COVID-19 – Impactos na Relação Locatário e Locador

Em decorrência da pandemia do COVID-19, caracterizada no dia 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a necessidade do estabelecimento da quarentena, foi determinado o fechamento dos estabelecimentos comerciais, através de decretos expedidos em vários Estados do país. É de conhecimento geral que se terá consequências de ordem econômica oriunda da drástica redução no faturamento das empresas.  Tais consequências gerará um desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos, o qual já está sendo vivenciado principalmente pelos pequenos negócios.

Com isso, inegável o impacto na relação locador e locatário, principalmente no que se refere às locações não-residenciais. Grande parte dos locatários não poderão empregar o objeto do contrato, o imóvel, em seu benefício nesse período, e os que conseguirem, claramente não o farão em toda a sua potencialidade, seja em virtude do fechamento parcial, seja em razão da diminuição dos empregados ou demandas, de sorte que a simulação dos proveitos econômicos a serem obtidos, não será a mesma do momento da realização do negócio.

Além do mais, a cultura brasileira emprega o imediatismo, não havendo preocupação em se ter uma reserva de emergência, tal fato é demonstrado em virtude dos brasileiros serem os mais vulneráveis financeiramente em caso de emergência, de acordo com um estudo do Banco Mundial, e ainda, segundo estudo da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 81% (oitenta e um por cento) das famílias têm poupança financeira nula.

Diante deste novo cenário, muito se questiona sobre as estratégias de diminuição de gastos, para assim conseguir manter o seu negócio nesse período. Todavia, importante frisar que toda essa situação não poderá incentivar a mora do locatário, sendo incabível repassar o ônus da relação integralmente ao locador. Ora, os locadores também sofrerão consequências decorrentes da pandemia do COVID-19, e mais, considerável parte dos locadores dependem da renda do aluguel para sua própria subsistência, de modo que é impossível o sustento do suporte econômico da relação contratual somente por parte desse.

O que deve ser adotado é principalmente a prática de negociação entre as partes, provida de boa-fé, transparência e razoabilidade, notadamente em razão dos contratos de locação ter em regra sua durabilidade como comum interesse. Dessa forma, evitar-se-á um embate judicial, o qual, neste momento, está longe de ser a medida mais eficaz. Isso porque no caso de se judicializar a questão, o embasamento se daria principalmente no caso fortuito ou força maior e na teoria da imprevisão.

Outrossim, em que pese a locação ser regida por lei específica, Lei do Inquilinato n. 8245/91, aplica-se supletivamente o Código Civil, de modo que, apesar da Lei n. 8245/91 prever a revisão judicial do valor do aluguel apenas após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, nada impede que, no presente caso excepcional e pautado no Código Civil, se consiga tal revisão antes do prazo estabelecido.

Isto posto, necessário se faz esclarecer que o caso fortuito ou força maior estão previstos no Código Civil em seu artigo 393, o qual estabelece que “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

É esperado que a pandemia do novo coronavírus seja caracterizada como caso fortuito e força maior, uma vez que implica no impedimento da consecução da obrigação outrora assumida, qual seja, o pagamento do aluguel. Ela claramente se encaixa na característica de fato imprevisível e inevitável pelo locatário, chancelada pela gravidade e seriedade com que a pandemia está sendo tratada no mundo inteiro.

Ainda, muito se fala na teoria da imprevisão prevista no Código Civil, nos seus artigos 317, 478 e 480, os quais dispõem que em casos extraordinários e imprevisíveis, se houver manifesta desproporção entre o valor devido e o momento da sua execução, o judiciário poderá adequar o valor do aluguel durante o período que julgar atingido pela pandemia, ou até mesmo, a parte poderá requerer a resolução do contrato.

No entanto, tais embasamentos a princípio, não seriam reconhecidos pelo judiciário, de forma geral, como justificativa do descumprimento do contrato de locação, tendo em vista que pactuado, o contrato é lei entre as partes. Por outro lado, vive-se situação excepcional, e por lógica, não há que se falar em precedentes jurisprudenciais, o que ocasiona uma dificuldade em se estabelecer o certo ou errado, trazendo a necessidade de análise de caso a caso, especificamente, observando as circunstâncias fáticas concretas.

Assim o caso fortuito ou de força maior não são aplicáveis a todos os casos, pois dependem da análise casuística do desbalanceamento da equação econômica do contrato específico, da impossibilidade do cumprimento da prestação pelo locatário e da inevitabilidade do descumprimento. Dessa forma, não se justificaria o atual cenário para aquele locatário que habitualmente encontrava-se em mora.

Ainda, em que pese a tendência de publicação do Direito Civil, nos dias atuais, onde a cláusula privatística da pacta sunt servanda vem sofrendo rigoroso temperamento, há que se ponderar, em nome da segurança dos negócios livremente avençados, que, quando não há fatos supervenientes e extraordinários aptos a lhes elidir a eficácia, os contratos devem ser cumpridos em sua inteireza, considerando os princípios legais como a autonomia da vontade e a boa-fé objetiva.

Ademais, conforme inicialmente exposto, devemos preferenciar a negociação entre as partes, onde a orientação é que o locatário demonstre quais seriam os prejuízos ao locador com a resolução do contrato. Isso seria uma consequência lógica, diante da impossibilidade de se cumprir com o pagamento do aluguel conforme estabelecido inicialmente e fechamento do negócio, solicitando a redução ou a suspensão dos pagamentos, enquanto o estabelecimento estiver fechado em decorrência das determinações do governo.

Assim, far-se-ia um aditivo até a retomada ao período de normalidade, estabelecendo as partes um período, que inclusive pode trazer a previsão de prorrogação, e, após o prazo estabelecido entre as partes, o retorno do negócio jurídico nos seus termos iniciais.

A resultante é que situações excepcionais pedem medidas excepcionais, as quais nem sempre serão as mais fáceis e nem as mais lógicas, fazendo-se necessário considerar o impacto que a pandemia está causando não só nas relações financeiras e comerciais, mas também humanas, considerando que, diante da atual conjuntura, o mais viável, ao que se parece, é a negociação, onde deverão ser conciliados os interesses dos envolvidos na relação contratual.

Victoria Branquinho, advogada atuante no ramo imobiliário e cível, prestando serviços na seara consultiva e contenciosa de incorporadoras, construtoras e imobiliárias. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Atame. Pós-Graduanda em Direito Condominial pela DALMASS. Membra da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO e Comissão Especial de Arbitragem. Está no instagram como @vicbranquinho e @papodeimobiliario.

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A crise moral da nova geração de médicos

Médico com máscara.

Por: SARA ANDRADE

Uma jornalista jovem de classe média tem livre circulação nos ambientes frequentados por pessoas com histórias relativamente parecidas: vivendo dentro dos seus vinte anos, formando-se na faculdade e começando carreiras no mercado de trabalho. Nesta bolha, destaca-se a quantidade de moças e rapazes que optaram pelo estudo da medicina.

Estão aí para provar as estatísticas: de 2000 para 2020, o número destes profissionais no Brasil mais que dobrou, passando de 230 mil para meio milhão, segundo resultados do estudo “Demografia Médica no Brasil 2020”, liberado pelo Conselho Nacional de Medicina em parceria com a Universidade de São Paulo.

As milhares de entregas de canudo, tão comemoradas, foram responsáveis por alargar a média de médicos a cada mil habitantes no país: de 1,4 para 2,4, colocando o Brasil no mesmo patamar de nações como Japão ou Polônia, e apenas décimos atrás dos Estados Unidos, com média de 2,6. O que os números não podem mostrar, no entanto, são os pormenores deste fenômeno. Aqui vale o ponto de vista de uma jovem jornalista, e o cenário não é tão simples quanto parece.

A medicina sempre carregou consigo seu bocado de nobreza. Curar doenças, tirar a dor das pessoas, aumentar o tempo e a qualidade de vida: de fato, o jaleco branco pode ser uma espécie metafórica de batina, numa profissão quase sacerdotal, sagrada. Não seria falta de noção falar até em “amor ao próximo”. Muitos jovens estudantes parecem ter esta ideia romântica em mente: ajudar as pessoas através do trabalho de suas vidas. Não é só um emprego: torna-se missão e vocação.

Enquanto isso, outros estudantes de medicina parecem perdidos pelo caminho. Atenção: este é um questionamento aos que em breve serão médicos! Você está verdadeiramente preparado para abrir mão de si, dos seus desejos e caprichos, em prol de um desconhecido? Muitas vezes, seus pacientes serão “impacientes”, inoportunos e sem educação (até porque podem estar sob o efeito de grande dor).

Você pode não ser agradecido, nem reconhecido ou elogiado. Quem sabe até injustiçado. Pense consigo, você pode suportar? Você quer suportar? A sua escolha deve ser como em um casamento: o padre sempre avisa da riqueza e da pobreza, da saúde e da doença: quem diz sim, o diz para tudo.

Com o prestígio do ofício, vêm os abutres. Quantos não estão cursando medicina pelo status social, pelo dinheiro prometido, ou ainda apenas pela experiência da vida festeira de universitário? Tudo isso pode estar no pacote, caso o amor também se faça presente. Sem amor primeiro, é tudo vazio neste coração de doutor. Assim, a indagação martela nas mentes: como um universitário interesseiro e exibido, que nunca se doou a nada, nem a ninguém, pode ser um bom médico? De onde tirará o amor que tudo suporta, que persevera? Ninguém pode dar o que não tem.

Seria possível que um estudante qualquer de medicina, na condição de escravo de aprovação, de likes em redes sociais, incapaz de reconhecer o esforço da família para formá-lo, que só se importa em figurar bem para os amigos nos ambientes sociais… seria possível que disso saia altruísmo, doação e abnegação de si? Doar-se não é lá tão impossível e atos como arrumar a própria cama já são ótimos sinais de ordem interior. A disciplina, a sinceridade, a submissão aos superiores, tão necessárias no dia a dia do médico: tudo isso começa pequeno, mostrando-se no dia a dia do estudante.

Se você não sente obrigação nenhuma para com ninguém, se o mundo inteiro (seus amigos, pais) está sempre errado e você certo, ou se a culpa de seus fracassos, ou más ações, nunca é sua, pobre vítima… falta-te o principal para ser um bom médico: o amor. E este só vem com maturidade, com a compreensão de que sua vida não é para você se entupir de si mesmo, mas um presente ao mundo: ao tiozinho da esquina que sofre, à criança resfriada e à fofoqueira insuportável do bairro. Desse modo, seus dias ganharão um sentido maior.

Muitos reduzem o sucesso na vida ao sucesso profissional. Nada mais equivocado! Quantos não são fracassados com contas bancárias gordas? Isso acontece porque sucesso verdadeiro é ter personalidade, maturidade. E isso só se alcança com consciência moral, que diferencia bem e mal, e que gera noção de dever. Mas o que será de uma geração de jovens médicos que tem horror à própria ideia de moralidade? De ordem? Ou com uma dificuldade imensa de compreender a necessidade de regras, de ritos… Serão eles ricos? É possível. E também miseráveis, porque imaturos e sem personalidade. No fim, ninguém é feliz assim, ou cumpre seu chamado no mundo, sua vocação.

Aliás, o que levaria um jovem médico a doar-se por alguém? Sem sombra de dúvidas, a certeza da dignidade da vida humana, e o conhecimento da sua transcendência. Infelizmente, esta geração tem receio até mesmo de dizer que uma vida humana vale mais que a vida de um papagaio, ou de uma lesma. Como amar o humano, se não se sabe o que ele é, ou quanto vale? Ingênuo pensar que um estudante imaturo e incapaz de amar tornaria-se imediatamente amoroso e dedicado pelo toque mágico do diploma em suas mãos.

Essa dinâmica se aplica a todas as profissões, mas o médico deve ser o primeiro da fila a entender a vida. Porque muitas vezes, ela está em suas mãos. Um bom exemplo a guiar os novatos de consultório pode ser São Lucas. Médico, artista e historiador. Com uma vida inteira doada ao conhecimento da verdade humana. Que a paixão pela beleza da existência também inspire você a cada dia, jovem médico, e te leve ao amor maior. Especialmente neste dia 18, dia do médico e de São Lucas, padroeiro da honrosa missão de curar.

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