A polêmica acerca do melhor momento e modo de voltar as aulas presenciais na pandemia é justificável. Vivemos um momento delicado pois nossas rotinas educacionais se tornaram de algum modo ameaça a toda a comunidade escolar. Pensar a educação por meio do digital tem sido tarefa de todos os educadores mesmo antes do coronavírus.
Contudo, quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprova o ensino remoto nas escolas públicas e particulares brasileiras para manter as aulas exclusivamente online, assim como possibilita alguma retomada das atividades presenciais de forma gradual e rodiziada, ele coloca toda a sociedade a experimentar a educação híbrida como meio de manter o processo educativo. Mas, de fato, o que é essa metodologia e como ela interfere na experiência educacional de professores, pais e alunos?
Antes de mais nada, entendamos: o ensino combinado não se resume em ser apenas um meio. Não são apenas atividades presencias alternadas por outras em formato digital. É, em sua concepção, um programa planejado para oferecer o aluno elementos para apreender a vida também digitalmente já que nosso dia a dia é mediado pela tecnologia. E difere do ensino formal e daquela totalmente remoto pois carrega em sua estruturação uma gama de potencialidade a serem desenvolvidas pelos estudantes. Ao conduzir o aluno a fazer atividades com menor supervisão, como aulas assíncronas por exemplo, coloca o aprendiz como sujeito mais ativo de sua aprendizagem.
No caso das crianças menores, tal modelo implica maior participação dos pais já que via de regra os filhos precisam ser monitorados para fazer parte de suas tarefas. Como educadora, pesquisadora e mãe sinto alguma apreensão social em relação à eficácia e/ou limitações do ensino híbrido. Nesse sentido, tomo os pilares da educação estabelecido pela Unesco – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser – para guiar minhas impressões sobre tal proposta educativa.
Aprender a conhecer
O primeiro dos 4 pilares da educação trata tanto da aquisição do saber quanto do domínio sobre os próprios meios para isso. Esse aprendizado pretende que cada pessoa possa conhecer o mundo que a rodeia, conseguindo assim viver dignamente, desenvolver capacidades profissionais e se comunicar. O pilar também aborda o prazer pela compreensão, pelo conhecimento e pelo descobrimento. Incentiva a pesquisa individual para o aumento do saber, o despertar da curiosidade intelectual, a formação de um senso crítico e o desenvolvimento de autonomia para a capacidade de discernimento. Para isso, é necessário antes de tudo, aprender a aprender. Isso é totalmente possível quanto necessário que seja pessoalmente ou virtualmente.
Aprender a fazer
O segundo dos 4 pilares da educação se trata de como conseguir usar os conhecimentos adquiridos na prática, no mercado de trabalho e na capacitação profissional. E, por isso, é fundamental pensá-los no contexto dos novos avanços tecnológicos pois desde as tarefas mais simples já são hoje executadas com ajuda da inteligência artificial.
Aprender a viver juntos
O terceiro dos 4 pilares da educação fala do respeito e parte da premissa de que o combate à intolerância e à violência é mais efetivo se grupos diferentes encontrarem objetivos em comum pelos quais lutar, em vez de simplesmente serem postos um em contato com o outro. Para esse aprendizado, é importante que a educação formal reserve tempo para que os estudantes sejam iniciados em projetos de cooperação. E que o meio digital também seja promotor de práticas não violentas, sociais e humanitárias para que haja consonância entre o mundo real e digital.
Aprender a ser
Tarefa de uma vida toda, consiste em tornar o indivíduo apto a pensar de forma autônoma e crítica, capaz de saber agir da melhor forma possível na vida, respeitando da diversidade humana. Isso se dá por meio de todos os pilares anteriores e exige ainda a crítica também em relação ao self digital que deve estar de acordo com aquilo que se é e não o que o que desejam que sejamos.
Pensando nos preceitos da Unesco nesta situação desafiadora de pandemia entendo seus impactos como evidencias de que a educação contemporânea tem instrumentos para crescer a curva de aprendizagem qualitativamente e quantitativamente. A história ensina nos momentos de ruptura, como a que vivemos desde o início da pandemia, podem se transformar em momentos de renascimento. Fomos obrigados a entender que o ecossistema educacional híbrido possibilita novos tipos de interações, conexões, conhecimento e até afetos.
Por causa do coronavírus, avançamos muito rapidamente no aprendizado digitalizado. Sim, muitas crianças, adolescentes e jovens não têm acesso às ferramentas ou dispositivos informáticos para frequentar cursos dessa natureza. Porém, ao adotarmos este modelo híbrido como uma possibilidade de enriquecer o processo educativo temos também a chance de promover a democracia digital e ainda uma nova ética de comportamentos durante os cursos em linha. É que tais lacunas e desigualdades de acesso ao evidenciam o problema do ponto de vista prático já que tal modalidade estará sendo experimentada. E, por meio disso, a ampliação de acesso de qualidade ao ensino digital por ser acelerada. É fato que nossa realidade mudou e a educação não será mais a mesma.
Acredito em alguns efeitos positivos disso na educação, como o estímulo à reflexão acerca de metodologias, técnicas e ferramentas contemporâneas capazes de incentivar o pensamento crítico e o exercício do papel do indivíduo na sociedade. Obviamente, essa situação nova causa insegurança e as etapas iniciais de compreensão, readequação e adaptação têm exigindo muito trabalho. Mas por acreditar que o futuro educativo será híbrido antes mesmo da Covid-19 desestruturar o mundo, defendo que sigamos aperfeiçoando e ampliando as metodologias para ensinar melhor e a mais pessoas. E, defendo que ao fornecer uma experiência de aprendizagem abrangente que contempla o ambiente da tecnologia como uma ferramenta o ensino toda a sociedade pode ganhar.
A condição humana exige relacionamento e a socialização. E esse é uma parte muito importante do desenvolvimento e produção de saberes técnicos e de vida. Porém, a possibilidade de criar espaços de encontros e construção de identidade, a partir de intercâmbios de conhecimento em ambiente real e virtual é a melhor opção que temos para apreender nesta primeira metade do século XXI.
Por: Geneviève Poulingue, economista, educadora, especialista em inovação pedagógica. “A instituição é uma escola global que, através de suas pesquisas, seus +70 programas de ensino, sua estrutura internacional de múltiplos locais treina e educa os talentos que as empresas do século XXI necessitam”.