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A Saúde Digital é um fenômeno definido por uma transformação cultural onde as tecnologias disruptivas desempenham um papel crucial no fornecimento de dados digitais acessíveis tanto para os profissionais de saúde, como para os pacientes. Essa distribuição equivalente de informações leva a uma segunda etapa de mudança na relação médico-paciente, onde a democratização do cuidado e participação em decisões com empoderamento do paciente são características cada vez mais presentes.
Desde o surgimento do primeiro estetoscópio, até o desenvolvimento de vacinas e antibióticos, a inovação tecnológica faz parte do processo natural de evolução da medicina. Contudo, no século XIX, a prática da medicina ainda era baseada exclusivamente na experiência profissional, o que precisava de anos e anos de experiência. Durante todo o século XX e início do século XXI, houve um crescimento gradativo da prevalência de doenças crônicas, com um aumento da expectativa de vida da população. No entanto, o número de profissionais de saúde não conseguiu crescer na mesma proporção, chegando a ter um déficit de 4,5 milhões de profissionais no mundo, segundo a OMS.
A partir dos anos 2000, quando então a velocidade da internet, juntamente com as tecnologias móveis foram mais disseminadas, a informação passou a ser também democratizada. Com um clique no Google e poucas palavras, já temos algo para ler sobre determinado assunto. Temos vídeos em todas as plataformas de streaming disponíveis, além de grupos diversos formados nas mais variadas redes sociais para tirar dúvidas e dar orientações específicas para qualquer tema em saúde. Esse é um dos pilares do mundo digital. O pilar das pessoas e comunidades. Importante reforçar que é fundamental observar as fontes e a procedência do que lemos na internet.
Chegamos em 2021 com um novo ‘status quo’ estabelecido plenamente. A virtualização, e digitalização dos mais variados processos, nas diversas indústrias existentes, se tornou um fato necessário, e não apenas inovador. A saúde, uma das poucas indústrias que ainda continuava trabalhando de uma maneira totalmente analógica, em uma sociedade voltada para o digital, se mantinha intacta, num pedestal prestes a cair do penhasco. Cuidar da saúde é burocrático, sem resultados práticos rápidos e sem felicidade imediata. Todas essas características fazem com que o modelo antigo, não seja apenas obsoleto para a era em que vivemos, mas também perigoso. O digital pode salvar vidas, através do engajamento sem invasão, do estímulo sem opressão, e do aconselhamento sem virtuosismo médico.
Não acredito, sinceramente, que a tecnologia seja o ponto mais importante nessa equação. A inteligência de empregar a tecnologia certa, na hora certa, lugar certo e com a pessoa certa, na verdade vem de uma série de estudos detalhados feitos por humanos, e de resultados interpretados por humanos. Não adianta darmos de “presente” um biossensor wearable para um paciente, sem medidas educacionais adequadas, sem aplicativos que o ajudem no engajamento, sem orientações sobre seu funcionamento, e sem suporte humano à disposição. Por exemplo, diversos programas de telemonitoramento têm sido realizados, e na maioria das vezes a grande questão continua sendo a seguinte: o que fazer com os dados, e como gerenciar as pessoas com esses resultados? Não seria melhor utilizar o termo telegerenciamento?
A saúde digital tem ainda muitos desafios. A maioria das organizações de saúde ainda está num período prévio à era digital e não iniciaram sequer um processo de digitalização. Primeiro, devemos procurar digitalizar, para depois sermos, de fato, digitais. A cultura do pensamento digital dos gestores atuais ainda é bastante deficitária. Insistimos por diversas vezes, e muitas delas sem perceber, em escanear processos analógicos e transferi-los para o mundo digital. Isso geralmente cria problemas sérios de gestão e de resultados. Não temos nem mesmo coleta estruturada de dados na grande maioria das organizações de saúde. Portanto, a jornada para a saúde digital plena, ainda precisa de muito trabalho. A outra questão é como evitar a criação de abismos entre os nativos digitais, e aqueles que se relacionam de forma bem menos simbiótica com a tecnologia? Como melhorar cada vez mais a transparência e a experiência digital?
Para finalizar, gostaria de deixar aqui uma mensagem importante. Os gestores da saúde, e os profissionais médicos e não médicos, têm um papel crucial no desenvolvimento da transformação digital na saúde, e precisam perceber isso o quanto antes. Esse não é um movimento tecnológico. Para aqueles que ainda não perceberam essa característica, ainda há tempo. O movimento de transformação digital na saúde, é social, cultural e humano.
Por José Luciano Monteiro Cunha, Diretor corporativo de telemedicina do Sistema Hapvida
Sobre dr. Luciano Cunha
Natural de Salvador, o doutor José Luciano Monteiro Cunha escolheu a medicina por acreditar na capacidade que um médico tem de aliviar as dores de uma pessoa. Mora em São Paulo há 10 anos, é neurologista formado pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo – IAMSPE. Desde 2018, é o diretor corporativo de telemedicina do Sistema Hapvida. No início do ano passado, tornou-se consultor em telessaúde, head de soluções em telemedicina e saúde digital da Maida.health e coordenador do Comitê de Telemedicina da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde).