Bolo de rolo ‘hipnótico’, Souza Leão com 22 gemas e bolo de noiva com vinho: veja tradições por trás dos doces de Pernambuco
Esses bolos são reconhecidos como patrimônios culturais e imateriais do estado. A economia do açúcar marcou a história de muitos doces pernambucanos. Veja as tradições por trás dos bolos tradicionais de Pernambuco. A economia do açúcar em Pernambuco, maior produtora do insumo nos séculos 16 e 17, marcou a produção de bolos tradicionais na cozinha pernambucana, como o bolo de rolo, o de noiva e o Souza Leão. Com receitas inspiradas em versões europeias ou criadas para mostrar o poder da aristocracia, esses doces se tornaram patrimônios culturais e imateriais do estado.
De acordo com Bruno Celso Vilela Correia, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a produção de bolos e doces no estado é ampla, resultado do histórico com o açúcar produzido na região. “Já existia em Pernambuco uma relação de desenvolvimento muito forte de doces por conta da questão da civilização do açúcar, dos engenhos de cana-de-açúcar. Então, se fazia doce de tudo aqui. E um doce que era muito desenvolvido era o doce de goiaba”, contou o professor.
BOLO DE ROLO
Bolo de rolo é uma receita tradicional da culinária pernambucana. Além de ser consumida em compotas, a goiaba também passou a substituir as amêndoas na receita de um bolo português chamado colchão de noiva. De acordo com o professor da UFRPE, historicamente o quitute é apontado como inspiração para criação do popular bolo de rolo pernambucano. “O bolo de rolo tem uma relação muito forte com Portugal. Ele vem de uma herança de um bolo chamado colchão de noiva, que sempre foi feito em Portugal e também começou a ser feito aqui na época dos engenhos. Os portugueses começaram a morar, residindo nos engenhos de cana-de-açúcar, e começaram a trazer algumas formas de cozinhar de Portugal. (…) Na falta, muitas vezes, de alguns elementos, como o doce de amêndoas, que é utilizado na receita portuguesa, começou a se adaptar a partir do doce de goiaba”, explicou o professor.
A adaptação da receita com a goiabada também ganhou outra característica em Pernambuco. Na Europa, o doce é feito enrolando um pão de ló em camadas grossas, como um rocambole. Já em Pernambuco, as camadas passaram a ser finas, com doce de goiaba entre elas, criando o bolo como é feito hoje. “O bolo colchão de noiva tem esse nome de colchão porque é como se fosse um colchão enrolado mesmo. Só que ele tem uma espessura muito maior. Ele é o que a gente chama de rocambole. (…) Aqui, com o doce de goiaba e cada vez mais as pessoas se esmerando, desenvolvendo mais as técnicas, ele foi ganhando essa característica de caracol. Tem gente que chama até de hipnose, de hipnótico, por conta das voltas que ele tem”, disse Bruno.
BOLO SOUZA LEÃO
O bolo Souza Leão também traz influência dos doces portugueses, de acordo com o professor. No entanto, não pela inspiração em outra receita, mas sim pelo uso abundante de ovos, como é comum nos doces de Portugal. “A receita mais tradicional desse bolo é feita com a massa de mandioca e com até 22 gemas. Então, tem uma característica portuguesa, por conta desse exagero de gemas, mas tem uma coisa muito pernambucana, indígena e brasileira, que é a massa de mandioca, nordestina principalmente”, afirmou.
O bolo tem esse nome em referência à família Souza Leão, dona de engenhos no auge do ciclo da cana-de-açúcar. De acordo com o professor da UFRPE, ter o nome de uma família em um doce ou bolo representava uma marca em tempos em que o açúcar era sinônimo de riqueza. “O bolo Souza Leão é uma cozinha muito característica de engenho, muito característica da aristocracia dos engenhos de cana-de-açúcar, porque ganha a característica da nomenclatura. Não é apenas o desenvolvimento do prato, do bolo, mas também colocar o nome da família. Durante um tempo, foi muito importante esses engenhos de cana-de-açúcar terem uma marca na cozinha. Uma marca em um doce, em um bolo”, declarou.
O professor destaca também um ponto importante sobre o desenvolvimento desses doces durante o período de engenhos no estado. Apesar de eles levarem os nomes dos aristocratas, quem estava na cozinha, de fato, preparando os alimentos, na maioria das vezes, era pessoas escravizadas. “Uma questão muito importante desses doces, como o Souza Leão, que foram desenvolvidos nos engenhos de cana-de-açúcar, é o fato de que esses engenhos tinham mão de obra de pessoas escravizadas. E os doces que eram desenvolvidos ali, as pessoas que iam para cozinha, não eram os brancos, os donos do engenho. (…) Boa parte desses desses desenvolvimentos de engenho na cozinha tem nome de família fidalgo, mas foram feitos, na verdade, com mãos pretas”, contou.
BOLO DE NOIVA
O bolo de noiva não recebeu esse nome por acaso. Ele ocupa um lugar de destaque nas celebrações matrimoniais e pode ter origem inglesa, segundo o professor. “Alguns bolos como o de rolo e o Souza Leão, a gente tem um certo registro, e consegue chegar na história deles com uma certa firmeza. Já o bolo de noiva, a gente não tem muito registro escrito. A gente começa a conjecturar mais ou menos de onde ele pode ter saído a partir das suas influências. Mas se chega muito à conclusão de que tem uma influência inglesa muito forte, da forma de fazer esses bolos mais solados, que é a forma inglesa de se desenvolver bolos”, explicou o professor.
Feito com ameixas, frutas cristalizadas e coberto por glacê, o bolo desperta curiosidade em quem não conhece a iguaria. Ele é tradicionalmente servido em casamentos. “Ele pode ser bolo de frutas, por conta das frutas cristalizadas, que estão ali dentro, e muitas outras frutas que acaba levando, como uvas-passas, ameixa… muita coisa. Vinho também, que tem a relação com a uva. Mas foi convencionalmente chamado de bolo de noiva porque ele era sempre apresentado nos casamentos”, contou.




