiais; vereadores classificaram problemas como graves
A Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga o contrato entre o Consórcio Limpa Gyn e a Prefeitura de Goiânia ouviu, na tarde desta terça-feira (7), representantes de duas cooperativas de reciclagem da capital. O objetivo foi compreender os impactos da terceirização do serviço de coleta seletiva sobre o trabalho das cooperativas, que relataram queda na renda, redução no número de cooperados e falta de critérios técnicos para a medição do material reciclável recebido.
Os depoimentos apontaram retrocesso no processo de coleta seletiva em Goiânia. Além disso, segundo os cooperados, o material destinado às cooperativas é medido de forma subjetiva, com base no chamado ‘olhômetro’ e não por peso — embora o pagamento seja feito por tonelada. Apenas uma das 12 cooperativas cadastradas, atualmente, pela Prefeitura, possui balança própria para aferição.
“É um retrocesso, me sinto lá atrás, em 2008, quando começamos”, destacou Dulce Helena do Vale, que há 19 anos atua na Cooper-Rama. De acordo com ela, a transição para a terceirização da coleta seletiva na capital ocorreu sem planejamento; as cooperativas chegaram a ficar cerca de 20 dias sem material para trabalhar e também deixaram de ser ouvidas. “Não fomos consultados. Antes, com a Comurg, havia um programa estruturado. Hoje, não sabemos a quem recorrer: se à Limpa Gyn, se à Secretaria de Infraestrutura (Seinfra)”, argumentou. Dulce relatou ainda queda no volume de material recebido — de 60 para 30 toneladas, por exemplo —, além de redução no número de cooperados – de 40 para 12, no caso da Cooper-Rama – e perda de renda.
Segundo ela, não apenas o volume, mas também a qualidade dos resíduos recebidos pelas empresas de reciclagem, após a mudança na gestão da coleta seletiva, teria diminuído significativamente. Conforme afirmou, em seu depoimento, Dulce Helena do Vale, embora venha melhorando gradativamente, o Consórcio Limpa Gyn entrega o material reciclável, para as cooperativas, sujo, molhado e, algumas vezes, até misturado com resíduos orgânicos. Em outros casos – principalmente no início do trabalho terceirizado -, os recicláveis já chegaram a ser despejados no Aterro Sanitário, junto com o lixo doméstico.
“As cooperativas atuavam, antes de todo esse processo, de forma integrada e estável, sob os princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), contando com o apoio da população. Foram anos de trabalho e de luta pela conscientização das pessoas. Hoje, estamos órfãos”, lamentou a representante da Cooper-Rama.
Mais problemas e reivindicações
Outros problemas sérios, na avaliação dos membros da CEI, foram mencionados durante as oitivas desta terça-feira, na Câmara. Entre eles, a ausência de relatórios e de transparência no controle da coleta seletiva em Goiânia. De acordo com os depoentes, o Município não fornece documentos que comprovem o recebimento dos resíduos pelas cooperativas, nem presta apoio técnico ou financeiro. Também não há campanhas de conscientização para incentivar a separação correta dos resíduos pela população, sobretudo depois da terceirização dos serviços pelo Limpa Gyn.
Para o reciclador Claubi Teixeira de Lemos, da Cooperativa Beija-Flor, que atua na área há 15 anos e também ouvido pela CEI, é urgente a necessidade de uma lei municipal que regulamente o trabalho dos catadores e recicladores. Na opinião dele, a ausência dessa legislação deixa as cooperativas em situação de vulnerabilidade diante das mudanças promovidas pela terceirização da coleta seletiva.
“Enquanto não tivermos uma lei municipal regulamentando nosso trabalho, seremos sempre prejudicados”, ressaltou, sublinhando que outros municípios goianos já possuem marcos legais voltados ao fortalecimento da economia circular e à integração dos catadores ao sistema de gestão de resíduos sólidos, como prevê a PNRS.
Cleubi pediu o apoio do Legislativo na causa e relatou, também, a falta de reuniões do comitê gestor vinculado à Secretaria de Governo (Segov), responsável por acompanhar as questões da coleta seletiva na capital. Segundo informou, apenas uma reunião foi realizada após a terceirização do serviço, o que contribui para a falta de diálogo tanto com o Limpa Gyn quanto com o Executivo municipal.
Falhas graves
Os vereadores que compõem a CEI do Limpa Gyn consideraram graves as falhas de gestão e fiscalização relatadas pelos depoentes nas oitivas. O presidente da comissão, Welton Lemos (Solidariedade), lembrou que o colegiado identificou falhas igualmente relevantes na visita dos parlamentares ao Aterro Sanitário, há duas semanas. “Não há uma forma de gestão eficiente do recebimento dos resíduos. Não há uma medida correta feita para um contrato desse tamanho”, sustentou o vereador. A sugestão dele é que a Prefeitura crie uma central de recebimento do material coletado na cidade.
Já o vereador Sanches da Federal (PP) classificou como “muito frágil” e “amadora” a maneira de se medir o lixo e questionou o custo pago pelo Município ao consórcio. Segundo explicaram os depoentes à CEI, os cooperadores atestam, no ‘olhômetro’, se o nível do conteúdo recebido é baixo, médio ou alto, levando em consideração a capacidade de volume, em metros cúbicos, do baú do caminhão.
“Dessa forma, pode estar sendo pago mais do que realmente tem ali no caminhão. O que o fiscalizador tem que fazer é tentar objetivar, principalmente, esse pagamento”, pontuou. “O que a gente observa é um método totalmente subjetivo. No ‘olhômetro’, a pessoa pode marcar se é baixo, médio ou alto. Não estou fazendo ilações, mas isso pode gerar uma facilidade de corromper ou favorecer alguém, já que não há como auditar posteriormente”, acrescentou.
Requerimentos
Ao final da reunião, a CEI aprovou requerimento do vereador Fabrício Rosa (PT) para que seja solicitado à Seinfra o “inteiro teor do processo licitatório” que consagrou o Consórcio Limpa Gyn como vencedor da disputa pela terceirização do serviço de coleta de lixo e varrição na capital. Além disso, ele requer que sejam convocados, para depoimentos, o presidente e todos os servidores responsáveis pela condução do processo licitatório.
Já o vereador Willian Veloso (PL), relator da CEI, solicitou que sejam realizadas perícias técnicas e contábeis nos documentos encaminhados à comissão pelo Limpa Gyn e pela Seinfra, para comprovação das declarações prestadas pelo diretor executivo do consórcio, Renan Andrade, no dia 30 de setembro. Os requerimentos também foram aprovados pelos parlamentares, na reunião desta terça-feira.