Espécie de perereca ocorre em área restrita de Minas Gerais
Nomeada como perereca-de-capacete-do-Rio-Pomba, a espécie só existe em uma única localidade no município de Cataguases (MG).
A perereca-de-capacete-do-Rio-Pomba possui olhos vermelhos vibrantes e pele com tons dourados — Foto: Diego J. Santana
A perereca-de-capacete-do-Rio-Pomba possui olhos vermelhos vibrantes e pele com tons dourados — Foto: Diego J. Santana
Em um recanto escondido na Zona de Mata de Minas Gerais, na cidade de Cataguases (MG), mais especificamente no Sítio Boa Sorte, numa área privada não protegida por lei, a perereca-de-capacete-do-Rio-Pomba (Nyctimantis pomba), uma pequena perereca de olhos vermelhos vibrantes e pele com tons dourados luta contra o tempo para sobreviver.
Restrita a uma área de moita de bambu e embrejada do local, o anfíbio é o exemplo perfeito de como o descaso ambiental e a exploração humana podem colocar um ecossistema à beira do colapso.
A Nyctimantis pomba é um dos sete membros do gênero Nyctimantis e destaca-se por sua coloração única e morfologia distinta. O habitat único dessa perereca está situado às margens do Rio Pomba, um afluente importante da bacia do rio Paraíba do Sul, o que motivou também seu nome científico.
> “Esse local não é uma unidade de conservação, é uma área privada, mas que tem alguns problemas jurídicos. Então, quando aparecer o dono lá, e se o dono quiser fazer qualquer coisa com essa região aí, a gente pode perder a proteção desse bicho também”, explica Diego Santana, especialista em anfíbios e um dos descritores da espécie.
A fala de Diego ressalta um dos maiores desafios enfrentados pela espécie: a fragilidade do seu habitat, que está localizado em uma propriedade privada sem status oficial de proteção ambiental. Essa situação deixa a espécie à mercê de decisões futuras do proprietário, que poderia optar por alterar ou explorar a área sem considerar os impactos na biodiversidade local.
Além disso, os problemas jurídicos envolvendo a posse da terra complicam ainda mais qualquer esforço de conservação, uma vez que não há garantia de que a área permanecerá preservada.
“A espécie hoje é conhecida apenas para essa localidade, ela não tem nenhum outro lugar. Ela é conhecida apenas para essa área embrejada, nem é no sítio inteiro, é num pedacinho ali do sítio”, informa Diego.
De acordo com o especialista, uma espécie pode ocorrer em um único local devido a um conjunto de fatores evolutivos e históricos que moldaram sua distribuição. Em relação à espécie, processos evolutivos ao longo de milhões de anos reduziram e isolaram seu habitat natural, que já foi parte da Mata Atlântica contínua.
Com a intensa colonização e desmatamento nos últimos 500 anos, essa floresta tropical deu lugar a fragmentos dispersos, restringindo espécies como a perereca a áreas específicas e cada vez menores. O ambiente de baixada onde ela vive é um dos mais desmatados e urbanizados, o que agravou sua situação. Apesar de buscas em locais semelhantes, a espécie permanece conhecida apenas nesse pequeno fragmento de bambuzal no Sítio Boa Sorte.
EXTINÇÃO IMINENTE
De acordo com o Projeto DoTS (Documenting Threatened Species), quatro em cada dez espécies de anfíbios do mundo estão ameaçadas de extinção, e no Brasil, cerca de 16% de todos os anfíbios também estão. Segundo a Lista Oficial do Ministério do Meio Ambiente, 66 espécies estão ameaçadas, com 26 dessas listadas como Criticamente em Perigo.
O anfíbio é restrito a uma área de moita na cidade de Cataguases — Foto: Diego J. Santana
O anfíbio é restrito a uma área de moita na cidade de Cataguases — Foto: Diego J. Santana
A perereca-de-capacete-do-Rio-Pomba, devido a todos esses fatores, corre risco de extinção iminente. O anfíbio é classificado como Em Perigo Crítico (CR) pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN.
> “A espécie tem risco de ser extinta em breve. Ela está sob forte pressão, principalmente nos últimos anos. Está tendo queimada ali na região também. Literalmente uma bituca de cigarro jogada no meio do mato seco pode extinguir essa espécie”, explica Diego.
Além disso, Diego ressalta que as doenças emergentes são um problema crescente para os anfíbios no Brasil. A quitridiomicose, causada por um fungo, é uma das mais devastadoras, podendo causar malformações e até impedir que eles alcancem a fase adulta.
As mudanças climáticas agravam ainda mais o cenário. Os climas extremos não permitem que as espécies se reproduzam de forma adequada. Trombas d’água, enchentes e deslizamentos de terra destroem habitats e sufocam populações inteiras. Essas alterações no ambiente, juntamente com o aquecimento global, colocam os anfíbios em uma posição de vulnerabilidade.
Diversos projetos de conservação estão em curso para garantir a vida da N. pomba, envolvendo parcerias institucionais e ações locais. Um exemplo vem do ICMBio, que apresenta suporte técnico e estratégico para os estudos, e o Zoológico de São Paulo e o Centro de Conservação de Fauna Silvestre (Cecfau), que lideram esforços para o manejo da espécie em cativeiro, garantindo sua reprodução e monitoramento.
Pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) também têm realizado estudos detalhados sobre a ecologia térmica da espécie, investigando como ela responde a diferentes condições climáticas. “Temos que continuar tendo muito estudo e financiamentos para entender o que pode ser feito e a gente precisa mudar nossos hábitos, né? Ela é só mais uma espécie brasileira que está sendo extinta por causa dessas mudanças que nós não estamos freando”, reitera Diego Santana.
HÁBITOS DA ESPÉCIE
Clodoaldo Lopes de Assis, herpetólogo e mestre em Biologia Animal pela UFV, diz que hábitos alimentares ainda não são conhecidos. “Através de observações, nós vimos que a espécie é tímida, uma espécie difícil de visualizar em campo. Ela fica em toca, tanto que a gente acha ela em bambu, o bambu é o lugar mais fácil de a gente ver ela”, diz Clodoaldo.
Além disso, as observações revelaram que a Nyctimantis pomba apresenta um comportamento reprodutivo peculiar. O pesquisador relata que a espécie se reproduz entre novembro e dezembro, com uma reprodução explosiva.
A espécie corre risco de extinção iminente por conta da degradação do seu habitat — Foto: Diego J. Santana
A reprodução explusa é quando os machos se agrupam, começam a cantar e as fêmeas vão lá para se reproduzir, aí depois você não acha mais, só no ano seguinte”, acrescenta o herpetólogo.
A reprodução acontece exclusivamente em períodos de chuvas torrenciais que duram dois ou três dias, destacando a relação direta entre o comportamento da espécie e o clima local.
Outro aspecto interessante observado foi o papel ativo dos machos na busca por parceiras. Além de vocalizarem para atrair as fêmeas, eles realizam uma busca ativa, deslocando-se até as fêmeas para garantir o acasalamento. Esses dados são essenciais para entender melhor a biologia da espécie e contribuir para estratégias de reprodução em cativeiro, um passo importante para sua conservação.
Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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