Com aumento no número de mulheres e crianças, migração tem um novo perfil e
demanda políticas de acolhimento no Paraná
Percentual de mulheres estrangeiras que solicitam refúgio no Brasil foi de 10%
em 2013 para 43% em 2025. Muitas delas chegam ao país com filhos pequenos em
busca de um futuro melhor.
Migração tem novo perfil e demanda políticas de acolhimento
“Muitas das estradas que percorremos não são seguras. Ainda mais com um bebê”,
lembra Yoana Pérez Gonzalez, de 19 anos, que percorreu o trajeto de Havana, em
Cuba, até o Brasil. Ela chegou a Curitiba com 35 semanas de gravidez,
fase final da gestação. “A gente vem com medo. Mas, graças a Deus, tudo acabou
bem”, conta.
Yoana viajou de barco ao lado do companheiro, Eudy Guerra, até chegar à costa da
Guiana, país no norte da América do Sul que faz fronteira com o Brasil. De lá,
ela explica que a família seguiu viagem por conta própria até Curitiba. Receosa,
ela evita dar detalhes sobre o percurso.
A jovem diz que passar tanto tempo na estrada naquela fase da gestação foi
difícil. “Eu me sentia muito mal, com cólica, enjoo e todas essas coisas.”
Yoana Pérez Gonzalez, de 19 anos, se mudou de Havana, em Cuba, para
Curitiba — Foto: Maycon Hoffmann/RPC
Em agosto deste ano, o casal chegou a Curitiba e foram para o apartamento que
alugaram à distância, pela internet. A quitinete de menos de 40 metros quadrados
estava vazia. Sem conhecer ninguém na cidade, Yoana e Eudy dormiram no chão
durante as primeiras noites.
“Nós estávamos dormindo no piso, com apenas uma colcha no chão para poder
dormir”, descreve Yoana.
Sem móveis em casa, Yoana dormia no chão aos 8 meses de gravidez — Foto: Arquivo
familiar
Yoana e Eudy fazem parte de uma tendência identificada pelas instituições
públicas e do terceiro setor que acompanham o tema: o perfil dos migrantes que
chegam ao Brasil está passando por uma mudança. DE e a RPC investigaram, ao
longo dos últimos três meses, o acesso de famílias migrantes e refugiadas às
políticas públicas voltadas à primeira infância em Curitiba e no Paraná. Leia
mais abaixo.
Este texto faz parte da série “Infâncias em Travessia”. Com foco na primeira
infância e nos impactos das políticas públicas sobre famílias migrantes, os
textos discutem e mapeiam os caminhos físicos, emocionais e sociais que crianças
migrantes e refugiadas percorrem na chegada ao Paraná. Acesse aqui todos os
textos da série.
Yoana e Eudy estão reconstruindo a vida no Paraná — Foto: Maycon Hoffmann/RPC
Foi uma vizinha cubana quem indicou a Yoana e Eudy o contato da voluntária
Marluce Bely, da ONG Unidade Fraternidade, que apoia migrantes em Curitiba e
integra a Pastoral do Migrante. Após uma mensagem enviada num domingo à noite
Marluce mobilizou uma rede de solidariedade e, por meio de doações, ajudou a
conseguir o básico para o lar da família.
“Lembro que ela comprou um chuveiro para tomarmos banho, porque não havia nada.
Eles nos forneceram cama, pia, fogão, malas, sofá, pratos e coisas para o bebê”,
lembra Yoana.
Eles contam que não têm amigos nem familiares em Curitiba e que escolheram a
capital paranaense porque ouviram boas referências da cidade.
O edifício no bairro Novo Mundo onde vivem Yoana, o companheiro e o bebê abriga
dezenas de outras famílias estrangeiras, de diferentes nacionalidades.
MUDANÇA NO PERFIL MIGRATÓRIO: CUBANOS SUPERAM VENEZUELANOS EM PEDIDOS DE REFÚGIO
Dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) apontam uma mudança
na nacionalidade que lidera os pedidos de refúgio no Brasil. Entre janeiro e
outubro de 2025, foram 26.647 pedidos feitos por cubanos. Pela primeira vez, os
cidadãos da ilha caribenha superaram os pedidos de refúgio feitos por
venezuelanos, que somaram 13.686 no período.
No Paraná, o cenário acompanha essa tendência: foram 2.270 pedidos de cubanos,
sendo 1.666 registrados em Curitiba, o que revela uma nova configuração
migratória na região.
Além disso, Curitiba é a cidade brasileira que mais recebeu venezuelanos por
meio da Operação Acolhida – que é coordenada pelo Subcomitê Federal de
Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade. De
acordo com o último levantamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento e
Assistência Social, Família e Combate à Fome em parceria com a Organização
Internacional para as Migrações (OIM), agência da ONU, 8.812 venezuelanos estão
acolhidos na capital paranaense por meio do programa.
O OBMigra aponta também um aumento no percentual de mulheres que solicitam
refúgio no Brasil. Elas eram 10,1% em 2013, mas em 2025 passaram a representar
43,6% dos pedidos. Se em anos anteriores, os homens eram maioria absoluta nos
pedidos de refúgio, a diferença tem se encurtado. Até setembro deste ano, foram
24.368 pedidos de mulheres contra 31.383 de homens.
Solicitações de refúgio no Brasil
Proporção de pedidos feitos por mulheres saltou de 10% para mais de 40% nos
últimos anos
Fonte: Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra)
Segundo Márcia Ponce, secretária executiva da Regional Paraná da Cáritas
Brasileira, o novo rosto da migração é um fenômeno global e já se reflete nos
atendimentos realizados pela entidade, que atua como ponte entre o poder público
e os migrantes. “Historicamente, a migração era liderada por homens. Hoje, vemos
um movimento crescente de mulheres à frente”, afirma. Muitas dessas mulheres
chegam acompanhadas de filhos pequenos ou em grupos familiares maiores, com
avós, filhas e netas.
ACOLHIMENTO ALÉM DO IDIOMA
Clefaude Estimable é psicólogo, especialista em mediação cultural e pesquisador
na área de migração e saúde mental. Atua no apoio a migrantes e refugiados em
diversos países da América Latina e do Caribe. Segundo ele, o acolhimento com
migrantes vai muito além da tradução do idioma — exige sensibilidade e
compreensão da diversidade cultural. Clefaude lembra de um caso que atendeu e o
marcou: “Ela gritava durante o parto, mas era algo cultural, uma forma de
expressão dela. O médico obstetra chamou um psiquiatra porque imaginava que ela
estava em surto”.
Claudia Vidigal, representante da Fundação Van Leer no Brasil — organização
independente que promove o desenvolvimento integral na primeira infância — atua
há mais de 20 anos na defesa dos direitos das crianças. Ela também colaborou na
elaboração de guias voltados a famílias venezuelanas refugiadas e migrantes com
filhos pequenos.
Claudia destaca a importância de respeitar as diferenças culturais nas formas de
exercer a maternidade, e valorizar a força dessas mulheres que recomeçam em um
novo país. “Além da dor e dos desafios da migração, essas histórias carregam
alegria, alívio e o desejo de recomeçar — de oferecer aos filhos um futuro
diferente, mesmo diante das incertezas.”
Ela reforça que essas trajetórias não devem ser apagadas, mas reconhecidas como
histórias de resiliência. “É também bonito ver a coragem de quem pega os filhos
e parte de um território de risco em busca de dignidade. E construir esse senso
de gratidão — não como quem recebe, mas como povos irmãos que se apoiam — é
essencial.”
Busca por um futuro
Danay Ivete Medina Figueired, de 25 anos, chegou de Havana no fim de janeiro,
acompanhada do marido e do filho de três anos. Ela está na reta final de uma
nova gestação e a reportagem a acompanhou em uma consulta na Unidade de Saúde
Vitória Régia, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC).
A enfermeira que a atendeu contou que Danay chegou ao posto com baixo peso e
anemia. Para a cubana, o atendimento em Curitiba é muito diferente do que
recebeu no país de origem, durante a primeira gestação.
“Aqui é totalmente diferente de Cuba. Tudo limpo, organizado. A ecografia mostra
tudo direitinho. Lá não era assim.”
Ela disse que espera um futuro melhor em Curitiba. Com um sorriso largo no
rosto, Danay diz que o filho mais velho está encantado com Curitiba e adora os
parques da cidade. “Ele está muito feliz por ter um irmãozinho e por estar no
Brasil. Diz que não quer voltar para Cuba. Está muito contente aqui.”
O bebê de Danay nasceu saudável no dia 16 de outubro.
Este conteúdo foi produzido com colaboração de Matheus Karam e Maria Pohler, assistentes de produtos
digitais DE Paraná.
Este conteúdo recebeu apoio do programa “Early Childhood Reporting
Fellowship”, do Global Center for Journalism and Trauma.
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