Show de despedida de Gal Costa no Coala: o derradeiro brilho da estrela em álbum póstumo

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O derradeiro brilho da estrela Gal Costa

Álbum póstumo com show no festival Coala eterniza o ponto final da luminosa
trajetória da cantora.

Gal Costa (1945 – 2022) no palco do Memorial da América Latina, em São
Paulo, em 17 de setembro de 2022, data do último show da cantora — Foto: Roncca /
Divulgação

Gal Costa (1945 – 2022) no palco do Memorial da América Latina, em São Paulo, em
17 de setembro de 2022, data do último show da cantora — Foto: Roncca /
Divulgação

OPINIÃO SOBRE DISCO

Título: As várias pontas de uma estrela – Ao vivo na Coala

Artista: Gal Costa

Cotação: ★ ★ ★ ★

É impossível avaliar o primeiro álbum póstumo de Gal Costa (1945 – 2022) com a imparcialidade
devida. Afinal, o disco eterniza o derradeiro brilho da estrela no palco e isso
dá ao álbum As várias pontas de uma estrela – Ao vivo na Coala um instantâneo
valor histórico ao mesmo tempo em que joga o ouvinte em um universo de
inevitável melancolia. Afinal, foi ali o ponto final de trajetória luminosa.
Ninguém sabia em 17 de setembro de 2022 que o show da cantora no festival
paulistano Coala, no palco armado no Memorial da América Latina, seria o último
de Gal.

Até pela presença de nódulo na fossa nasal, que seria extirpado pela artista em
cirurgia feita após o show, a voz não estava exatamente na melhor das formas,
como evidencia o canto de Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento e Fernando
Brant, 1974) na abertura do álbum lançado hoje, 17 de outubro de 2025, em edição
da gravadora Biscoito Fino, três anos e um mês após a apresentação. Ainda assim,
era a voz de Gal e isso basta para fazer a diferença.

Por ser show de festival, o roteiro não reproduz com absoluta fidelidade o
repertório da turnê As várias pontas de uma estrela (2021 / 2022), base da
apresentação. Músicas inesperadas no roteiro original de novembro de 2021 – como
Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958), Gabriel (Beto
Guedes e Ronaldo Bastos, 1978) e Quem perguntou por mim (Milton Nascimento e
Fernando Brant, 1985) – cederam lugar a sucessos como Divino maravilhoso
(Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968) e Palavras no corpo (Silva e Omar Salomão,
2018) para facilitar a comunicação da cantora com o público mais diversificado e
animado de um festival, geralmente propenso a dispersão se não tiver a atenção
capturada de imediato.

Para alicerçar a conexão com a plateia, a maioria dos arranjos tendeu para uma
pegada roqueira, sustentada pela banda formada pelos músicos Fábio Sá (baixo),
Limma (teclados) e Vitor Cabral (bateria). O rock afiou as garras de Tigresa
(Caetano Veloso, 1977), música que Gal cantou com Rubel e Tim Bernardes em um
dos pontos mais altos da apresentação. O trio também esteve junto em Baby
(Caetano Veloso, 1968). Sem Tim, Rubel fez feat com Gal em Como 2 e 2 (Caetano
Veloso, 1971).

Já Tim Bernardes voou alto com Gal no tapete mágico de Negro amor (It’s all over
now, baby blue, Bob Dylan, 1965, em versão em português de Caetano Veloso e
Péricles Cavalcanti, 1977) e embarcou em Vapor barato (Jards Macalé e Waly
Salomão, 1971), que singra em mar revolto, no pulso da potente guitarra de Tim
(elogiada por Gal em cena), num dos melhores registros dessa música apresentada
originalmente no show Gal a todo vapor (1971).

É impressionante como, diante dos dois jovens cantores, a voz da estrela se
acendeu com mais brilho. Pelo que sugere o disco produzido por Marcus Preto,
diretor da turnê As várias pontas de uma estrela, o show de Gal no Coala foi
crescendo e chegou ao ponto ideal de fervura na segunda metade.

Enfim, em que pesem as limitações naturais da voz aguda de uma cantora que iria
completar 77 anos uma semana após o show, a apresentação da cantora no festival
Coala fica eternizada no álbum como belo canto de cisne de Gal. A adesão do
público ao show está evidenciada no disco em números como o samba-rock Quando
você olha pra ela (Mallu Magalhães, 2015).

Enfim, Gal Costa saiu de cena em grande momento, ovacionada por um público
majoritariamente jovem, sem nostalgia da modernidade que pautou a discografia da
cantora nas décadas de 1960 e 1970, se dissipou nos anos 1980 e voltou oscilante
a partir da década de 1990 até ser retomada de vez nos anos 2010 com o álbum
Recanto (2011).

Com capa minimalista criada por Omar Salomão com a exposição dos lábios
vermelhos da cantora, assinatura visual de Gal, o álbum As várias pontas de uma
estrela – Ao vivo na Coala se beneficia da mixagem de Duda Mello e da
masterização de Alexandre Rabaço, ambas ótimas.

A qualidade técnica é bem satisfatória, sobretudo se for levado em conta que o
áudio do show foi captado sem a intenção de gerar um disco. Afinal, ninguém
sabia que aquele show seria o último brilho de Gal Costa, estrela impagável na
constelação da música brasileira.

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