A China traça um mapa de percurso para sua economia indo até 2029

Hong Kong situa-se bem no coração do Leste Asiático – a meio caminho entre o Nordeste Asiático (Japão, Coreias), e o Sudeste Asiático. A oeste, não apenas a China, mas a massa terrestre da Eurásia, ligando-a à Índia, Pérsia, Turquia e Europa. A leste, o Pacífico e a Costa Oeste dos Estados Unidos.

Além do mais, Hong Kong é o nó multipolar, multimodal (itálicos meus) supremo: uma metrópole global forjada por rotas comerciais centenárias, que atrai gente de todas as latitudes interessada em interconectar comércio, ideias, tecnologias, navegação, commodities, mercados.

Reinventada agora para a integração eurasiana do século XXI, Hong Kong tem todo o necessário para lucrar com um importantíssimo nó da Área da Grande Baía, o centro ao sul que impele a China ao status de superpotência econômica.

A sessão plenária em Pequim foi um evento bastante sério e sóbrio – tentando alcançar um equilíbrio entre um crescimento econômico sustentável e a segurança nacional até 2029, quando o PCC celebrará seu 80º aniversário.

As proverbiais elites compradoras, os quinta-colunistas e os sinófobos declarados de todo o Ocidente vibraram com a atual desaceleração da economia chinesa – acompanhada de quedas nas frentes financeira e imobiliária – correndo em paralelo a todas as cepas de guerra híbrida destinadas a conter a China vindas de Washington.

Fato: o PIB chinês cresceu cerca de 5% no primeiro semestre e o comunicado final da sessão plenária, divulgado ao final da reunião de quatro dias, ressaltou que essa deve  ser a meta “inabalável” também para o segundo semestre.

A retórica oficial, é claro, insistiu pesadamente no estímulo ao consumo interno e no “novo ímpeto” a ser dado às exportações e importações.

Esse importante trecho do comunicado final traz uma análise detalhada da insistência no “socialismo com características chinesas“:

Temos que, com toda a determinação, dar maior proeminência à reforma e ao amplo aprofundamento das reformas, com vistas a fazer avançar a modernização chinesa, a fim de melhor lidar com os complexos desdobramentos tanto internos quanto internacionais, a nos adaptarmos à nova rodada de revoluções científicas e tecnológicas e de transformações industriais, e a  fazermos jus às expectativas de nosso povo.  

Foi ressaltado que, a fim de aprofundar amplamente as reformas, devemos nos manter comprometidos com o marxismo-leninismo, com o pensamento de Mao Tsetung, a Teoria de Deng Xiaoping, a Teoria das Três Representatividades e a Perspectiva Científica sobre Desenvolvimento, bem como implementar de maneira plena o Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era.

Temos que estudar e implementar de forma completa as novas ideias, pontos de vista e conclusões do Secretário-Geral Xi Jinping sobre o amplo aprofundamento das reformas e aplicar plena e fielmente em todas as frentes a nova filosofia de desenvolvimento. 

E, para simplificar ainda mais, Xi de fato explicou tudo com algum grau de detalhe.

Esses Insuportáveis “Mercados”

Em nenhum outro lugar do mundo iremos encontrar um governo focado em formular planos quinquenais para o desenvolvimento econômico (a Rússia, atualmente, parece estar engajada em suas primeiras tentativas) – abrangendo o desenvolvimento de terras rurais, reforma tributária, proteção ambiental, segurança nacional, combate à corrupção e desenvolvimento cultural.

O termo “reforma” aparece nada menos que 53 vezes no comunicado final, o que significa que – contrariamente ao que diz o proselitismo ocidental – o PCC está firmemente decidido a aperfeiçoar a governança e aumentar a eficiência. E todas essas metas têm que ser alcançadas – caso contrário, cabeças irão rolar.

Ciência e tecnologia, novamente, ocuparão posição privilegiada no desenvolvimento da China, em uma espécie de continuação da estratégia Made in China 2025. A ênfase, previsivelmente, recairá sobre uma melhor integração da economia digital na economia real, no aperfeiçoamento da infraestrutura e no aumento da “resiliência” na cadeia de fornecimento industrial.

É fascinante observar como o comunicado enfatiza a necessidade de “corrigir as falhas do mercado” – um eufemismo para o turboneoliberalismo reinante. O que é ressaltado é o “apoio inabalável e orientação” ao desenvolvimento do “setor não-estatal”, com Pequim garantindo que “todas as formas de propriedade” na economia compitam de forma justa e “em pé de igualdade”.

A sessão plenária poderia facilmente ser interpretada como um exercício calculado de paciência taoísta. Segundo Xie Maosong, do Instituto Chinês para Inovação e Estratégia de Desenvolvimento, da Academia Chinesa de Ciências, “Xi afirmou repetidamente que a parte fácil da reforma foi concluída, e agora navegamos em águas desconhecidas. O Partido deve ter cuidado com os passos a serem tomados, particularmente agora, quando crescem os riscos externos. Estamos também tocando os interesses constituídos de diversos grupos“.

É que a obsessão da Hong Kong turbocapitalista são os “mercados”. Conversas com negociantes britânicos examinando a Ásia para seus clientes revelam que eles não têm tanto interesse em investir na China – o que, no entanto, não desencoraja os planejadores de Pequim. O que importa para o Politburo é como atingir as metas econômicas, sociais, ambientais e geopolíticas estabelecidas por Xi para os próximos cinco anos.  Cabe ao mercado adaptar-se a elas.

É claro que os planejadores de Pequim já vêm incorporando o fator Trump em sua equação geral. O mantra ocidental de que a economia chinesa está tendo dificuldades para se estabilizar talvez seja discutível. Mas a economia chinesa talvez esteja mesmo em uma posição mais precária agora do que quando Trump deslanchou sua guerra comercial em meados de 2018. O yuan pode parecer estar mais pressionado devido ao hiato entre os custos dos empréstimos nos Estados Unidos e na China.

Segundo uma estimativa da JPMorgan, cada elevação de 1% nas tarifas no período de 2018-2019 da guerra comercial lançada pelos Estados Unidos veio acoplada a um aumento de 0,7% do dólar americano com relação ao yuan.

Trump pretende impor uma tarifa de 60% sobre a quase totalidade dos produtos chineses. Isso levaria a uma taxa de câmbio de aproximadamente 9 yuan por dólar, 25% menor que a atual.

Leiam o Comunicado Inteiro e Mãos à Obra 

É muito esclarecedor ficar cientes do que o chefe do executivo de Hong Kong, John Lee, disse sobre a sessão plenária. Ele incentivou “todos os setores da comunidade” a lerem o comunicado. E a elite empresarial de Hong Kong captou o essencial da mensagem: eles a interpretaram como Pequim apostando mais uma vez no papel central desempenhado por Hong Kong no desenvolvimento da Área da Grande Baía.

 

Não poderia ser de outro modo. Hong Kong, ressaltou Lee, é um “superconector” e um “supergerador de valor agregado”, ligando a China continental ao  Norte Global e ao Sul Global, e ainda atraindo investimentos externos de todos os tipos para a China.

Compare-se isso com a visão predominante sobre Hong Kong que circula nos círculos empresariais dos Estados Unidos. A Câmara de Comércio dos Estados Unidos em Hong Kong está horrorizada, insistindo em que os empresários americanos realmente não entendem a diretiva de Salvaguarda da Segurança Nacional aprovada em março último, que complementou a Lei de Segurança Nacional adotada por Pequim em 2020.

 

Para Pequim, essas são questões de extrema gravidade para a segurança nacional – que vãode sanções enérgicas contra a lavagem e dinheiro a evitar que os proverbiais quinta-colunistas deslanchem uma revolução colorida como a que quase destruiu Hong Kong em 2019. Não é de admirar que tantos investidores americanos não entendam. Pequim não dá a mínima.

Agora, vejamos o que o principal administrador de fundos mútuos tem a dizer a esse respeito. Zhang Kun, gerente do Blue Chip Mixed Fund, controla quatro fundos com um total de ativos no valor de 8,9 bilhões de dólares. Ele prefere apostar na meta de Pequim de aumentar o PIB per capita para equipará-lo ao do Ocidente até 2035.

Se isso vier a acontecer, com ou sem uma guerra comercial lançada pelos Estados Unidos – e nada vai deter os chineses na busca desse objetivo – o PIB per capita poderia ser de cerca de 30.000 dólares (contra 12.300 dólares no ano passado, segundo think tanks chineses).

Os investimentos externos continuarão bem-vindos na China, através de Hong Kong ou não. Mas, em todas as frentes, o que supera todo o resto é a segurança nacional. Podemos chamar isso de um exercício prático de soberania.

Receba as notícias do Diário do Estado no Telegram do Diário do Estado e no canal do Diário do Estado no WhatsApp

Rússia–Irã–China buscam uma nova ordem de segurança global

O Hegêmona não faz ideia do que espera a mentalidade excepcionalista: a China, decididamente, começou a mexer o caldeirão civilizacional, sem se importar com a inevitável fieira de sanções que virão em inícios de 2025 e/ou um possível colapso do sistema financeiro internacional.

Na semana passada, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, com sua delirante lista de exigências, foi recebido em Pequim pelo Chanceler Wang Yi e pelo Presidente Xi Jinping como nada além de um irritante mosquitinho. Wang, oficialmente, enfatizou que Teerã tinha razão em se defender de Israel, quando este rasgou em pedaços a Convenção de Viena ao atacar o consulado iraniano em Damasco.

No Conselho de Segurança das Nações Unidas, a China agora questiona abertamente não apenas os ataques terroristas aos Nord Streams, mas também o bloqueio de um estado palestino pelo combo Estados Unidos-Israel. Além do mais, Pequim, da mesma forma que Moscou em tempos recentes, recebeu uma reunião das facções políticas palestinas em uma conferência destinada a unificar suas posições.

Na terça-feira próxima, apenas dois dias antes da celebração em Moscou do Dia da Vitória e do fim da Grande Guerra Patriótica, Xi aterrissará em Belgrado para lembrar a todo o mundo o 25º aniversário do bombardeio da embaixada chinesa pelos Estados Unidos, Reino Unido e OTAN.

A Rússia, enquanto isso, ofereceu uma plataforma à UNRWA – o órgão das Nações Unidas para ajuda aos refugiados palestinos, que Israel tentou boicotar com suspensão de verbas – para explicar aos altos representantes dos BRICS-10 a cataclísmica situação humanitária em Gaza, tal como descrita pelo Comissário-Geral da UNRWA Philippe Lazzarini.

Em suma, questões políticas da maior gravidade vêm sendo tratadas fora do corrupto sistema da ONU, que se desintegra em uma bolha empresarial onde os Estados Unidos ditam os termos, na qualidade de maior acionista.

Mais um exemplo dos BRICS como a nova ONU: o presidente do Conselho de Segurança russo, Nikolai Patrushev encontrou-se em São Petersburgo com seu colega chinês  Chen Wenqing nos bastidores da 12ª Cúpula Internacional sobre Segurança, que reuniu mais de cem países, incluindo os chefes da segurança dos membros dos BRICS-10 Irã, Índia, Brasil e África do Sul, como também o Iraque.

O show de segurança da OCX – Mas a principal encruzilhada destes últimos dias foi a cúpula de defesa da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), que teve lugar em Astana, no Cazaquistão. Pela primeira vez, o novo Ministro da Defesa chinês Dong Jun se encontrou com seu colega russo Sergei Shoigu, para enfatizar sua parceria estratégica ampla.

Dong, de forma significativa, ressaltou a natureza “dinâmica” da interação militar  China–Rússia, enquanto Shoigu reforçou essa afirmação, dizendo que ela “estabelece um padrão para as relações entre estados” baseadas no respeito mútuo e em interesses estratégicos em comum.

Dirigindo-se à toda a assembleia da OCX, Shoigu refutou enfaticamente a maciça propaganda ocidental sobre a Rússia representar uma “ameaça” à OTAN.

Todos estiveram presentes na reunião de ministros da defesa da OCX, incluindo Índia e Paquistão sentados à mesma mesa, e Belarus como observador. Minsk está ansiosa para se juntar à OCX.

As parcerias estratégicas interligadas Rússia–Irã–China estavam em total sincronia. Além do encontro de Dong com Shoigu, ele reuniu-se também com o Ministro da Defesa do Irã, o Brigadeiro Mohammad Reza Ashtiani, que elogiou enfaticamente a condenação de Pequim ao ataque aéreo terrorista de Israel em Damasco.

O que vem acontecendo agora entre Pequim e Teerã é uma reedição do que começou no ano passado entre Moscou e Teerã, quando um membro da delegação iraniana em visita à Rússia observou que ambas as partes haviam concordado em uma relação mútua de alto nível do tipo “tudo o que você precisar”.

Em Astana, o apoio de Dong ao Irã foi inequívoco. Não apenas ele convidou Ashtiani para uma conferência de segurança em Pequim, refletindo a posição iraniana, mas também pediu um cessar-fogo imediato em Gaza e o envio de ajuda humanitária.

Shoigu, reunindo-se com Ashtiani, contextualizou essas afirmações ao lembrar que “a luta conjunta contra o terrorismo internacional na Síria é um vívido exemplo de nossas antigas relações amistosas”. O ministro da defesa russo então colocou o argumento decisivo:

“A atual situação político-militar, bem como as ameaças a nossos estados, nos obriga a … adotar abordagens em comum … à construção de uma ordem mundial justa baseada na igualdade de todos os participantes da comunidade internacional”.

Uma nova ordem de segurança global – A criação de uma nova ordem de segurança global situa-se no cerne do planejamento dos BRICS-10 – para a par com o debate sobre a desdolarização. Tudo isso é anátema para o Ocidente Coletivo, que é incapaz de entender as parcerias multifacetadas e interligadas entre Rússia, Irã, e China.

E a interação continua em termos pessoais. O Presidente russo Vladimir Putin visitará Pequim no final deste mês. Sobre Gaza, a posição da Rússia–Irã–China é totalmente sincrônica: Israel vem cometendo genocídio. Para a União Europeia – e o OTANistão como um todo – não é genocídio: o bloco apoia Israel em quaisquer circunstâncias.

Depois de o Irã, em 13 de abril, ter virado o jogo no Oeste Asiático para sempre, sem sequer ter que usar seus melhores mísseis hipersônicos, a principal questão para a Maioria Global é da maior gravidade: no final das contas, quem conterá os genocidas, e como? Fontes diplomáticas sugerem que isso será tema de discussão em um encontro cara-a-cara de Putin e Xi.

Como observa um acadêmico chinês com desenvoltura sem precedentes:

“Desta vez, os bárbaros enfrentam uma civilização escrita de cinco mil anos contínuos, armada com a Arte da Guerra de Sun Tzu, o pensamento de Mao, a estratégia da dupla circulação de Xi, a Iniciativa Cinturão e Rota, os BRICS, a digitalização em renminbi, a aliança irrestrita entre Rússia e China, a maior indústria manufatureira do mundo, supremacia tecnológica, poderio econômico e o apoio do Sul Global”.

Tudo isso contra um Hegêmona polarizado, que passa por uma situação caótica, com seu porta-aviões genocida no Oeste Asiático fugindo totalmente ao controle.

As ameaças estadunidenses de uma “clara escolha” entre pôr fim a diversas linhas importantes da parceria estratégica Rússia–China ou enfrentar um tsunami de sanções não estão funcionando em Pequim. O mesmo se aplica às ilusórias tentativas de Washington de evitar que países-membros dos BRICS abandonem o dólar dos Estados Unidos.

O Chanceler russo Sergey Lavrov deixou bem claro que Moscou e Pequim já praticamente chegaram ao ponto de abandonar o dólar dos Estados Unidos no comércio bilateral. E o deslavado roubo dos ativos russos pelo Ocidente coletivo é a linha vermelha máxima para os BRICS como um todo – e para todas os outros países que assistem horrorizados: este, decididamente, é um Império país “incapaz de acordos”, como Lavrov vem insistindo desde fins de 2021.

Yaroslav Lisovolik, fundador da BRICS+ Analytics, minimiza a importância das ameaças do Hegêmona contra os BRICS, uma vez que o mapa de percurso de um sistema de pagamentos alternativo ainda está em seus estágios iniciais. Quanto ao comércio Rússia–China, o trem de alta velocidade da desdolarização já deixou a estação.

Mas a principal questão permanece: como Rússia–Irã–China (RIC), como líderes dos BRICS, membros da OCX e, simultaneamente, as três maiores “ameaças existenciais” ao Hegêmona, conseguirão implementar uma nova arquitetura de segurança global sem se confrontar abertamente com os genocidas.

Tradução de Patricia Zimbres

Receba as notícias do Diário do Estado no Telegram do Diário do Estado e no canal do Diário do Estado no WhatsApp

Isso vai fechar em 0 segundos