Última atualização 12/05/2022 | 09:20
Seja em hospitais ou na própria residência do paciente, cuidadores e cuidadoras desenvolvem um trabalho que exige mais que técnica: também é preciso afeto e sensibilidade. Aliadas, estas habilidades têm potencial de deixar o dia a dia de pessoas acamadas mais leve, tranquilizar famílias e até detectar casos de violência.
Mara Lúcia Pereira da Silva Fernandes é cuidadora há mais de vinte anos, em Goiânia. “Já cuidei de várias pessoas, de todos os jeitos e maneiras. Tem idosos que são mais calminhos, outros mais bravos. Mas eu não faço diferença: o cuidado com todos eles é igual”, comenta, ao relembrar sua trajetória.
Hoje, ela atende o senhor Albertino, que completa 102 anos no domingo (8). “Ele é muito lúcido, fala nome, onde mora, onde nasceu. Ele me agradece o tempo todo. Nunca vi uma coisa tão maravilhosa”, comenta sobre o paciente. A rotina de cuidado envolve dar banho, remédios, fazer a barba, cortar as unhas, além de alimentar e garantir a hidratação, por meio de sonda. Outra necessidade básica, segundo Mara, é o afeto.
“Eu danço, brinco, dou um ‘bom dia’ bem animado. Alguns brincam e até me chamam de doida. Esse alto astral faz parte do trabalho. Eles já estão acamados, tristonhos, então tem que fazer alguma coisa diferente para animar a vida”, comenta.
A filha do senhor Albertino, a professora universitária Rosane Castilho, conta que o pai sofreu um AVC isquêmico em maio do ano passado. Foi quando a família buscou uma empresa que oferece o serviços de cuidadores. Enquanto cliente, ela concorda com a ideia de que o trabalho de cuidar vai muito além de cuidados com higiene, alimentação e saúde “O treinamento a pessoa pode receber e aprender, mas o afeto é decisivo. Ouvir e responder com atenção são coisas muito importantes, porque gera conforto e sensação de que tem alguém do lado. Não é só a parte técnica. Se fosse, poderia ser um robô fazendo”, comenta.
Rotina e exigências da profissão
Talita Ferreira de Paiva, enfermeira e uma das proprietárias da agência em que Mara trabalha, em Goiânia, conta que o local tem cerca de 50 profissionais cadastrados. Todos têm curso profissionalizante na área de cuidador, que pode durar de 60 a 120 horas. Na entrevista, é analisado o perfil e ter experiência é um diferencial.
“No curso, existem conteúdos sobre o que é terceira idade, estatuto do idoso, questões voltadas ao combate à violência contra idosos, cuidados básicos do dia a dia, informações sobre higiene – que envolvem banho e troca de fraldas, por exemplo – , principais doenças que atingem a terceira idade, alimentação e como manter a dieta do paciente. Também é ensinado como checar sinais de pressão alta, diabetes e identificar febre, por exemplo”, detalha a empresária.
Ines Zioni da Silva começou a atuar na profissão em 2020, em Goiânia. Nestes dois anos, tomou gosto pela área e resolveu fazer um curso técnico de enfermagem para aprimorar. Por outro lado, a cuidadora conta que aprende mais na prática da profissão. O foco de Ines é no atendimento a pacientes idosos. “Eles são muito carentes e sozinhos. Não têm com quem conversar. Acho que foi a carência deles que fez eu pegar amor. Para mim, isso é o principal”, comenta. Hoje, ela concilia o cuidado a dois pacientes, alternando os horários.
A cuidadora conta que, por mais que existam muitas famílias exigentes quanto ao cuidado, outras são poucas presentes na vida dos idosos ou outros pacientes que necessitem de um cuidador. “Nem toda família é atenciosa. Algumas são desligadas. Os familiares não costumam ter aquela paciência de sentar e escutar [o paciente]. E é isso que eles querem: ter alguém para conversar”, relata.
Além da escuta, a observação é importante, inclusive para identificar quando um paciente está sendo vítima de violência. “A gente já recebeu demanda de familiares que relataram algum tipo de violência cometida pelo cuidador. Apesar de a questão da violência ser discutida em todo curso para cuidador, isso vai da índole de cada pessoa também, infelizmente. Por outro lado, cuidadores também relatam violências por parte da família: não só física, mas psicológica, e financeira também”, comenta a empresária Talita.
Mercado de trabalho dos cuidadores
Ines consegue trabalhos tanto via agência, quanto de forma particular, negociando diretamente com a família do paciente. “No grupo da agência, todos os dias tem vaga”, conta, pontuando que o mercado tem grande demanda. Ela recebe, em média, R$ 130 por plantão de 12h, se for por meio de agência, e R$ 150 caso seja contratação particular para este mesmo período. Os turnos costumam de ser de 12 ou 24 horas.
A profissão de cuidador ou cuidadora é recente, conforme explica Talita. “Começou a se institucionalizar nos últimos dez anos. Antes, as famílias contratavam um profissional doméstico, um secretário do lar”, relembra. A empresa da enfermeira, que existe há seis anos, vem tendo aumento de demanda. “A gente notou crescimento exponencial da procura, principalmente para evitar levar idosos para instituições de longa permanência [antigos asilos]. O segundo motivo principal é o de a própria família poder manter a supervisão. Outro ponto é a estabilidade do idoso: não precisar retirar ele de casa”, comenta.