Do coral de uma igreja pentecostal na Zona Leste de SP para as pistas de música eletrônica: quem é Mia Badgyal
Cantora mistura funk, eletrônico e reggaeton em discos que celebram o corpo e a autonomia enquanto tenta levar a música pop para a cena underground.
Mia, de 28 anos. — Foto: Divulgação/ Mateus Aguiar. Mia, de 28 anos. — Foto: Divulgação/ Mateus Aguiar.
É sempre difícil determinar o que forma um artista e a sua capacidade de criação, mas boa parte está atrelado à sua origem e até mesmo à religião. Este é o caso de Mia Badgyal, de 28 anos.
A travesti Mia, que é da Zona Leste de São Paulo, é um dos nomes que vem crescendo na cena pop paulista e tenta fazer o caminho inverso da grande maioria: focar a música pop, na cena noturna underground.
O primeiro contato da artista com a música foi em uma igreja pentecostal.
“Toda a minha infância foi dedicada já à música dentro da igreja. Eu cantava em todas as igrejas da região. A igreja era a plataforma onde todo mundo que está nas periferias tem esse contato com a cultura. Nunca tive acesso a aulas de música, mas lá tinha canto, teatro, dança. E, naquela época, a igreja tinha uma boa articulação com a música também”, disse, em entrevista ao DE.
“Se a gente for olhar, várias divas começaram na igreja porque era realmente o único lugar que a gente tinha para mostrar o talento. Além de ser onde as pessoas param e prestam atenção. Então, apesar de todas as problemáticas, ajudam a impulsionar nas artes, e eu fui muito acolhida na igreja neste quesito”, completa.
Ainda adolescente, Mia decidiu romper com o ambiente religioso. O afastamento também fez com que ela se distanciasse da música por um tempo.
“Na minha adolescência, eu me descobri, quebrei esse pacto com a igreja e aí fui seguir minha vida. Só que até então, para mim, a música estava fora de minha condição porque era à igreja que eu ia escutar. A igreja era onde cantava, então meio que deixei isso de lado”, completa.
O projeto NOVAS FREQUÊNCIAS, do DE SP, traz uma série de entrevistas com músicos e produtores de São Paulo que estão explorando gêneros, sons e novas maneiras de criar música na capital.
Mia trabalhou com nomes como Jup do Bairro, Cyberkills e Irmãs de Pau. Ela também abriu para Charli xcx em um show solo em São Paulo.
A artista lançou dois álbuns nos últimos anos: Emergência (2023), produzido durante a pandemia, e Mucho Sexy (2024), já com os pés fincados nas pistas. No primeiro disco, ela experimentou um som mais latino, com referências ao reggaeton. No mais recente, investe no eletrônico, voltado para a vida noturna.
“O Emergência eu fiz praticamente todo em casa, sem viver a noite. Já o Mucho Sexy nasceu das festas que eu passei a frequentar, dos rolês para onde a música me levou. Eu quis fazer o tipo de música que gosto de ouvir. Ele é mais maduro, mais polido”, completa.
O produtor Fuso, parceiro de Mia no novo trabalho, detalha o processo: “A gente pensou muito em referências como Funk Generation e o Motomami, da Rosalía. A ideia era criar um universo dentro do disco, com timbres repetidos, letras que dialogam entre si, e uma estética minimalista do funk misturada ao eletrônico”.
“A gente foi fazendo esse caldeirão de demos e de ideias. Tem letras que se repetem, partes do instrumental que voltam em diferentes faixas. Essa ideia de criar um universo próprio, cheio de referências internas, veio muito da Rosalía”, completa.
Com o Mucho Sexy, Mia tenta entranhar o pop na música underground, com letras chicletes embaladas por uma batida potente. A ideia é tentar colocar um refrão para tocar em uma pista de dança.
“É meio que um dilema: muito pop para ser underground, muito underground para ser pop. Mas eu sinto que minha música tem chegado onde tem que chegar. Ela tem uma produção diferente, é um pouco mais arriscada. Por ter essa vibe ainda de pop — com construção, métrica e refrões típicos do gênero —, mas com timbres mais tortinhos, um pouco diferentes, acho que não vai causar tanto susto para quem não está familiarizado com essas nuances”, afirma.
Para o parceiro Fuso, a maneira de construir um disco pop com uma batida mais experimental faz com que a música possa transitar entre dois mundos.
“Acho que conseguimos manter essa vibe experimental nos timbres, mas com construções que ainda são pop. Isso ajuda a música a transitar entre os dois mundos.”