Qual a importância da música 3 nos discos – e como é pensada a sequência de
faixas dos álbuns?
Produtores e artistas contam ao DE quais são suas formas de equilibrar as faixas
de um álbum e explicam a posição de destaque da terceira música.
As músicas nos celulares do infográfico abaixo são de músicas de diversos
gêneros musicais. Mas todos trazem uma mesma ideia: comparar um sentimento ou
algum momento importante com o impacto da faixa três nos álbuns de música.
A escolha pela citação na composição não é apenas por rima. A faixa três ocupa
um lugar especial dos discos. O espaço é considerado “o horário nobre”. E as
músicas costumam ser a grande aposta de um álbum ou serem a cara do projeto. Não
é raro que elas tenham se tornado o grande hit do álbum. Veja alguns exemplos:
* “Wonderwall”, no album “(What’s the Story) Morning Glory?”, do Oasis;
* “Come as You Are”, no album “Nevermind”, do Nirvana;
* “Resposta”, no álbum “Siderado”, do Skank;
* “Veludo Marrom”, no álbum “Caju”, de Liniker;
* “Cachimbo da Paz”, no álbum “Quebra-cabeça”, de Gabriel o Pensador;
* “Rios, Pontes & Overdrives”, no álbum “Da lama ao caos”, de Chico Science e
Nação Zumbi;
* “Como Nossos Pais”, no álbum “Alucinação”, de Belchior;
* “Capítulo 4, versículo 3”, no álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais;
* “O Trem Azul”, no álbum “Clube da esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges;
* “Tinindo Trincando”, no álbum “Acabou chorare”, dos Novos Baianos;
* “Femme fatale”, no álbum “The Velvet Underground & Nico”, do The Velvet
Underground…
“Eu acho que sempre rolou uma mística em relação a terceira faixa do disco.
Pelo menos, desde que eu comecei a escutar CD, têm várias ‘faixas 3’
emblemáticas em discos que marcaram minha vida”, afirma Pedro Pimenta,
compositor de “Vou te escrever um rap” e vocalista do Atitude 67’.
Por essa razão, Pedro escolheu citar na canção que faria um rap para a amada e
encaixaria na terceira faixa 3. “Foi um jeito que eu achei ali na composição de
ser uma declaração mesmo de amor.”
“Quando eu comecei a trabalhar com música, nos estúdios, nos lugares sempre
falavam que o hit, o sucesso do disco, era na terceira faixa. E isso ficou assim
marcado, não só para mim, mas para vários músicos. Por isso que a faixa três é
uma faixa meio simbólica, meio emblemática.”
A banda Atitude 67 canta sobre a faixa 3 na música “Vou te escrever um
rap” — Foto: Divulgação/BPMcom
O produtor Dudu Borges, um dos compositores da música “Faixa 3”, gravada pela
dupla Bruninho e Davi com Gusttavo Lima, escolheu a terceira posição do álbum
também para falar de amor.
“A música fala da experiência de um álbum em que, justamente, a faixa 3 fazia a
pessoa lembrar de um amor e sofrer”, explica. “[A escolha de usar na composição]
foi muito por essa questão de a faixa 3 dos álbuns sempre ter algo especial.”
A composição, claro, ocupa a terceira posição do álbum “Bruninho e Davi ao Vivo
no Ibirapuera”.
Para Dudu, além de as faixas de número 3 serem, normalmente, a grande aposta do
disco, ela também ocupa um lugar quase definitivo para segurar o ouvinte.
“Se a pessoa não gostou das 3 primeiras faixas, é difícil que da quarta para
frente as coisas mudem.”
Dudu Borges — Foto: Reprodução/Instagram
Quando Dudu diz isso, não à toa. A forma de encaixar cada faixa em um álbum faz
parte de uma pensata importante sobre a sequência do disco. Assim como shows, os
álbuns também contam histórias, com início, meio e fim.
“Meu foco é contar uma história durante o álbum e causar sensações que deixem a
experiência boa e viciante para ser ouvida ou consumida o máximo possível”, diz
Dudu.
Claro que tudo depende do produtor, do artista e do projeto. Não há uma fórmula
exata para isso, mas existem algumas linhas de pensamento comuns na hora da
produção:
* No início, é comum aparecerem as maiores apostas do álbum. Faixas impactantes
e que segurem o ouvinte. A velha tática que diz que “a primeira impressão é a
que fica”;
* Se algum single tiver sido lançado antes do álbum completo, é comum que ele
apareça também nesta primeira parte, pra criar conexão com os fãs;
* Já o meio do álbum costuma contar com faixas mais longas ou experimentais;
* E o terço final, traz faixas mais emocionantes e que fazem com que o ouvinte
tenha vontade de voltar novamente para a faixa um. Até por isso, muitas
vezes, existe uma conexão entre a última e a primeira.
Para o beatmaker e produtor Papatinho, a primeira faixa pode ser uma introdução
ou um interlúdio. “Já a dois e a três têm uma responsa muito grande nos álbuns
que eu produzo. Elas mostram mais o que que é o álbum para a pessoa se situar”,
explica.
“A partir da metade, normalmente, eu começo a experimentar. E no final, eu tento
fazer um fechamento emocionante. Em vários álbuns que eu produzi, a última faixa
ou a penúltima são a maior vibe de reflexão.”
A sequência das faixas de um álbum é importante para contar uma história ao
ouvinte — Foto: Adobe Stock/IA
“É claro que a gente procura fazer um álbum inteiro de hits, mas é muito
difícil. A gente sabe que tem músicas que servem para compor álbum, se não o
artista não lançava álbum, só lançava single. O álbum serve para você poder
contar uma história, criar um conceito.”
Alguns produtores acreditam que álbum clássico é álbum curto, com poucas faixas
e sem “fillers”, como são chamadas aquelas músicas que entram na seleção apenas
para completar o álbum, mas que não acrescenta muita coisa na sonoridade ou
conceito. A famosa “gordurinha”.
Papatinho concorda em partes com essa definição. “Álbum bom e curto acaba sendo
mais impactante e não dá margem a erro.”
Mas ele cita algumas produções que fizeram história e marcaram gerações, mesmo
contento dezenas de faixas: ““Preço curto… prazo longo”, do Charlie Brown Jr.,
com 25 faixas; e “All Eyez on Me”, do Tupac, com 27 músicas e mais de duas horas
de duração.
“Mas aí tem que ter bom senso na hora de selecionar para facilitar que o álbum
seja um clássico. Tudo depende de muita coisa.”
Papatinho durante o terceiro dia de Lollapalooza 2023 — Foto: Celso
Tavares/g1
Outro fator que interfere na posição das faixas é o equilíbrio entre elas.
“Eu gosto de dar uma equilibrada não só nos temas, mas também na vibe, na
energia”, diz Papatinho, que tenta não deixar um projeto inteiro com apenas uma
levada musical.
“A não ser que seja um projeto específico. ‘Fulano de tal canta músicas calmas’.
Aí faz sentido. Mas em um projeto comum, eu tento sempre fazer um equilíbrio
para a entrega ser completa e ter um pouquinho de cada.”
Pedro Pimenta vai na mesma linha de produção.
“A gente tenta sempre balancear o disco para que não fiquem todas as românticas
juntas, os balanços depois, ou os feats todos juntos. A gente tenta mesclar tudo
isso para que o disco fique gostoso de ouvir”, explica o vocalista do Atitude
67.
“São detalhes que às vezes funcionam, às vezes não. Às vezes a gente faz todo
esse malabarismo para mexer na ordem, e a que estoura é uma que tá lá no
final. Tudo pode acontecer.”
A preocupação com a sequência da ordem das faixas segue mesmo com a era do
streaming, período que, segundo Papatinho, está sendo cada vez mais difícil
prender a atenção do ouvinte pelo excesso de opções e lançamentos.
“É muito difícil tu ver hoje em dia alguém que pare para escutar um álbum. Então
a gente tem que se adaptar. A gente tenta diminuir um pouco o tamanho das
músicas, a duração, porque a gente sabe que cada vez as músicas estão ficando
mais curtas.”
“A rapaziada mais nova não tem paciência. Eles já cresceram num ambiente, num
meio com muita informação, muitas opções. Tem tudo ali. É uma parada que perde
até um pouco a graça. E aí a galera fica com tanta informação, tanto lançamento,
que passa a achar que um álbum que saiu três meses atrás já tá velho.”
Essa mudança na forma de consumir música também alterou o planejamento de
lançamentos. Os álbuns chegam em partes no mercado, divididos em EPs e vários
singles.
“Por causa dessa mudança no formato, eu acho que, pelo menos agora, o lance de
optar pela faixa três como a música de trabalho ficou um pouco em desuso”,
analisa Pedro Pimenta.




