A revista em quadrinhos que ‘reinventou’ leitura para crianças no Brasil há 120 anos apresentou Mickey e Popeye ao público nacional — eram, respectivamente, Ratinho Curioso e Brocoió — e circulou até 1977. Uma novidade chamou a atenção nas bancas do Rio de Janeiro há 120 anos, na quarta-feira, 11 de outubro de 1905. Em meio aos periódicos que informavam e entretinham a sociedade, uma publicação ilustrada e cheia de desenhos apelava ao olhar infantil: era a revistinha O Tico-Tico, considerada a primeira revista de histórias em quadrinhos do país.
Com logotipo concebido pelo já consagrado desenhista e ilustrador ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1843-1910), O Tico-Tico ganhou o coração das crianças com historinhas, personagens marcantes e passatempos. Acabou abrindo espaço para os quadrinhos no país ao mesmo tempo que criou uma ideia de mercado literário voltado para a infância. “O cabeçalho criado por Agostini passa uma mensagem de pureza e inocência. As crianças, retratadas como espécies de querubins, se divertem por entre as letras que formam o título da revista”, comenta a jornalista Sonia Bibe Luyten, criadora da primeira gibiteca do país e autora de O Que É História em Quadrinhos (Brasiliense, 1987), entre outros livros.
Publicação circulou até 1977 e apresentou Mickey e Popeye ao público nacional — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal de Richardson Santos de Freitas. Conforme a pedagoga Cíntia Borges de Almeida, professora na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), o corpo editorial da revista a anunciava com a missão de “divertir, estimular e ser útil às petizadas do Brasil”. O Tico-Tico nasceu intitulando-se o “jornal das crianças”. “[Foi a] denominação dada por seus fundadores”, declara Almeida.
Entre os personagens de O Tico-Tico estavam criações nacionais, republicações autorizadas de quadrinhos que faziam sucesso no exterior e até mesmo cópias não-autorizadas. É o caso de Chiquinho, o personagem que chegou a ser o mais popular da revista. Nos anos 1950 soube-se que se tratava de um plágio: sem autorização, os brasileiros tinham copiado Buster Brown, do norte-americano Richard Felton Outcault (1863-1928). Em defesa dos artistas da publicação nacional, vale ressaltar que Chiquinho ganhou contornos de menino brasileiro. “Com o decorrer do tempo, o Chiquinho foi devidamente adaptado à realidade cultural brasileira e tornou-se o personagem-símbolo de O Tico-Tico”, pontua Merlo.
A ideia da revista foi do jornalista Luís Bartolomeu de Souza e Silva (1864-1932), que se inspirou em publicações semelhantes que circulavam na França. “O Tico-Tico era muito similar às revistas infantis europeias do começo do século. Coloridas e moralistas. Muitas de suas histórias visavam à educação das crianças e à construção de sólidas convicções morais”, enfatiza Maria Cristina Merlo, mestre em história em quadrinhos pela USP com o trabalho O Tico-Tico — Um Século de Histórias em Quadrinhos no Brasil. “Tenho uma edição de 1928 e eles tinham uma coisa diferenciada: colocavam quadrinhos na capa”, atenta Lovetro, da Associação dos Cartunistas do Brasil.