A formação do Direito do Trabalho brasileiro foi fortemente marcada por intervenções estatais, especialmente após a chamada Revolução de 1930, com a instauração do modelo corporativista no Brasil, criação do Ministério do Trabalho, Industria e Comércio, com o intuito de intermediar as negociações coletivas e individuais entre empregadores e empregados.
A partir deste período, foram criadas as primeiras normas e direitos trabalhistas, sendo sua normatização consolidada em 1º de maio de 1943, através do Decreto Lei n.º 5451, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, unificando a legislação existente até então.
Com a Constituição Federal de 1988, que buscou enfatizar os direitos e garantias fundamentais, o direito social do trabalhador ganhou enfoque, ante a extrema necessidade de sua regulamentação e proteção. Citamos aqui, o art. 170 da Constituição Federal:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; (…); VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego”.
Assim, a indisponibilidade dos direitos trabalhistas foi intensificada com sua constitucionalização, impossibilitando a negociação, transação ou renúncia de tais direitos ante a sua característica de ordem pública, seja de forma expressa ou tácita, tornando nulo qualquer ato que possa fraudá-los, seja antes, durante ou depois da vigência da relação de emprego.
Cumpre esclarecer que, diversamente da norma pública, a norma jurídica de ordem privada disciplina relações entre particulares, onde o interesse tutelado é discutido com relação de igualdade, inexistindo parte hipossuficiente, prevalecendo a autonomia da vontade e dos interesses das partes.
Ressalta-se ainda, que a Reforma Trabalhista alterou os padrões rígidos da legislação pré-reforma, que não acompanhavam a evolução das relações sociais, prejudicando grandemente a atividade empresarial no Brasil, o que tornou imprescindível e urgente a reanálise da lei.
A reforma trouxe também, como um dos pontos principais, a introdução do art. 611-A na CLT, que dispõe sobre a supremacia dos acordos coletivos sobre a lei, com o intuito de flexibilizar alguns dispositivos, prevalecendo o negociado sobre o legislado, diminuindo o protecionismo exagerado.
As modificações trazidas pela reforma são inúmeras, não sendo possível esgotar em poucas linhas todas as peculiaridades, benefícios, malefícios e divergências, tampouco repassar todas as suas possíveis consequências, entretanto, é necessário observar que a nova normatização nos traz uma flexibilização das regras, fomentando a negociação entre empregado e empregador, através da livre manifestação da vontade individual ou coletiva, como meio de regulação das relações de trabalho.
Ademais, apesar da nítida restrição da autonomia privada na esfera da relação de emprego, bem como as tradicionais considerações em relação a sua indisponibilidade, encontramos na norma, amparo para a possibilidade da negociação das relações contratuais trabalhistas, em consonância com o art. 444 da CLT, desde que não sejam contrariadas as disposições protetivas da legislação, bem como os contratos coletivos (acordos e convenções).
Neste viés, é imperioso analisar cautelosamente se realmente os direitos trabalhistas são, efetivamente indisponíveis, o grau de tal indisponibilidade nas negociações entre particulares e, adentrando ao principal tema do presente artigo, verificar a possibilidade da implementação da mediação e da arbitragem como possibilidade de dirimir conflitos e litígios envolvendo relações de trabalho.
Para tanto, também se faz necessário realizar breve introdução e considerações sobre a mediação e arbitragem, forma alternativa de resolução de conflitos, cada vez mais consolidada no cenário brasileiro.
Inicialmente, ressalta-se que é inconteste a contradição criada entre celeridade processual e a segurança a jurídica do sistema judicial ao longo dos anos, isso porque o formalismo de alguns procedimentos e a tramitação demorada trazem ineficiência ao processo.
Diante da incontestável incapacidade de efetividade no provimento jurisdicional, uma série de reformas judiciais começaram a ser implementadas, tais como a assistência judiciária gratuita, a instituição e Juizados especializados com ritos especiais, contudo, não foram suficientes para a entrega adequada de respostas, soluções e garantia do acesso a ajustiça para toda a população.
Assim, deu-se vazão a junção de um novo centro de poder, formado pela sociedade organizada e novos instrumentos jurídicos processuais para a satisfação a solução dos conflitos, com a promoção de ações legais e pacíficas, viabilizando o acesso à justiça, com diversas vantagens em sua celeridade, informalidade, flexibilidade e baixo custo.
Em que pese o instituto da mediação seja utilizado no Brasil em instituições privadas desde a década de noventa, o marco legal da implementação do procedimento se deu com a Resolução n.º 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, o Novo Código de Processo Civil (que trouxe amplo incentivo aos métodos autocompositivos, judiciais e extrajudiciais) e especialmente pela Nova Lei de Mediação (Lei n.º 13.140/2015). Esta última, dispõe sobre mediação entre particulares para solução de litígios, assim como a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
A Arbitragem também é um método de solução extrajudicial de conflitos, no entanto, se trata de um processo conduzido e decidido por um árbitro ou um tribunal arbitral, escolhido previamente e de forma imparcial pelas partes, pelo seu vasto conhecimento da matéria, cuja sentença terá a mesma eficácia de uma sentença judicial, sendo passível, inclusive, de execução.
São vários os benefícios trazidos pela arbitragem, dentre eles: rapidez em comparação ao procedimento judicial, flexibilidade, aplicação da normativa desejada, fácil execução da sentença, sigilo, observância dos princípios de imediatidade, irrecorribilidade, simplicidade, concentração e economia.
O compromisso arbitral refere-se à questão já existente. Segundo a definição legal é: “é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”. O compromisso é um negócio jurídico processual, produzindo efeitos processuais e vínculos obrigacionais ao dispor sobre o pagamento de despesas, honorários etc., de forma a “vincular” as partes e o juiz, por isso deve limitar a matéria que será posta à consideração do árbitro.
A lei n.º 9.307 instituiu a arbitragem no Brasil e a Lei n.º 13.129/2015 aprimorou seu processo, bem como implementou significativas alterações no que tange a possibilidade da aplicação da arbitragem pela administração pública direta e indireta na resolução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis; a inclusão dos artigos 22-A e 22-B na Lei da Arbitragem que dispõem sobre a possibilidade das partes ingressarem no Poder Judiciário para concessões de medidas cautelares e de urgência apenas no momento que antecede à instituição da arbitragem; interrupção da prescrição com a instituição da arbitragem e a possibilidade das partes em indicar árbitro diverso da lista de instituição arbitral.
Em que pese a ampla gama de alterações trazidas pela Lei de Mediação, Lei de Arbitragem, bem como pelo Novo Código de Processo Civil, a verdade é que não restaram previstos os direitos que admitem autocomposição, cabendo a Doutrina e a Jurisprudência indicá-los como direitos indisponíveis, já explicados no presente artigo.
Após as considerações realizadas sobre os institutos da Mediação e da Arbitragem do Brasil, questiona-se sobre a possibilidade de utilizá-los para pacificação e resolução de conflitos em relação aos direitos indisponíveis trabalhistas.
Como já mencionado, a CLT traz regras de direito público e privado e, diante deste quadro, se faz necessário entender a disponibilidade do direito do trabalho de acordo com o caso concreto, sendo inconcebível que tais direitos sejam taxados de indisponíveis de forma irrestrita e absoluta.
É importante observar que a legislação trabalhista preceitua que a proteção do trabalhador está dentro da relação de emprego, que a referida proteção se torna plena e eficaz na contratação e na vigência desse modelo contratual. O descumprimento, por qualquer das partes, das condições estabelecidas na relação, poderá provocar a obrigação de reparação do dano, ou seja, de indenizar a parte preterida de seu direito.
A jurisdição é sem dúvida a principal via de resolução de conflitos, especialmente quando se trata de litígios oriundos da legislação trabalhista, sopesando a indisponibilidade das garantias fundamentais e direitos indisponíveis, amparada pela hipossuficiência do trabalhador. No entanto, a sobrecarga de demandas culmina problemas no Judiciário, demora exacerbada e a consequente má prestação jurisdicional.
Considerando as previsões legais, especialmente da Constituição Federal, não há contrassenso sobre a utilização da arbitragem como uma possibilidade para solução de conflitos coletivos, pelo que a situação não demanda maiores digressões.
Ao contrário, existe grande questionamento sobre a absoluta irrenunciabilidade dos direitos individuais, pois mesmo na seara judicial, é possível o acordo entre as partes, com a diminuição de verbas trabalhistas, o que ascende em correntes doutrinárias a possibilidade de permitir aos contratos de trabalho já rescindidos, a adoção da arbitragem como via de resolver eventuais controvérsias, tendo em vista que a vulnerabilidade do trabalhador e os laços de dependência e subordinação já tenham sido rompidos.
Podemos encontrar na jurisprudência correntes que não admitem qualquer tipo de composição em relação a direitos indisponíveis, assim como também encontramos jurisprudências que consideram que, se no processo trabalhista é possível uma composição entre empregado e empregador, seria viável às partes transigirem sobre um conflito com a apreciação de um árbitro ou corte arbitral.
Posta dessa maneira a questão, analisando a possibilidade de se utilizar a Arbitragem para dirimir conflitos trabalhistas, é importante observar que como a jurisdição arbitral é idêntica à jurisdição estatal quanto aos efeitos, a irrenunciabilidade dos direitos significa, apenas, que não é dado ao árbitro (assim como não é permitido ao juiz togado), admitir, na sentença que prolatar, a renúncia de qualquer dos direitos do trabalhador, reconhecidos pela legislação trabalhista.
Salienta-se também, que existe o entendimento de que a indenização, objeto da medida judicial adotada, será um reflexo patrimonial das obrigações, decorrentes de um contrato de trabalho antes firmado e em algum momento adimplido, tornando-se, portanto, um direito disponível.
Fato é que, apesar de não ser o entendimento majoritário, é inconteste que a sociedade brasileira, assim como o próprio Poder Judiciário, almeja soluções eficientes, buscando caminhos de medidas alternativas para resolver demandas por meio de instrumentos de ação social participativa, ante abarrotamento de processos e a morosidade de respostas nos litígios propostos.
A possibilidade de se utilizar meios alternativos de resolução de conflitos, seria um modo de apaziguar e melhorar a resposta judicial atualmente entregue ao trabalhador, no entanto, alguns cuidados são fundamentais para que se tenha um equilíbrio nesta análise e a arbitragem possa ser utilizada de maneira adequada, assegurando uma assistência jurídica adequada, sem prejuízo ao empregado.
Impedir a arbitragem de ser uma opção dos litigantes para resolução de um impasse trabalhista, parece ser uma postura intransigente, arraigada na ideia de que sempre há um sentido natural de que os empregados serão vítimas da má-fé dos empregadores. Embora seja necessário proteger a parte mais vulnerável de uma relação, não se pode olvidar que as generalizações são munidas de muitos argumentos falaciosos, que renovam fundamentos anacrônicos e impedem experimentos novos que podem trazer maior qualidade à nossa realidade jurídica.
O importante seria analisar cada caso, verificando a possibilidade de atender e reconhecer o fato diante da previsão legal e de suas peculiaridades concretas, até mesmo através de um procedimento específico para arbitragem trabalhista.
Até a efetiva resolução destas controvérsias, seja através de uma nova atualização da matéria legal ou pela criação de um procedimento específico arbitral trabalhista para a solução efetiva de tais indagações, segue prevalecendo, em regra, a majoritária tese da indisponibilidade dos direitos trabalhistas e, em contrapartida, a jurisprudência e doutrina analisando caso a caso, fomentando a insegurança jurídica sobre o tema.
Mariana Lima Gonçalves
Advogada especialista em Direito Empresarial