moda africana e no incentivo à autoestima de mulheres negras. Com projetos sociais e sustentáveis, ela promove inclusão e empoderamento através da moda.

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Dia da Consciência Negra: conheça cinco mulheres negras que fazem a diferença na cultura, na política e na ciência, em Goiás

Data é marcada por um processo de luta e reivindicação de direitos. Levantamento do IBGE mostra que o número de pessoas que se autodeclaram pretas em Goiás aumentou mais de 65% em 12 anos.

Dia da Consciência Negra: conheça cinco mulheres negras que fazem a diferença em GO [imagem]
Dia da Consciência Negra: conheça cinco mulheres negras que fazem a diferença em GO

Em Goiás, mulheres negras fazem a diferença na cultura, na política e na ciência. A data de 20 de novembro é marcada por um processo de luta e reivindicação de direitos. No Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, o DE preparou uma reportagem especial para contar a história de cinco mulheres que contribuem para o reconhecimento da comunidade negra no estado.

O 20 de novembro não é visto como um dia de celebração pela comunidade negra, mas sim como um marco de luta contra o período de escravização e de reivindicação por direitos essenciais.

Desde dezembro de 2023, o dia é considerado feriado no Brasil, após a mudança aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A data relembra a morte do líder Zumbi dos Palmares, que esteve à frente do maior quilombo do período colonial brasileiro. Segundo a Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura (Minc), Zumbi nasceu em 1655 no Quilombo dos Palmares, sendo capturado ainda criança e entregue a religiosos. Na adolescência, ele fugiu e retornou ao quilombo, onde passou a lutar pela defesa de seu povo.

O quilombo reunia cerca de 16 comunidades e foi destruído em 1694. No mesmo ano, Zumbi acabou morto e decapitado em 20 de novembro, na Serra da Barriga, conforme relatado pela fundação. A data se tornou anos depois um símbolo de resistência negra.

Em território goiano, 54,18% da população se autodeclara parda, 36,24% branca e 9,19%, pretos, segundo dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Um levantamento do IBGE mostrou que o número de pessoas que se autodeclaram pretas em Goiás aumentou mais de 65% em 12 anos, passando de 391 mil em 2010 para 648 mil em 2022. Embora seja maioria, a população negra ainda é alvo do racismo e de processos de exclusão e invisibilidade.

No entanto, na linha de frente estão pessoas dispostas a transformar essa realidade. Confira a seguir algumas mulheres que atuam em Goiás:

ANITA CANAVARRO

A professora, pesquisadora, poetisa e ativista Anna Maria Canavarro Benite, de 46 anos, nasceu em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, um bairro predominantemente negro. Atualmente, ela mora em Goiânia, é ativista do Grupo de Mulheres Negras Dandaras no Cerrado, mãe do Igor, Tomas e Sofia e uma mulher de terreiro.

Anita, como é conhecida, coordena o Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão (LPEQI) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Na mesma unidade, em 2009, ela implantou o Grupo de Estudos sobre Descolonização do Currículo de Ciências (Coletivo CIATA).

Ao DE , a educadora explicou que sua trajetória acadêmica começou assim como a de outras meninas negras, que compreendem que a escola é um caminho de transformação social. Mesmo sem ter uma referência, a educação foi uma via possível de mobilidade em um contexto de dificuldades. “A escola representava esse lugar da gente se tornar alguém”, disse.

Anita estudou em escola pública, cursou licenciatura em química no período noturno porque, na época, ela precisava conciliar estudos e trabalho. Posteriormente, a jovem se tornou mestre e doutora, trabalhando a partir da modelagem de fármacos para doenças negligenciadas que atingem a população negra.

A história de Anita se conecta ao projeto Investiga Menina a partir da percepção de que outras jovens deveriam ter acesso a referências que ela não teve.

> “Se eu tivesse conhecido outras mulheres negras e as possibilidades que elas tiveram; se soubesse que fazem pesquisa de ponta e como isso impacta… minha autoestima, minha capacidade de escolha… tudo isso teria sido influenciado”, afirmou.

O Investiga foi fundado pela professora há 10 anos, em 2015, a partir do desejo de levar meninas para as carreiras em ciências exatas e tecnológicas, permitindo que façam escolhas para além das áreas de subordinação.

O projeto atua em escolas públicas transformando o ensino de ciências por meio de intervenções nas aulas que colocam cientistas negras no centro do conteúdo, usando experimentos, debates e materiais adaptados, auxilia na formação de professores da rede pública e promove encontros com cientistas negras que inspiram as alunas.

Atualmente, a iniciativa atende diversas cidades, como Senador Canedo, Bela Vista de Goiás, Aparecida de Goiânia, Anápolis, Jataí e Goiânia. “Nós temos cerca de 100 bolsistas distribuídas pela cidade”, disse Anita. O grupo venceu um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) voltado a meninas e mulheres na ciência, com uma proposta que dialoga entre conhecimento científico e tradicional.

Em 2024, o Investiga Menina foi finalista do prêmio Luz na Educação – LED, realizado pela Globo e pela Fundação Roberto Marinho.

De acordo com Anita, o projeto já alcança cerca de 4 mil estudantes da educação básica. Apesar dos avanços, ela apontou que ainda há muito a ser feito. “Nós ainda não somos um número que gostaríamos de ser, mas somos um número melhor do que o projetado para nós dentro dos laboratórios e grupos de pesquisa”, ressaltou.

Para ela, é necessário redimensionar e ampliar a presença de meninas e mulheres negras na ciência, reforçando o diálogo entre universidade e escola. Em Goiás, a construção de currículos negro-referenciados tem contribuído para transformar a formação científica. “É um investimento pesado em mais meninas negras, mais mulheres negras e homens negros”, pontuou a pesquisadora.

> “O salto que a ciência pode dar se tivermos mais mulheres negras produzindo ciência é um salto de inovação”, defendeu.

Segundo ela, os modelos científicos produzidos a partir de perspectivas únicas são incapazes de responder aos problemas sociais. A pesquisadora lembrou que o Brasil é o 13º país em produção científica, mas ocupa a 79ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Esse descompasso está relacionado ao perfil de quem produz o conhecimento: “A maioria ainda são sujeitos universais, que ensinam ciências descoladas das relações sociais”.

De acordo com Anita, quanto mais marcadores sociais um corpo tiver, maior será a sua interdição. No entanto, o Investiga Menina trabalha para mudar esse quadro, inserindo mulheres negras nos currículos científicos e trazendo pesquisadoras negras como referência para que as estudantes aprendam ciência a partir dessas histórias.

> “A ideia é formar novas gerações desde a educação básica, garantindo que esses novos quadros avancem com segurança e contem com redes de apoio efetivas”, declarou a professora.

CAIENE REINIER

Caiene Reinier Freitas Alvarenga, 31 anos, se apresenta como “a primeira travesti negra formada em Engenharia Ambiental e Sanitária na Universidade Federal de Goiás”. A sua trajetória acadêmica começou em 2012, no curso de matemática da UFG, onde teve suas primeiras experiências como monitora e aprendeu sobre acessibilidade, cuidado e mediação pedagógica.

Em 2013, Caiene foi selecionada para o Programa de Licenciaturas Internacionais e estudou na Universidade de Coimbra, em Portugal. Segundo ela, a experiência ampliou seu olhar para desigualdades sociais e ambientais. De volta ao Brasil, ela enfrentou episódios de racismo e transfobia, momento em que reconstruiu sua trajetória. Anos depois, a jovem ingressou no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária.

As pesquisas desenvolvidas por Caiene, que abordam o racismo ambiental e saneamento básico, ganharam alcance nacional e foram premiadas pela Fundação Tide Setubal e pelo Itaú Cultural.

> “Minha trajetória nasce de um compromisso: transformar a dor em possibilidade, e a ciência em ferramenta de justiça social e ambiental”, resume.

Atualmente, a pesquisadora atua em três frentes que tensionam e reconfiguram a ciência produzida em Goiás. No mestrado, pesquisa racismo ambiental e saneamento básico a partir de dados do Censo 2022, analisando como raça, renda e espaço moldam desigualdades invisibilizadas nas políticas urbanas. “O geoprocessamento e a estatística espacial permitem diagnósticos inéditos sobre acesso à água, esgoto, drenagem e resíduos”, afirma.

Como Agente Griô, um projeto dedicado à formação de agentes territoriais de promoção da igualdade racial do Ministério da Igualdade Racial (MIR), ela produz ações educativas que incorporam saberes afro-brasileiros e indígenas ao debate científico, enfrentando o epistemicídio.

No Coletivo Xica Manicongo, Caiene trabalha com dados e documentos sobre permanência estudantil, políticas afirmativas e condições de vida da população trans, tendo contribuído para a implementação das cotas trans na UFG. No projeto nacional Conversas entre Meninas e Engenheiras, ela atua para ampliar a presença de meninas, sobretudo negras e periféricas, nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

“Busco reconfigurar a ciência para que ela deixe de ser espaço de exclusão e se torne território de criação coletiva, justiça e liberdade”, disse. Para Caiene, onde há mulheres negras, há transformação. “É a nossa presença que tensiona currículos, metodologias e políticas públicas”, afirmou.

A estudante destacou o salto que a ciência goiana poderia dar com financiamento, infraestrutura e mentoria para meninas e pesquisadoras negras. Segundo ela, isso permitiria uma revolução epistemológica, com novas perguntas, métodos e prioridades centradas no cuidado, na justiça e no território, além de abrir espaço para inovação tecnológica enraizada no Cerrado.

Com ambientes acadêmicos menos violentos e mais diversos, Caiene acredita que meninas negras poderiam permanecer, liderar e romper ciclos de evasão. Isso resultaria em novas lideranças capazes de moldar políticas ambientais, urbanas, tecnológicas e sociais em Goiás. “A ciência goiana seria mais humana, mais inteligente e mais conectada com o mundo real”, declarou.

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ELENÍZIA DA MATA

Elenízia da Mata, de 43 anos, é uma mulher negra na luta por justiça social, atual Secretária de Igualdade e Equidade Étnico-Racial da Prefeitura de Goiás e mãe. Natural de Goiânia, ela nasceu no quilombo Alto Santana. Na infância, a sua mãe trabalhava como empregada doméstica, enquanto o pai atuava como eletricista.

Ao DE, Elenízia detalhou que, após retornar com a família para o interior, participou de ações coletivas como o Movimento Sem Terra, grupos religiosos e associações de bairro, espaços que moldaram sua visão de luta coletiva.

Ao retornar para Goiânia para cursar o ensino médio e a faculdade, ela contou ter se aproximado de coletivos de arte, cultura e religiosidade. “Eu declamava poemas, cantava, e fui criando uma rede com fazedores de cultura, me vinculando à universidade e aos coletivos, inclusive ao movimento negro”, explicou.

A partir dessas vivências, Elenízia consolidou a sua compreensão sobre desigualdades sociais e sobre a importância da organização política de pessoas negras. A sua atuação é resultado de um legado familiar e da consciência de que era preciso ocupar espaços sub-representados para combater injustiças históricas, especialmente sendo uma mulher negra.

> “Ser mulher negra e quilombola amplia os desafios. Estar na frente da luta é o que sobra para nós”, ressaltou.

Para Elenízia, a exclusão de mulheres negras na política é histórica e permanece devido à falta de recursos, redes de apoio e referências positivas. Ela argumentou que, na prática, o racismo estrutural dificulta que as ativistas tenham tempo, mobilidade e segurança para disputar cargos. “Falta tempo para pensar em revolução”, destacou.

Ao imaginar um cenário em que mais mulheres negras ocupassem posições de poder, Elenízia afirmou que isso fortaleceria a democracia. “Se somos a maioria, deveríamos estar presentificadas, e não apenas representadas”, disse.

“Apesar dos desafios, não haverá vitória sem luta. Que as mulheres se comprometam a votar em mulheres no próximo pleito, que apoiem lideranças com agendas que respeitem gênero e raça”, afirmou a secretária ao DE.

NYNA KOXTA

Saturnina da Costa, mais conhecida como Nyna Coxta, de 36 anos, nasceu em Guiné-Bissau e vive no Brasil há 14 anos. Ao DE, ela relatou que chegou ao país em 2012 para estudar, onde se formou em Ecologia e Análise Ambiental pela Universidade Federal de Goiás (UFG), fez especialização em educação inclusiva com ênfase em surdez e libras e cursou modelagem, corte e costura.

Mãe de Ninara Bethany, de 4 anos, ela também é CEO da marca Nina Costa Moda Africana. A estilista lembrou que o primeiro empurrão veio quase por acidente, quando uma amiga pediu que ela encapasse um sapato com tecido africano. “Nunca tinha feito isso. Me deram tecido, sapato e cola. Fiz. E ali entendi que podia virar um negócio”, disse.

Depois dessa experiência, ela decidiu fabricar sapatos do zero. Dessa forma, a marca nasceu. A partir dos sapatos, vieram bolsas, carteiras e roupas. No início, uma costureira fazia as peças, até Nyna concluir a sua formação e começar a costurar sozinha.

Segundo a empresária, para além da questão financeira, a marca viabiliza projetos sociais. Um deles é o Moda Inclusiva na Passarela, um desfile com mulheres em tratamento oncológico e pessoas com deficiência. Há ainda o Dia da Criança Negra, criado para aproximar crianças pretas de mulheres e homens negros que ocupam espaços de poder. “Quero que elas vejam que podem ser médicas, juízas, professoras, promotoras. A gente fala de autoestima, cabelo, cuidado. É lindo”, contou.

Difundir a cultura africana no Brasil é, para ela, missão e reencontro. “Quando visto pessoas negras, sinto que conecto elas com a ancestralidade. Elas se sentem rainhas e reis.” Essa filosofia se une à sua formação ambiental: “Faço moda sustentável. Não desperdiço tecido. Aproveito até o último pedaço.”

Nyna também é conhecida pela sua atuação na

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