Diferentemente de outras situações que provocaram crises do passado, a Covid-19 não é algo isolado e sua existência modificará significativamente a estrutura de proteção social do Estado, dada a sua dimensão global. A pandemia, representada em sua essência, já é uma perspectiva ligada ao risco.
A crise que chega a galope, com velocidade típica de nossa era e também do próprio risco, afeta todo o arcabouço da seguridade social, haja vista que tem provocado o aumento brusco do desemprego (em razão do necessário distanciamento social) e inibindo a geração de empregos. Logo, com reflexos altamente velozes na queda da arrecadação previdenciária, é uma lógica que surge na contramão do aumento exponencial de pedidos de benefícios previdenciários, em razão da convivência da sociedade com o risco da Covid-19.
É o mesmo que viver diante da matemática do impossível, gastar mais e receber menos. O momento é muito difícil para equilibrar o aumento da despesa, em virtude dos novos pedidos de benefícios previdenciários, com a queda acentuada da arrecadação, em virtude do desemprego e do fechamento das atividades econômicas.
Em casos que o segurado ou segurada, que lamentavelmente perder a vida, seu cônjuge ou companheiro pedirá a pensão por morte; aquele que fica doente e não pode trabalhar, solicitará o benefício por incapacidade; o que perde o trabalho, perde o negócio e passa a viver em hipossuficiência, entrará com o pedido de benefício assistencial. Milhares já vivem e viverão isso, infelizmente.
Nesse contexto deverá se inserir um novo modelo de risco e qual o tamanho de sua proteção, ou seja, a Nova Previdência, reforma ocorrida em 2019, talvez seja derrubada pela Pandemia. Eis que a vida da sociedade não passará somente pela crise sanitária, mas necessitará de uma nova discussão de como será a proteção do Estado frente as dificuldades vividas pelo povo, que sem emprego, sem renda, com saúde fragilizada, dependerá mais do que nunca da proteção da seguridade social e a Previdência Social será esteio ou a mola propulsora para o abismo.
A redução dos benefícios e direitos trazidos pela Nova Previdência carecerão de outro debate e talvez o gatilho disso ocorra não por provocação de discurso ideológico, mas por verdadeira necessidade de sobrevivência. Nesse cardápio de opções apocalípticas trazidas pela Covid-19, o menu vida sempre será mais importante do que o portfólio da economia. O mundo moderno e culturalmente desenvolvimento já abraçou essa máxima. E mesmo que essa proteção se limite a garantia das necessidades básicas do grupo, do que necessidade de proteção, mesmo assim, será vida em abundância.
A dimensão é tamanha e não há solução a curto prazo para se equilibrar a redução de receita com aumento dos gastos. A exemplo da Nova Previdência, que previa redução de despesas em dez anos, e economia essa que será gasta nos próximos doze meses.
E ainda há que se conviver com as mudanças de rota, o começo de um isolamento global, ou seja, desglobalização iniciada na Europa e também na América do Sul. Não há espaço ainda para apresentar soluções ou possíveis soluções, nem temos essa ousada pretensão, mas é vital que esse debate tenha início e que seja breve.
Hallan de Souza Rocha é advogado previdenciarista e tributarista; sócio-fundador do escritório Azzi, Rocha & Santos Advogados Associados; ex-presidente do Instituto Goiano de Direito Previdenciário (IGDP); está no instagram como @azzirochasantos