Desigualdade em Paraisópolis/Morumbi: 20 anos depois da foto icônica

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De baixo para cima: o outro ângulo da foto histórica da desigualdade social de
Paraisópolis/Morumbi

Duas décadas depois da imagem que escancarou o abismo social, moradores de
Paraisópolis dizem que o contraste segue o mesmo, e que os dois mundos, tão
próximos, ainda não se encontraram.

Prédio Penthouse visto da favela de Paraisópolis, na Zona Sul de SP —
Foto: Deslange Paiva/de

Conta-se que, se jogarmos um sapo dentro de uma panela com água fervendo, ele
pula. Mas se colocarmos o sapo em uma panela com água fria, taparmos, e
começarmos a aquecer lentamente, você o cozinha lá dentro.

Esta é a metáfora utilizada por Geovan Oliveira, um dos diretores da União de
Moradores de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, para explicar por que
muitos moradores da favela desconhecem a foto aérea histórica que retrata um
prédio com uma piscina por andar ao lado da favela e virou símbolo da
desigualdade social no Brasil.

> “A foto fala muito mais para fora do que para dentro. As pessoas estão dentro,
> vivendo essa realidade, e não causa esse impacto. E quando você está dentro,
> você não percebe, você vivencia todas essas dificuldades, mas na periferia
> você não tem muito para quem reclamar. E quando a foto vai para fora, ela
> grita, ela fala muito mais para fora do que para dentro”, diz Geovan, que
> também é orçamentista de obras.

A fotografia feita de helicóptero, em 2004, por Tuca Vieira para a “Folha de
S.Paulo” ganhou destaque internacional, sendo publicada em jornais de vários
países. A imagem também passou a ilustrar livros escolares como exemplo do
Índice de Gini — indicador que mede a desigualdade na distribuição de renda.

De baixo, o Penthouse parece ainda mais imponente, como um monstrengo vilão da
Marvel, fazendo sombra na segunda maior favela de São Paulo, em área. De cima,
Paraisópolis e seus 10 km² é quem parece ameaçar tomar tudo ao redor.

Alguns moradores mais antigos, que observam o prédio de baixo para cima, até
conhecem a foto feita há 20 anos, principalmente pela abertura da novela da
Globo “Vale Tudo”, mas no dia a dia acabam ignorando as diferenças entre os dois
mundos.

Em um salão de cabeleireiro bem rente ao muro, três amigas conversam sob a
sombra do prédio.

“Eu acho ele [o prédio] feio, ninguém cuida. Ele já foi bonito. Não sei o que
acontece, não cuidam”, diz Liu, de 60 anos.

> “O prédio não incomoda, quem ficou incomodado foi quem se mudou para não ter a
> vista da favela”, diz a amiga Mercedes, de 45 anos.

Elas, como a maioria dos moradores, chegaram a Paraisópolis na década de 90,
depois da construção do prédio, erguido em 1979, e símbolo da riqueza dos anos
80. Ter uma piscina por andar era “o must”.

De lá para cá, as amigas relatam que a vida delas melhorou muito. Com muito mais
acesso a comida, lazer, tecnologia, etc.

“Não tem nem comparação, hoje tem muito mais estrutura. Mas ainda falta um
hospital ou um ambulatório com especialidades”, diz Rosemeire, de 57 anos, que
nasceu em Paraisópolis, é filha de fundadores da comunidade e não pensa em
deixar a favela.

De fato, o rendimento médio de todas as fontes dos brasileiros melhorou e foi de
R$ 3.057, em 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) divulgou em maio deste ano. Este é o maior valor já registrado em toda a
série histórica, superando o recorde de 2014 (R$ 2.974).

Ainda segundo o instituto, o Brasil também melhorou a desigualdade de renda,
atingindo o menor nível da série histórica do IBGE em 2024, com o Índice de Gini
caindo para 0,506. O índice varia de 0 a 1 _ quanto mais próximo de 0, menor a
desigualdade.

Por outro lado, o Relatório Global de Riqueza 2025, do banco suíço UBS, diz que
o Brasil, ao lado da Rússia, é o país mais desigual do mundo, com Índice de Gini
em 0,82.

Fato é que, com o aumento de renda, e redução, ou não, da desigualdade social,
esses dois mundos tão distantes e tão vizinhos não se encontraram até agora.

As amigas dizem que nunca viram um morador do prédio aparecer para cortar o
cabelo ou fazer as unhas no salão delas — nem em qualquer outro de Paraisópolis,
que tem muitas e boas opções.

Nem no mercadinho do pernambucano Manoel, de 49 anos, os moradores do Penthouse
deram as caras. Ele que, como pedreiro, construiu muitos prédios da cidade de
São Paulo, disse que até acha bonito o prédio: “Mas falta uma pintura”.

O também pernambucano Adélio, barbeiro de 30 anos, não conhecia a foto, mas
conhece bem as diferenças de público.

> “Tem muito empresário e muito preconceito. Eles têm medo de entrar aqui”, diz.

Já a Polícia Militar entra mais em Paraisópolis do que nos prédios do Morumbi.

“A lei que eles aplicam aqui, não aplicam lá”, afirma Geovan.

O único que parece transitar entre esses dois mundos é o zelador do prédio,
morador de Paraisópolis.

Ele, que já foi porteiro do Penthouse e hoje é o faz-tudo do edifício, cortou as
vagas na portaria para reduzir o valor do condomínio, que hoje custa R$ 5,2 mil.

Por essa razão, diz ele, muitos moradores foram se endividando e saindo dos
apartamentos, que foram a leilão. Quatro dos 13 apartamentos de 355 metros
quadrados estão desocupados no número 3891 da Avenida Giovanni Gronchi.

Outros problemas são as dívidas do IPTU, de R$ 12 mil, as ações judiciais e os
apartamentos que vão a leilão por preços muito abaixo do mercado e ainda assim
não encontram compradores para o prédio com arquitetura mediterrânea.

Tuca Vieira contou que depois da foto de helicóptero voltou várias vezes a
Paraisópolis.

“E muita gente foi lá depois da foto, né? Tem gente que veio para o Brasil só
para conhecer esse lugar”, diz.

Ele afirma que o fato de a foto ter sido feita de helicóptero ilustrou muito
bem: “Ficou muito gráfica, muito didática”.

Mas hoje conta que tem problemas com fotos aéreas, sobretudo por causa da
popularização dos drones.

“Então, hoje em dia, qualquer coisa, manda um drone lá para… Sabe, até festa
junina, as pessoas estão fazendo drone. Então, virou uma coisa muito fácil de
você resolver matérias jornalísticas de forma barata e tal. E é mais complicado
ir, né? Ir para o chão, conversar com as pessoas. Ir aos lugares, leva mais
tempo”, diz.

> “Então, hoje em dia, eu acho que tem uma banalização do uso da foto aérea
> através do drone. Eu acho que cria um distanciamento também. Fica tudo meio
> bonito, muito gráfico, mas distante da realidade ali das pessoas. Então, eu
> acho que é importante ir. Eu acho interessante falar disso, dessa
> possibilidade de duas visões. Mesmo porque, de helicóptero, a visão de quem
> está distante, de cima, é do rico, digamos assim, que até pode voar de
> helicóptero. E ali, o olhar de baixo para cima, aquele prédio, é a visão das
> pessoas que moram na favela”, completa.

A comunidade centenária de Paraisópolis é a maior favela de São Paulo e a
terceira maior do Brasil, por número de moradores, segundo o novo recorte do
Censo IBGE 2022, divulgado no ano passado.

A pesquisa mostra que mais de 58,5 mil pessoas vivem na comunidade, que também
possui 21,4 mil moradias fixas e particulares. Geovan acredita, no entanto, que
sejam mais moradores e que muitos podem não ter sido contabilizados, já que na
favela é uma casa em cima da outra.

Quando o Censo anterior foi realizado, em 2010, Paraisópolis havia sido apontada
como a oitava maior favela do país, com uma população de aproximadamente 42,8
mil pessoas.

Segundo a União dos Moradores de Paraisópolis, a história da favela começa em
1921. A área em que atualmente ela está situada fazia parte da Fazenda do
Morumbi, parcelada em 2.200 lotes pela União Mútua Companhia Construtora e
Crédito Popular S.A.

A infraestrutura do loteamento não foi completamente implantada, e muitas
pessoas que adquiriram os lotes nunca tomaram posse efetiva, nem pagaram os
tributos devidos. Com isso, eles foram abandonados. Dessa forma, tornaram-se um
convite para a ocupação informal.

Esse processo começou por volta de 1950, protagonizado principalmente por
famílias que a transformaram em pequenas chácaras, além de atuarem como
grileiros.

Os anos de 1960 vão encontrar essa região com roças e gado bovino. Havia poucas
casas e alguns bares, porém, com a implantação de bairros de alto padrão como o
Morumbi, os cemitérios Gethsemani e Morumbi, e a abertura de vias de acesso,
como a Avenida Giovanni Gronchi, a região passou a se valorizar, despertando o
interesse econômico.

Nessa mesma década, foi elaborado o primeiro Plano de Desenvolvimento Integrado
de Santo Amaro, que propunha a declaração da área como utilidade pública,
visando uma posterior urbanização. Mas essa ideia não prosperou.

Em 1970, surgiram os primeiros barracos de madeira, ocasião em que se iniciou a
ocupação dos Jardins Colombo e Porto Seguro, vizinhas a Paraisópolis.

Novamente as ações não se concretizaram e, entre 1974 e 1980, intensificou-se o
processo de ocupação da região. O crescimento do movimento migratório
acelerou-se ainda mais a partir de 1980.

Entre as diversas causas, está a facilidade de obter emprego graças ao
crescimento acentuado da região, principalmente com a demanda crescente de
trabalhadores para a construção civil.

Perfil de Paraisópolis em 2021:

– 85% nordestinos
– 13 escolas públicas (estaduais e municipais)
– 1 Centro Educacional Unificado (CEU)
– 1 Escola Técnica (ETEC)
– 3 Unidades Básicas de Saúde (UBS)
– 1 Assistência Médica Ambulatorial (AMA)
– 4 agências bancárias
– 658 presidentes de rua
– 31.400 pessoas cadastradas no Emprega Comunidades
– 1.500 empregos formais
– Potencial de consumo: R$ 578 milhões
– Lanchonetes representam 26%, lojas de roupas, 15%, mercados, 14%, salões de
beleza, 13%
– 72% dos empreendedores estão formalizados como MEI;
– 1 agência de empregos
– 1 agência de comunicação da favela
– 1 jornal comunitário
– 1 rádio comunitária

Fonte: Deslange Paiva/ de

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